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Problemas sociais não resolvidos ofuscam era de Evo Morales

Mesmo com problemas de cunho social, país passou em quase uma década a uma das economias mais pujantes da região

O presidente da Bolívia, Evo Morales: país andino cresceu 6,5% em 2013, reduziu a pobreza extrema em mais de um terço, de 28% para 18% (Stan Honda/AFP)
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Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2014 às 16h37.

La Paz - Crescimento econômico recorde e um golpe de governo na disputa marítima da Bolívia com o Chile são alguns dos pontos altos dos nove anos de Evo Morales no poder, apesar de não ter conseguido nesse tempo erradicar ou diminuir significativamente males endêmicos do país como o trabalho infantil, a violência machista e a ineficácia judicial.

A Bolívia, que por décadas liderou a lista dos países mais pobres da América Latina, passou em quase uma década a uma das economias mais pujantes da região, impulsionada desde 2006 pela nacionalização do petróleo e pelo auge da extração de gás, que alcançou preços recorde nestes anos.

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O país andino cresceu 6,5% em 2013, reduziu a pobreza extrema em mais de um terço, de 28% para 18%, e instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial reconheceram suas inéditas conquistas econômicas.

A política de estatizações e de busca da soberania foi tão bem-sucedida que Morales chegou a afirmar que três países da região tinham pedido dinheiro emprestado à Bolívia, que, no entanto, negou a solicitação.

No entanto, esta reconhecida bonança não melhorou a vida de amplos setores da sociedade, como as 850 mil crianças que ainda trabalham no país, que tem pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Embora o governo tenha 'regulado' este trabalho mediante um código de proteção à infância, acabou cedendo às reivindicações de representantes das crianças e fixou em dez anos a idade mínima para trabalhar por conta própria, e em 14 anos como funcionários registrados.

O próprio Morales justificou o trabalho infantil porque, segundo ele, 'cria consciência social', embora rejeite qualquer tipo de exploração.

Uma medida do governo de Morales que será lembrada é a histórica decisão de processar o Chile na Corte Internacional de Justiça para negociar a restituição de uma saída para o Pacífico, após a Bolívia perder seu litoral em uma guerra contra o país andino no século XIX. A decisão fez o presidente obter um inusitado consenso político no país.

Mas, enquanto apela à justiça internacional para resolver esta centenária questão de Estado, Evo Morales assiste à gravíssima crise do poder judiciário em seu próprio país.

A corrupção generalizada e a superpopulação carcerária, em boa medida causada pela demora na tramitação dos processos, provocou nestes anos trágicos motins e massacres nos presídios.

O próprio governo qualificou a situação de 'vergonhosa' e quer tentar combatê-la com uma lei que permitirá prender juízes e promotores que demorem demais a tomar decisões.

No final de 2012 foi revelada uma rede de extorsão no sistema judiciário que respingou em altos funcionários e envergonhou o Executivo.

A ineficácia judicial é um dos motivos pelos quais, apesar de mais de 70 mulheres terem morrido vítimas da violência machista em 2014, as sentenças por feminicídio ditadas no último ano e meio mais chegam a dez.

A Bolívia é, segundo dados da ONU, o país latino-americano com maior índice de violência machista, e o segundo em violência sexual, atrás apenas do Haiti.

O governo expediu em 2013 uma lei que pune duramente o feminicídio, mas que está só no papel porque não há meios para aplicá-la, e enquanto isso mulheres e meninas continuam sendo estupradas e assassinadas diariamente na Bolívia.

A justiça também não conseguiu controlar outro tipo de violência, a das multidões enfurecidas que lincham supostos bandidos sob a leniência da justiça indígena comunitária, reconhecida na Constituição de 2009, mas que, na realidade, não estabelece a pena de morte nem punições físicas.

Porém, se tem um aspecto em que a justiça boliviana é muito eficaz, é na hora de abrir dúzias de processos contra destacados opositores, e alguns deles receberam refúgio político em países vizinhos, como o senador Roger Pinto no Brasil e o ex-governador Mario Cossío no Paraguai.

Este cenário social e judicial provocou iradas críticas da Defensoria Pública e chamadas de atenção das Nações Unidas, organismo que, no entanto, reconheceu o bom governo da Bolívia em outros assuntos como na liderança, neste ano, do G77.

Outras recentes conquistas de Morales foram o lançamento do primeiro satélite boliviano e, em assuntos mais cotidianos, a busca de uma solução para o caótico trânsito com a construção do faraônico teleférico de La Paz.

Evo Morales busca agora um terceiro mandato e estabeleceu na campanha suas prioridades: o avanço na industrialização, o início de um programa nuclear e a formação de profissionais muito qualificados para quem o governo pagará bolsas de estudos nas melhores universidades dos Estados Unidos, apesar da animosidade de Morales para este país.

Nem uma palavra nestes planos de futuro, no entanto, foi dada sobre as crianças trabalhadoras e as mulheres oprimidas.

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