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"O Brasil pode ter um papel de equilíbrio entre EUA e China", diz Hussein Kalout

Em entrevista exclusiva à EXAME, Hussein Kalout fala sobre o papel do Brasil no contexto de disputa geopolítica entre Estados Unidos e China

Hussein Kalout: conselheiro internacional do Núcleo América do Sul do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. (Bússola/Reprodução)
GG

Gilson Garrett Jr

Publicado em 7 de agosto de 2022 às 13h20.

Na última semana, a presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, desembarcou na ilha de Taiwan para uma visita oficial, que estremeceu as relações com a China e gerou impactos em todo o globo. Como resposta, os chineses fizeram diversos exercícios militares, no mais alto grau já visto, e mandou duras críticas e recados para o mundo.

Na visão do cientista políticoHussein Kalout, a resposta foi clara de que a China não aceita mais ser tratada como um país em desenvolvimento.

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"Essa visita serviu para projetar a China como uma superpotência antagônica por direito", diz Kalout que é conselheiro internacional do Núcleo América do Sul do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisador da Universidade de Harvard.

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Em entrevista exclusiva à EXAME,Hussein Kalout fala sobre como as potências mundiais estão se posicionando, os impactos da Guerra da Ucrânia para a nova ordem mundial, e o papel do Brasil nesse novo contexto geopolítico. Veja os principais trechos.

Qual a disputa de forças que estão sendo travadas com a ida da Nancy Pelosi a Taiwan e a resposta Chinesa, com os exercícios militares?

Tenho uma leitura um pouco diferente daquela que tem sido a corrente. Na minha avaliação, o governo dos Estados Unidos, a Casa Branca, sempre entendeu que a visita da Nancy Pelosi era imprudente e que não serviria aos interesses estratégicos dos Estados Unidos no momento. Entretanto, o presidente do poder Executivo não pode determinar o que o presidente da Câmara dos Deputados vai fazer. Seria uma interferência entre poderes e ela tem autonomia institucional para decidir a agenda. O conselho de segurança interna emitiu uma declaração em que alertava para o risco desse tipo de iniciativa. Há claramente, no âmbito dos Estados Unidos, visões não tão congruentes da ida dela a Taiwan. No meu entendimento, essa visita serviu para projetar a China como uma superpotência antagônica por direito. Ela não bloqueou o espaço aéreo de Taiwan, por exemplo, permitindo que a Pelosi desembarcasse, no entanto, emitiu notas diplomáticas extremamente duras e enfáticas sobre a autoridade da China. Agora, ela se coloca como efetivamente uma superpotência antagônica aos Estados Unidos.

Há risco de um conflito armado entre China e Taiwan?

Eu não vislumbro elementos que indiquem uma escalada militar real no estilo clássico. A China tem demonstrado sua capacidade de força, o seu descontentamento, e isso tem soado um alerta de que ela não aceita mais, por parte de outros países, ser tratada como um país em desenvolvimento. A situação é totalmente diferente da Rússia e Ucrânia. Não há comparação. Uma escalada prejudicaria o comércio global e não acredito que a China tenha interesse nisso.

Com a Guerra na Ucrânia e essa tensão entre China e Estados Unidos, os polos de forças geopolíticas estão mudando no mundo? Em qual sentido?

Não há dúvidas de que há um reposicionamento de forças entre as potências globais. Há a ascensão da China como superpotência. Como o país tem se comportado em relações bilaterais, não é a China de quatro e cinco anos atrás. A China não aceita mais ser tratada como um país em desenvolvimento. Os Estados Unidos olham para a China e para a Rússia de maneiras diferentes. A relação econômica entre Rússia e Estados Unidos é muito pequena. Os russos são muito mais um inimigo militar que econômico. Com a China, há uma complementaridade comercial e econômica muito alta. Os Estados Unidos olham para a China não como um inimigo militar, mas um adversário estratégico. Os pacotes de sanções que os Estados Unidos aplicaram contra a Rússia, jamais seriam feitos contra a China. Se eles fizessem isso, destruiriam as bases da sua própria economia e teríamos uma crise mundial muito maior do que estamos vendo hoje. A guerra da Ucrânia trará consequências de segurança muito mais importantes para a Europa.

E qual o papel da Europa nesse novo momento global?

A Europa hoje está fragmentada. Ela não está na mesma direção em termos políticos.  Embora haja convergências mínimas que unem boa parte dos países europeus, como democracia e liberdade de imprensa. Na perspectiva geopolítica, há divergências muito grandes e a guerra da Ucrânia reforçou isso. Se olhar que França e Alemanha se posicionaram de um lado que tentou, a todo custo, negociar e impedir a guerra porque sabiam que teriam um impacto imenso sobre suas economias, pressionando a capacidade energética, sobretudo da Alemanha. Por outro lado, teve a posição da Polônia e do Reino Unido muito mais convergente com os Estados Unidos, do ponto de vista geopolítico. Teve ainda a Suíça que procurou exercer um papel de neutralidade para aproximar os antagônicos.

Como fica o Brasil nessa disputa entre China e Estados Unidos, e na nova ordem mundial?

O Brasil tem que ficar do lado do Brasil. Não pode ir nem para um lado nem para o outro. A melhor forma de você garantir a soberania nacional é ficar do seu próprio lado. O nosso interesse vai repousando sobre a ideia do diálogo com todos os países. Nos interessa ter uma relação utilitária, respeitosa e harmoniosa com os dois países. O Brasil não está sedimentado em uma escolha binária. A China é o nosso maior parceiro comercial, os Estados Unidos têm o maior investimento direto no país, e obviamente a gente sempre precisa expandir e diversificar a nossa plataforma comercial e de investimentos. O Brasil, no âmbito dessa disputa, pode ter um papel positivo de equilíbrio entre as duas superpotências.

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