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Na Tunísia, Nahda consegue feito inédito para movimentos islamitas

O movimento islamita triunfou nas eleições tunisianas de domingo

Os eleitores tunisianos já admitem o Estado civil, separação de poderes, respeito às minorias e mensagens favoráveis à igualdade entre homem e mulher (Lionel Bonaventure/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2011 às 10h24.

Túnis - O movimento islamita Nahda, que triunfou nas eleições tunisianas de domingo, conseguiu alcançar um feito inédito para movimentos deste tipo no mundo árabe, cada um com suas particularidades, que foram afastados do poder apesar de terem ganhado suas respectivas eleições.

Nisto, a Tunísia também demonstrou ser uma exceção. Em 26 de dezembro de 1991, a Frente Islâmica de Salvação da Argélia (FIS) obteve uma clara vitória no primeiro turno das eleições legislativas, as primeiras de sua história realizadas em liberdade, mas o sabor da vitória durou muito pouco.

Quando só faltavam quatro dias para o segundo turno, que devia acontecer em 16 de janeiro, o processo eleitoral ficou suspenso e os militares ficaram com o poder. O FIS foi considerado ilegal quase imediatamente, perante o silêncio cúmplice de quase todos os Governos ocidentais.

Em 25 de janeiro de 2006, 14 anos depois, o grupo islamita palestino Hamas ganhou com grande vantagem eleições legislativas elogiadas pela clareza e transparência, inclusive por uma missão de observadores europeus.

Entretanto, a mesma União Europeia interrompeu sua ajuda financeira direta ao Governo palestino junto com os Estados Unidos, dois meses depois das eleições, e exigiu inutilmente que o Hamas reconhecesse Israel.

Essa decisão gerou uma catástrofe nas operações humanitárias e motivou a ruptura entre Fatah (pró-ocidente), que passou a controlar a Cisjordânia, e Hamas, que teve que se contentar com a Faixa de Gaza, uma divisão política dos territórios palestinos que sobrevive até hoje.


Em nenhum outro país árabe os islamitas ganharam eleições. Em alguns, como Jordânia ou Marrocos, estes movimentos aceitaram as regras do jogo e participaram das eleições, mas de certa forma tiveram que 'negociar' sua participação.

No Marrocos, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamita moderado, nunca apresentou candidatos em todas as circunscrições eleitorais, apesar de ter poder para isso, para não causar comoção social e diplomática.

No Egito, a Irmandade Muçulmana participou de algumas das últimas eleições com numerosas dificuldades colocadas pelo regime do deposto Hosni Mubarak, que impediu a evolução de grande parte de seus candidatos nas eleições de 2005 e 2010, infestadas de irregularidades.

É significativo que a diplomacia americana tenha se dedicado durante anos a persuadir Mubarak para que permitisse a atividade de um minúsculo partido liberal liderado por Ayman Nour (um laico pró-ocidente) enquanto fechava os olhos para as contínuas medidas de repressão sobre os islamitas.

Muito diferente é o cenário da Tunísia de 2011. Por um lado, as chancelarias ocidentais já não mostram antipatia, pelo menos não publicamente, aos islamitas moderados, conscientes de que existem outros muito mais radicais (como os salafistas, que rejeitam taxativamente a democracia por pessoas sem religião) e acham conveniente cuidar dos que não ridicularizam as regras do jogo.

Por outro lado, os islamitas também aprenderam as lições das experiências de 1991 na Argélia e de 2006 na Palestina, e nesta nova Tunísia apresentaram um discurso com credenciais democráticas perfeitas.

Já admitem o Estado civil, separação de poderes, respeito às minorias e mensagens favoráveis à igualdade entre homem e mulher. Não há nenhuma alusão à sharia (leis islâmicas), à imposição do véu islâmico ou a restrições sobre o álcool, citando os temas mais sensíveis.

Procurados por jornalistas de meio mundo que estes dias lotam as ruas de Túnis, os islamitas de Nahda não se separam do discurso oficial nem mostram lados fracos que façam duvidar de sua aposta pela democracia, embora muitos tunisianos mostram suas reservas.

'Devemos temer por nossas conquistas? Nahda quer nos tranquilizar e afirma não ter intenção de tocar na questão das mulheres, do turismo ou inclusive daqueles não vão à mesquita', escreve nesta terça-feira com uma sombra de dúvida o editorial do jornal 'Le Temps'.

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Túnis - O movimento islamita Nahda, que triunfou nas eleições tunisianas de domingo, conseguiu alcançar um feito inédito para movimentos deste tipo no mundo árabe, cada um com suas particularidades, que foram afastados do poder apesar de terem ganhado suas respectivas eleições.

Nisto, a Tunísia também demonstrou ser uma exceção. Em 26 de dezembro de 1991, a Frente Islâmica de Salvação da Argélia (FIS) obteve uma clara vitória no primeiro turno das eleições legislativas, as primeiras de sua história realizadas em liberdade, mas o sabor da vitória durou muito pouco.

Quando só faltavam quatro dias para o segundo turno, que devia acontecer em 16 de janeiro, o processo eleitoral ficou suspenso e os militares ficaram com o poder. O FIS foi considerado ilegal quase imediatamente, perante o silêncio cúmplice de quase todos os Governos ocidentais.

Em 25 de janeiro de 2006, 14 anos depois, o grupo islamita palestino Hamas ganhou com grande vantagem eleições legislativas elogiadas pela clareza e transparência, inclusive por uma missão de observadores europeus.

Entretanto, a mesma União Europeia interrompeu sua ajuda financeira direta ao Governo palestino junto com os Estados Unidos, dois meses depois das eleições, e exigiu inutilmente que o Hamas reconhecesse Israel.

Essa decisão gerou uma catástrofe nas operações humanitárias e motivou a ruptura entre Fatah (pró-ocidente), que passou a controlar a Cisjordânia, e Hamas, que teve que se contentar com a Faixa de Gaza, uma divisão política dos territórios palestinos que sobrevive até hoje.


Em nenhum outro país árabe os islamitas ganharam eleições. Em alguns, como Jordânia ou Marrocos, estes movimentos aceitaram as regras do jogo e participaram das eleições, mas de certa forma tiveram que 'negociar' sua participação.

No Marrocos, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamita moderado, nunca apresentou candidatos em todas as circunscrições eleitorais, apesar de ter poder para isso, para não causar comoção social e diplomática.

No Egito, a Irmandade Muçulmana participou de algumas das últimas eleições com numerosas dificuldades colocadas pelo regime do deposto Hosni Mubarak, que impediu a evolução de grande parte de seus candidatos nas eleições de 2005 e 2010, infestadas de irregularidades.

É significativo que a diplomacia americana tenha se dedicado durante anos a persuadir Mubarak para que permitisse a atividade de um minúsculo partido liberal liderado por Ayman Nour (um laico pró-ocidente) enquanto fechava os olhos para as contínuas medidas de repressão sobre os islamitas.

Muito diferente é o cenário da Tunísia de 2011. Por um lado, as chancelarias ocidentais já não mostram antipatia, pelo menos não publicamente, aos islamitas moderados, conscientes de que existem outros muito mais radicais (como os salafistas, que rejeitam taxativamente a democracia por pessoas sem religião) e acham conveniente cuidar dos que não ridicularizam as regras do jogo.

Por outro lado, os islamitas também aprenderam as lições das experiências de 1991 na Argélia e de 2006 na Palestina, e nesta nova Tunísia apresentaram um discurso com credenciais democráticas perfeitas.

Já admitem o Estado civil, separação de poderes, respeito às minorias e mensagens favoráveis à igualdade entre homem e mulher. Não há nenhuma alusão à sharia (leis islâmicas), à imposição do véu islâmico ou a restrições sobre o álcool, citando os temas mais sensíveis.

Procurados por jornalistas de meio mundo que estes dias lotam as ruas de Túnis, os islamitas de Nahda não se separam do discurso oficial nem mostram lados fracos que façam duvidar de sua aposta pela democracia, embora muitos tunisianos mostram suas reservas.

'Devemos temer por nossas conquistas? Nahda quer nos tranquilizar e afirma não ter intenção de tocar na questão das mulheres, do turismo ou inclusive daqueles não vão à mesquita', escreve nesta terça-feira com uma sombra de dúvida o editorial do jornal 'Le Temps'.

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