Milei monitora pessoalmente em central de polícia operação inédita para conter marcha contra ajuste
Presidente foi até a Delegacia Central da Polícia Federal, em Buenos Aires, para monitorar a ação das forças de segurança; houve confrontos entre manifestantes e policiais
Agência de notícias
Publicado em 20 de dezembro de 2023 às 18h06.
Última atualização em 20 de dezembro de 2023 às 18h15.
O governo do presidente argentino, Javier Milei , cumpriu à risca nesta quarta-feira o anúncio de impedir qualquer tipo de piquete na primeira grande manifestação popular contra seu governo e as medidas de ajuste fiscal já anunciadas.
O protesto, convocado por movimentos sociais e partidos de esquerda, foi contido por uma operação de forças de segurança nunca vista na Argentina desde que o país recuperou sua democracia, em 1983, e, segundo confirmaram autoridades locais, duas pessoas foram presas. Pouco depois de os manifestantes começarem a caminhar para a Praça de Maio, houve confrontos violentos com a polícia, que tentou impedir o corte de uma avenida do centro portenho.
O governo Milei colocou nas ruas agentes da Polícia Federal, da Gendarmeria (força de segurança militar) e da polícia da cidade de Buenos Aires. No início da tarde, o chefe de Estado foi até a Delegacia Central da PF, em Buenos Aires, onde estava a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, para monitorar a situação. Milei chegou acompanhado por sua irmã, Karina Milei, secretária-geral da Presidência, e por Iñaki Gutiérrez, o jovem influenciador que administra as redes sociais do presidente, entre outros colaboradores.
A marcha ocorreu sob rígido controle policial, e apenas a Avenida Diagonal Norte ficou lotada. Os manifestantes até conseguiram chegar à Praça de Maio, mas sem os clássicos piquetes. Somente neste ano, ONGs locais estimam que foram realizados cerca de 8 mil piquetes na capital e na província de Buenos Aires, sem qualquer tipo de repressão por parte do Estado. Nesse aspecto, a operação comandada por Bullrich, foi muito bem-sucedida. Para os movimentos sociais, porém, foi a demonstração de força de um governo que, segundo muitos deles, adota atitudes antidemocráticas.
Os movimentos que convocaram o protesto acusaram a Casa Rosada de ter “implementado um estado de sítio não declarado oficialmente”.
"Esta é uma operação digna de uma guerra. O governo está semeando o terror", declarou Eduardo Belliboni, do Polo Operário, uma das organizações que comanda o protesto.
Algumas cenas de violência eram esperadas num país acostumado, sobretudo nos últimos 20 anos, a ter protestos diários e diversos. Os piquetes são parte do dia a dia dos argentinos, e poucas vezes foram reprimidos pelos sucessivos governos que passaram pela Casa Rosada desde a recuperação da democracia. Quando houve repressão, os governos que decidiram atuar contra os piquetes sofreram graves consequências.
Em dezembro de 2001, as marchas contra o governo de Fernando de la Rúa (1999-2001) foram violentamente reprimidas e mais de 30 pessoas morreram no centro da capital, horas antes da renúncia do chefe de Estado. Em 2002, no governo do ex-presidente peronista Eduardo Duhalde (2002-2003), dois manifestantes foram mortos durante um protesto e o trágico episódio acabou obrigando o governo a antecipar as eleições presidenciais de 2003.
O governo Milei tem em mente outro antecedente importante: a violenta reação de movimentos sociais ao projeto de reforma da Previdência do governo de Mauricio Macri (2015-2019) — que nunca saiu do papel. As cenas de manifestantes atirando pedras no Congresso Nacional são lembradas com frequência por ministros do atual governo, que defendem a adoção rápida de reformas estruturais, aproveitando o principal capital político do presidente: 55% dos votos obtidos nas urnas.
A Argentina é o único país do mundo no qual os canais de TV locais informam, todas as manhãs, onde haverá piquetes para que as pessoas possam buscar vias alternativas de circulação. A operação comandada pela ministra da Segurança conseguiu impedir o bloqueio de muitas ruas e avenidas do centro da cidade, e quando os manifestantes se aproximaram da Praça de Maio houve alguns incidentes. Os organizadores da marcha esperavam cerca de 50 mil pessoas, mas o protocolo antipiquete anunciado semana passada pelo governo teve um claro efeito de intimidação, e o número de manifestantes foi, segundo estimativas da TV, muito menor. Vários movimentos piqueteiros que costumam marchar no país não participaram do protesto desta quarta.
Num país no qual protestar é considerado uma espécie de esporte nacional, a nova ministra da Segurança, que quando era candidata à Presidência prometeu, essencialmente, “um país em ordem”, assegurou que nesta quarta “o governo acabará com os piquetes”.
Por ordem de seu ministério, alguns acessos à capital argentina foram cenário de ações policiais para remover manifestantes. Bullrich, comentou um de seus assessores, acredita que o novo governo precisa mostrar uma força contundente nos primeiros dias, e está disposta a fazer o que for necessário.
No primeiro protesto contra o governo Milei , os manifestantes modificaram alguns hábitos para evitar confrontos com as forças policiais. Os que participaram da marcha se mobilizaram em transporte público, e não nos tradicionais ônibus que tradicionalmente foram usados para ajudar na locomoção dos que aderem a este tipo de protestos. Nas estações de trem, o governo colocou cartazes lembrando que quem participasse de piquetes perderia acesso aos programas de ajuda social do Estado.
"Este é um governo que decidiu mudar a estratégia de tolerância com os protestos sociais", disse o analista político Facundo Nejamski. Segundo ele, “hoje poderá funcionar, outros dias não”.
Um dos fatores que mais preocupam ONGs locais é a presença de crianças na manifestação, algo que sempre foi comum de ver na Argentina. O protocolo antipiquete elaborado pela equipe de Bullrich proíbe que manifestantes protestem com seus filhos, algo que foi questionado por juristas locais. Nesta quarta, foram vistas poucas crianças na marcha contra o governo de Milei, mostrando que as ameaças do governo conseguiram intimidar setores da população que costumam participar de protestos.
O protesto ocorreu horas antes de uma cadeia nacional, prevista para 21h, na qual o presidente anunciará novas medidas de ajuste e projetos de reformas que serão enviados ao Parlamento. Uma parte das iniciativas será aprovada por decreto presidencial, que precisará passar pelo Congresso.