Ministérios e PF negam tráfico de água na Amazônia
Segundo denúncia publicada numa revista jurídica, inúmeros navios têm sido abastecidos com 250 milhões de litros de água doce para engarrafamento na Europa e Oriente Médio
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h48.
Vários órgãos do Executivo rebateram hoje as notícias sobre suposto tráfico de água doce na Amazônia. O tema foi debatido em audiência pública da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional.
De acordo com denúncia publicada na revista jurídica Consulex, navios de carga estariam enchendo ilegalmente os porões com água do rio Amazonas para posterior comercialização em regiões áridas da Europa e do Oriente Médio. Cada navio seria abastecido com cerca de 250 milhões de litros de água colhida sobretudo na foz do Amazonas.
A denúncia, no entanto, foi contestada por representantes da Marinha, da Polícia Federal e do Ministério do Meio Ambiente, que informaram que até hoje não foi feita nenhuma denúncia formal de hidropirataria na Região Amazônica.
Operações de lastro
O contra-almirante do Comando de Operações Navais do Ministério da Defesa, Antonio Fernando Monteiro Dias, acredita que as operações de lastro dos navios, regularmente autorizadas e controladas, estão sendo confundidas com hidropirataria.
Segundo informou, as operações de lastro, que consistem na colocação ou retirada de água do tanque dos navios, são destinadas exclusivamente à garantia de manobras, estabilidade e segurança da circulação das embarcações. Essas operações não podem ser confundidas com o furto de água.
Ele explica que, para efetuar manobras, os navios que descarregam na Região Amazônica necessitam, por vezes, receber um pouco de água para manter a manobra e, consequentemente, garantir a segurança da navegação. Se eles não o fizerem, nós podemos ter um acidente na Região Amazônica. Isso ocorre internacionalmente.
Segundo o representante da Marinha, não há constatação da veracidade das denúncias de hidropirataria. Estamos prontos para atender a sociedade, mas essas informações têm de ser fidedignas para que não criemos informações alarmantes, que não são verídicas".
Custo do transporte
O coordenador de Articulação e Comunicação da Agência Nacional de Águas (ANA), Antonio Félix Domingues, usou argumentos econômicos para sustentar que as denúncias de hidropirataria não passam de um mito. "Não temos a menor evidência nem fundamento sobre essa denúncia por uma simples razão: economicamente, não é viável para ninguém pegar água na foz do rio Amazonas e levar, por exemplo, para os países do Oriente Médio, porque o custo do frete e do tratamento dessa água é três, quatro, cinco vezes superior ao custo da dessalinização dessa água em Israel ou na Arábia Saudita. Tem muita gente que vive dessa especulação. Isso é um hidromito."
Antônio Domingues lembrou que embora ainda exista hoje comércio de água no mundo, sobretudo envolvendo Turquia e Israel, África do Sul e Lesoto, Malásia e Cingapura, mesmo "se dermos água de graça, ninguém virá buscar água no rio Amazonas, por causa dos custos envolvidos.
O representante da ANA afirmou ainda que um navio capaz de carregar 250 milhões de litros de água não teria nem condições técnicas de entrar na foz do rio Amazonas. Tanto a Marinha quanto a ANA lembraram que os navios que circulam pela Amazônia são submetidos a inspeções frequentes, inclusive para evitar que as operações de lastro salinizem ou poluam as águas do rio Amazonas.
Denúncia formal
Já a autora das denúncias publicadas na revista Consulex, advogada Ilma Barcelos, questionou a fiscalização dos órgãos públicos. Ilma, que é ligada à Comissão de Meio Ambiente da OAB do Espírito Santo, disse que vai formalizar a denúncia. "Eu já tinha certeza absoluta que essas questões seriam negadas porque ninguém vai assumir que é incompetente em algum órgão. Eu continuo afirmando que existe uma grande omissão por parte das autoridades em verificar, de forma responsável, essa questão do tráfico de água doce. Eu pretendo fazer agora uma denúncia formal e quero solicitar a informação de como é feita a fiscalização."
Segundo Ilma Barcelos, o abastecimento de água nos navios é feito acima do necessário para o consumo da tripulação e para o lastro.
Tipificação do crime
O diretor-executivo da Polícia Federal, Luiz Pontel de Souza, lembrou que a hidropirataria não está tipificada no Código Penal. A Polícia Federal trabalha em cima de fatos concretos, e mesmo que tivesse encontrado algum caso, a punição para esse delito seria dificultada pela falta de tipificação penal.
Autor do pedido para a audiência pública, o deputado Lupércio Ramos (PMDB-AM) também cobrou dos órgãos de defesa e de segurança a ampliação do sistema de fiscalização na Amazônia. "O País precisa começar a discutir o direito de uso da água. Nós devemos estar em alerta em relação à Amazônia, porque temos lá um patrimônio extraordinário".