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Passado põe à prova o processo de paz da Irlanda do Norte

Após 15 anos de processo de paz, a Irlanda do Norte ainda não está pronta para esquecer os crimes cometidos pelos paramilitares e as forças de segurança


	Policiais na Irlanda do Norte: ainda há muitas dúvidas sobre episódios que aconteceram em três décadas em um conflito que deixou mais de 3.500 mortos
 (Peter Muhly/AFP)

Policiais na Irlanda do Norte: ainda há muitas dúvidas sobre episódios que aconteceram em três décadas em um conflito que deixou mais de 3.500 mortos (Peter Muhly/AFP)

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Da Redação

Publicado em 27 de novembro de 2013 às 07h34.

Dublin - Após 15 anos de processo de paz, a Irlanda do Norte ainda não está pronta para esquecer os crimes cometidos pelos paramilitares e as forças de segurança durante um conflito que os dissidentes do IRA querem reavivar.

Ainda há muitas dúvidas sobre muitos dos episódios que aconteceram em três décadas em um conflito que deixou mais de 3.500 mortos, um legado que não se sabe como abordar e que está abrindo fendas na reconciliação.

A única coisa que uniu os partidos e as vítimas da província britânica é sua rejeição a uma polêmica proposta apresentada na semana passada pelo procurador-geral norte-irlandês, John Larkin.

Sua iniciativa teve enorme repercussão, pois propôs arquivar todos os delitos cometidos pelos grupos paramilitares católicos e protestantes, a polícia e o exército britânico antes da assinatura, em 10 de abril de 1998, do Acordo de Paz da Sexta-Feira Santa.

Esta anistia, como denominam alguns, "seria um erro, seria como seguir o modelo espanhol após a morte de Franco, esquecer e evitar assumir uma visão sobre o que aconteceu no passado", disse à Agência Efe a escritora e jornalista Anne Cadwallader.

"Provocou muita dor às famílias das vítimas, mas também a uma sociedade que, como a norte-irlandesa, precisa fechar suas feridas", ressaltou Cadwallader, que acaba de publicar o livro "Lethal Allies" ("Aliados Letais", em tradução livre, sem edição em português).

Na obra ela conta a história de um grupo armado protestante que entre 1972 e 1978 assassinou mais 120 pessoas no sul da região, a maioria civis sem vínculos paramilitares, com a ajuda da antiga polícia norte-irlandesa e do Regimento de Defesa do Ulster (UDR), uma unidade do exército britânico.


A jornalista inglesa, estabelecida na Irlanda do Norte desde que chegou nos anos 80 para cobrir o conflito, teve acesso aos trabalhos da chamado Equipe de Pesquisas Históricas (HET), criada em 2005 para investigar mais de 1.800 assassinatos não resolvidos.

"Pela primeira vez a confabulação das forças de segurança e do estado britânico com os paramilitares está documentada a partir de arquivos oficiais que estavam fechados ao público, aos tribunais, às famílias", explicou.

Ela acredita que é importante que as vítimas da violência saibam a verdade, mas sobretudo "para que avance o processo de paz no norte", onde, 15 anos depois, "não há reconciliação" entre as duas comunidades historicamente confrontadas, divididas pelo que "passaram durante o conflito".

Caso a proposta de Larkin prospere, o HET deixaria de existir e as autoridades jogariam um véu sobre atrocidades como o atentado do já inativo Exército Republicano Irlandês (IRA) na cidade de Enniskillen, que acabou com a vida de 11 pessoas em 1987 e que até hoje segue sem punição.

Também interromperia a investigação iniciada pelo Serviço de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI) sobre a morte de 14 manifestantes pelo exército britânico em 1972 na cidade de Derry, no chamado "Domingo Sangrento", um processo que poderia levar à Justiça soldados e comandantes militares.

"Desde a assinatura do Acordo da Sexta-Feira Santa se debateu sobre como lidar com a herança do passado. Foi um cálice envenenado porque ninguém sabe como se colocar de acordo", lamentou Cadwallader.

A ausência de liderança política e de reconciliação real é o ambiente ideal para que setores mais descontentes da sociedade norte-irlandesa expressem suas frustrações através da violência.

Violência como a que aconteceu durante a temporada de desfiles da ordem protestante de Orange no meio do ano, ou como no início de 2013, quando centenas de policiais ficaram feridos em confrontos com jovens protestantes e católicos provocados pela retirada da bandeira britânica da prefeitura de Belfast, que só é hasteada em dias pré-determinados.

Por causa desse cenário Belfast, Londres e Dublin recorreram ao mediador americano Richard Haas, quem mantém desde o setembro conversas com todos os partidos norte-irlandeses.

Haas espera ter em dezembro propostas concretas sobre assuntos como o das bandeiras, os desfiles e o legado do conflito.

Mais perigoso é que a radicalização sirva para reavivar dissidentes do IRA, capazes de intensificar nos últimos meses sua campanha armada e que, segundo o PSNI, representam uma ameaça séria para a paz.

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