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Presos no exterior, os "pinks" da China repensam seu país

No país do "comunismo vermelho", chamar alguém de "pink" é uma espécie de insulto contra os que são acusados de se alinharem 100% com o governo

CHINA: muitos jovens estudantes do país ainda estão presos no exterior sem poder retornar (ay James/SOPA Images/LightRocket/Getty Images for National Geographic Magazine)

Janaína Ribeiro

Publicado em 14 de julho de 2020 às 16h40.

Última atualização em 14 de julho de 2020 às 16h55.

Com um nó na garganta, ele assistiu a um desfile militar no Dia Nacional, aniversário da China, que mostrou uma nação outrora retrógrada que havia se tornado forte e poderosa. Ele ficou arrepiado assistindo a "Lobo Guerreiro 2", um sucesso chinês parecido com "Rambo", com um veterano super-herói que resgata sozinho seus compatriotas presos no exterior.

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Quando a China foi atacada on-line, Liu foi um dos inúmeros estudantes chineses no exterior que fizeram posts em defesa de seu país. Ele condenou os protestos pró-democracia em Hong Kong, que viu como uma tentativa de dividir uma China unida. Depois que o presidente Donald Trump chamou o coronavírus de "vírus chinês", Liu recorreu ao Twitter para corrigir aqueles que usavam o termo.

"Eu era um 'pink' de fato", disse ele, usando um termo um tanto depreciativo (cor-de-rosa) para os jovens nacionalistas chineses, comunistas vermelhos que usam a internet como um campo de batalha patriótico para combater aqueles que depreciam a China.

Então Liu, de 21 anos, descobriu que o país que sempre defendeu não o queria de volta.

Recém-formado por uma universidade do Meio-Oeste americano, ele se tornou um dos incontáveis chineses presos no exterior por causa pandemia do coronavírus. Os voos haviam sido cancelados. As passagens de volta eram escandalosamente caras. O governo chinês, temendo que pessoas como ele fossem portadoras do vírus, restringiu voos internacionais e orientou seus expatriados a ficar onde estavam.

Quando os estudantes entraram na internet para questionar por que não podiam tomar um voo de volta para casa, os chineses lhes disseram que ficassem longe. Muitos acreditavam que os estudantes eram pirralhos mimados que poderiam comprometer o sucesso da China na contenção da epidemia.

Liu e muitos outros inumeráveis chineses no exterior estão, pela primeira vez, entrando em conflito com um dos princípios políticos fundamentais de seu país: os interesses nacionais vêm antes das necessidades de um indivíduo. Isso pode parecer razoável, até mesmo lógico, mas difere fortemente do sentimento existente em muitos países, como os Estados Unidos e outros, onde os direitos da minoria são supostamente protegidos.

Nesse caso, os estudantes e trabalhadores expatriados se tornaram um grupo minoritário que, espera-se, deve se sacrificar em benefício da maioria. Isso os coloca entre as fileiras de críticos do governo e de manifestantes pró-democracia de Hong Kong – pessoas que há muito lutam on-line.

Alguns dos "pinks" estão repensando sua relação com o país – que, no contexto chinês, é a nação, o governo e o Partido Comunista, todos em uníssono.

"Meus sentimentos são cada vez mais complicados. O país que eu amava não me quer de volta", escreveu Liu na plataforma de mídia social Weibo em meados de maio.

Ele me contou que, lendo as muitas postagens críticas nas redes sociais contra estudantes estrangeiros, se sentiu como se tivesse sido "massacrado".

Suas opiniões podem um dia ajudar a moldar a relação da China com o mundo. Alguns vão se tornar líderes em negócios, na academia ou em outras instituições. Provavelmente, continuarão patriotas, mas terão uma visão mais diversificada de seu país. E podem não acreditar tão rapidamente no que ouvem de seu governo.

"Você já pensou em como se sentiria quando um dia alguém lhe dissesse que aquilo em que você acredita firmemente não é verdade?", indagou Liu.

Daisy Leng, aluna de intercâmbio do terceiro ano da Universidade Troy, no Alabama, que terminou seu curso, mas que não consegue um voo para voltar para casa, escreveu no Weibo que realmente amava seu país e que havia discutido com pessoas que se atreveram a difamar a China. Mas, depois de quatro cancelamentos por causa das restrições do governo, ela ficou frustrada. "Meu coração esfriou", escreveu ela, acrescentando um emoticon de coração partido.

Não se sabe exatamente quantos há em uma situação semelhante. Liu e Leng estão entre mais de 1,4 milhão de estudantes chineses que viviam em países estrangeiros em dois de abril, com quase um terço deles nos Estados Unidos.

Muitos não voltaram para casa em fevereiro ou março porque a situação do coronavírus parecia pior na China. Outros queriam terminar o semestre em vez de voltar e ter aulas on-line com uma diferença de horário complicada. Alguns ouviram o governo chinês, que lhes disse que ficassem seguros, mas que permanecessem onde estavam.

Então a pandemia atingiu o resto do mundo. O órgão regulador de aviação da China começou a limitar a frequência com que as companhias aéreas estrangeiras podiam voar para o país. As companhias chinesas voaram para o exterior, mas com capacidade limitada. Ao mesmo tempo, países menos prósperos como a Índia organizavam operações para trazer de volta seus cidadãos.

Muitos estudantes chineses foram à conta oficial do regulador de aviação no Weibo para pleitear e protestar contra os voos cancelados e os altos os preços das passagens. Para eles, a China era como um sonho bonito, mas inatingível.

"Este é um momento de prosperidade, como vocês desejavam", afirmaram muitos, citando um bordão da mídia estatal que instava os chineses a se sentirem gratos por viver em um país bem-sucedido.

Muitos dos estudantes pertencem ao que pode ser a geração mais nacionalista desde que a China se abriu para o mundo, há mais de quatro décadas. Eles cresceram em meio ao controle da censura e à propaganda cada vez mais estridente. Na escola, aprendiam incessantemente que a China foi humilhada durante um século pelos países ocidentais.

A exposição a culturas e línguas estrangeiras não tornou muitos deles mais receptivos às ideias vindas de fora. As mídias sociais, especialmente o WeChat, são tão poderosas que vivem principalmente em uma bolha chinesa em terras estrangeiras.

E o Partido Comunista dominou a arte de promover o patriotismo. Uma de suas histórias de sucesso é "Lobo Guerreiro 2", o filme de ação de 2017 que se tornou o maior sucesso chinês e conquistou pessoas como Liu.

Perto do fim do filme, depois de uma longa cena do veterano chinês em uma nação africana agitando a bandeira de seu país, uma frase é digitada, palavra por palavra, na parte de trás de um passaporte chinês vermelho: "Cidadãos da República Popular da China, não desistam quando encontrarem perigos no exterior! Por favor, lembrem-se, atrás de vocês está uma pátria forte!"

Para muitos desses alunos, essas palavras parecem vazias agora. "No mundo real, não há nenhum guerreiro vindo em meu socorro", postou no Weibo uma estudante chinesa no Japão.

No início de abril, Liu comprou uma passagem da Delta Air Lines, por cerca de US$ 900, de um voo para Xangai em junho. Depois, o voo da Delta foi cancelado quando as autoridades chinesas restringiram as companhias aéreas dos EUA.

Finalmente, ele reservou um voo através de Los Angeles e Seul, na Coreia do Sul, para a cidade chinesa de Xiamen, a 595 quilômetros de sua cidade natal. Custo: US$ 2.500. "Eu me sinto muito melhor agora que tenho a passagem. Quase comecei a questionar o significado da vida."

Os estudantes foram francos em seus comentários anônimos nas redes sociais, mas mais reservados em entrevistas. Liu, por exemplo, concentrou sua frustração no órgão chinês regulador de aviação, que recentemente recuou depois que autoridades dos EUA desafiaram seus limites às companhias aéreas estrangeiras. Leng, da Universidade de Troy, disse que entendia as motivações do regulador.

Mas alguns admitiram o que poderia ser um novo sentimento: medo. A estudante do Japão que mencionou "Lobo Guerreiro 2" revelou que temia uma retaliação do governo chinês se falasse comigo.

Então ela me convidou para um grupo do WeChat de quase 500 estudantes chineses que trocavam informações sobre voos, vistos, escolas e frustrações. Eles recomendavam um ao outro que não dessem entrevistas, nem mesmo para a mídia chinesa, por medo de punição do governo.

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