Paraguai: o novo polo industrial
Lourival Sant’Anna Nesta segunda-feira, dia 3, o presidente Michel Temer desembarca em Assunção, para uma visita oficial ao Paraguai. No topo da agenda, está a afinada parceria política no âmbito do Mercosul, que permitiu enxotar a Venezuela da presidência — e provavelmente, com o tempo, do próprio bloco. Para o Paraguai, no entanto, o Brasil […]
Da Redação
Publicado em 1 de outubro de 2016 às 08h10.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Lourival Sant’Anna
Nesta segunda-feira, dia 3, o presidente Michel Temer desembarca em Assunção, para uma visita oficial ao Paraguai. No topo da agenda, está a afinada parceria política no âmbito do Mercosul, que permitiu enxotar a Venezuela da presidência — e provavelmente, com o tempo, do próprio bloco. Para o Paraguai, no entanto, o Brasil representa hoje uma oportunidade ainda mais concreta e ao mesmo tempo estratégica: seu projeto de industrialização. Atraídas por isenção de impostos, encargos trabalhistas baixos, acesso sem tarifas ao mercado brasileiro e um ambiente favorável aos negócios, 70 fábricas se instalaram no Paraguai somente nos últimos três anos, nos segmentos de confecções, têxteis, plásticos, peças e partes para automóveis.
A mais recente foi a indústria de brinquedos Estrela, fundada em São Paulo em 1937. O anúncio da transferência de uma de suas fábricas da China para o Paraguai provocou aumento de 25% no valor das ações da empresa, no dia 20. A implantação da unidade, que deve entrar em produção no ano que vem, é mais um passo na galopante industrialização do Paraguai. A Estrela não é a única tradicional empresa brasileira que está cruzando a fronteira. No ano passado, a Guararapes, dona da rede Riachuelo, criou uma sociedade com o Grupo Texcin, do Paraguai, para montar uma fábrica de confecções no País. Com investimento inicial de 5 milhões de dólares, e a previsão de igual valor em uma segunda etapa, a confecção passou a produzir parte das coleções femininas da tradicional rede brasileira, fundada no Recife em 1951. A capacidade inicial de produção é de 200.000 peças mensais. Assim como no caso da Estrela, a planta foi deslocada da China para o Paraguai.
A analogia tem sido feita com a China, mas na verdade o Paraguai tende a se transformar no México do Brasil. Tanto que o grande impulso para esse processo veio com a Lei da Maquila, de 2000, palavra trazida justamente do vocabulário mexicano, para designar as plantas que, muito como acontece na Zona Franca de Manaus, apenas montavam os componentes vindos dos Estados Unidos, tirando proveito da mão-de-obra barata, dos impostos baixos e das exigências menores no campo da regulação ambiental. Daí o termo originalmente pejorativo, associado à “maquiagem”.
Inspirada na legislação mexicana, a Lei de Maquila garante isenção de impostos para importação de maquinários e matéria-prima. O governo paraguaio cobra apenas 1% de imposto sobre o faturamento gerado pela exportação.
Entretanto, como aconteceu também no Japão, Taiwan, Coreia do Sul e China (e não em Manaus, pela falta de incentivo à inovação e pela acomodação às vantagens tributárias), a simples montagem vai dando lugar a uma gradual industrialização. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) tem o mesmo papel, para o México, que o Mercosul para o Paraguai, de transformar o país em um bolsão de produção a preços mais baixos, com livre acesso ao mercado do gigante vizinho. O PIB do México é 5% do dos EUA; o do Brasil equivale ao de 64 Paraguais. Melhor para o pequeno Paraguai, que não precisa de muito esforço para crescer vigorosamente à sombra de seu enorme vizinho.
E é o que o Paraguai vem fazendo. O PIB aumentou 6,2% no período de 12 meses até junho. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de 3% neste ano, o mesmo índice do ano passado e um dos maiores da região, junto com o Peru. Isso, apesar da diminuição pela metade, desde 2012, do preço da soja, tradicionalmente o principal produto de exportação paraguaio. E também da queda de até 90% nas vendas para o Brasil, nos centros comerciais de Ciudad del Este, que abastecem os sacoleiros que cruzam a Ponte da Amizade de e para Foz do Iguaçu.
Sob o governo do empresário Horacio Cartes, a economia paraguaia está arrumada. A meta de inflação do Banco Central é a mesma do Brasil, 4,5%, com a diferença de que o índice tem se mantido aquém dela. No ano passado, ficou em 3,1%. O país segue há bastante tempo uma política de equilíbrio fiscal, que não foi rompido sequer pelo ex-bispo Fernando Lugo, de esquerda, presidente entre 2008 e 2012, quando sofreu impeachment por causa de um confronto que deixou dez sem-terra e sete policiais mortos.
O efeito Cartes
Em outubro de 2013, dois meses depois de assumir a presidência, Cartes promulgou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que havia sido aprovada no mês anterior no Senado, com apoio de todos os partidos, à exceção da Frente Guasú, de Lugo. A lei prevê que o déficit público não pode ultrapassar 1,5% do PIB, e, nos anos de eleições, restringe o gasto público a 60% do orçamento anual no primeiro semestre (período em que ocorrem as campanhas).
Um mês depois, o governo obteve a aprovação da lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Com base nessa regulação, foi construída uma nova linha de transmissão de Itaipu para Ciudad del Este, que reduziu os blecautes e facilitou as operações das fábricas. As indústrias intensivas em eletricidade, como embalagens e plásticos injetados, têm sido atraídas pelo preço da energia, que em alguns momentos chegou a custar 80% a menos do que no Brasil. Antes dessa onda de industrialização, o Paraguai tinha uma de suas principais fontes de receita na exportação do enorme excedente de eletricidade de sua fatia de Itaipu para o Brasil. Agora, o país é capaz de transformar parte dessa energia em insumo industrial, e de exportá-lo como valor agregado.
Outro atrativo são os encargos trabalhistas mais leves. O salário mínimo paraguaio é um pouco mais alto do que o brasileiro: equivale a 1.056 reais, ante 880 reais no Brasil. Entretanto, os encargos trabalhistas no Brasil chegam a cerca de 100%, enquanto no Paraguai somam de 30% a 35%.
Claro que o Paraguai continua um país pobre, com inúmeros problemas sociais. Grande parte de sua população, de origem indígena, continua à margem do desenvolvimento. Embora o desemprego seja de apenas 6%, cerca de dois terços dos empregados ainda trabalham sem carteira assinada. Os salários da mão-de-obra informal são em média pouco mais da metade dos trabalhadores contratados.
O próprio presidente Cartes é uma figura ambivalente. Ao mesmo tempo em que tem tido iniciativas modernizantes, há uma certa opacidade em seus negócios. Sua Tabacalera del Este, fundada em 1994, continua sendo acusada de inundar o Brasil com cigarros contrabandeados, enquanto o Grupo Cartes expande seus negócios. Na segunda-feira 26, foi anunciada a compra, pelo grupo, dos hoteis Sheraton e Aloft, em Assunção, e do futuro Four Points, em Ciudad del Este.
Entretanto, para muitos empresários brasileiros, o Paraguai representa um oásis, diante das dificuldades enfrentadas no Brasil. Quando anunciou, em dezembro, seu plano de transferir a planta para o Paraguai, Carlos Tilkian, presidente da Estrela, desabafou: “No Brasil, entendemos que o desenvolvimento das classes mais baixas deve ser por programas sociais, e não por geração de emprego. O atual presidente do Paraguai é um empresário. Ele entende a importância e a valorização de um emprego, diferentemente do que ocorre no Brasil”. A Estrela ainda mantém três fábricas no Brasil, mas passará a fabricar no país vizinho brinquedos emblemáticos de sua marca, como o Genius, que estava sendo feito na China. Em 2014, outra fabricante brasileira de brinquedos, a Homeplay, já havia transferido sua fábrica de Atibaia (SP) para o Paraguai.
Uma tributarista de São Paulo especialista em importação afirma que vários de seus clientes estão desistindo de importar diretamente para o Brasil, por causa da concorrência paraguaia. Alguns estão abrindo empresas no Paraguai, para fazer triangulação, importando de outros países para o vizinho, livre de impostos, e de lá exportando para o Brasil, pagando apenas 1% sobre o faturamento.
Já Alfredo de Goeye, da Ser Trading, afirma que seus negócios não foram afetados pela concorrência paraguaia. “Não acho que o Paraguai possa substituir a Ásia em termos de tamanho e opções”, diz Goeye, que trabalha com comércio exterior há 35 anos, e tem clientes de segmentos variados, como material de construção, alimentos, produtos de higiene e limpeza, de alta tecnologia e matérias-primas. Ele reconhece que a mão-de-obra na China encareceu nos últimos cinco ou seis anos, e também que as vantagens tributárias no Paraguai podem fazer diferença para alguns segmentos. Diz que as indústrias estão se deslocando da China em busca de mão-de-obra mais barata em outros países asiáticos, como Vietnã, Camboja, Laos e Mianmar. “Mas a China continua sendo insuperável como parceiro, por causa da sua diversidade.”
Mas a vantagem do Paraguai está justamente em ser pequeno. Gustavo Leite, ministro paraguaio da Indústria, observa que o Brasil importa 70 bilhões de dólares por ano da Ásia. O objetivo do Paraguai, diz ele, é conquistar 10% desse mercado, o que implicaria dobrar a produção industrial paraguaia. Comparado consigo mesmo, o Paraguai está surfando na sua melhor onda. E, se brincar, Cartes até pode ter algo a ensinar a Temer, sobre como derrotar no Congresso o grupo de um ex-presidente de esquerda destituído por impeachment e aprovar reformas modernizantes.