JENIFFER MERCIECA: o discurso de Trump será lembrado na história como o discurso do “eu sou sua voz” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2016 às 15h41.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.
Jennifer Mercieca, professora da Universidade Texas A&M, se dedica a estudar o discurso político nos Estados Unidos. Numa campanha marcada pelas declarações ultrajantes e ofensivas de Donald Trump, Mercieca teve matéria-prima de sobra para analisar. Ela concedeu a seguinte entrevista a EXAME Hoje.
Como a senhora avalia o discurso de Trump?
Trump é um orador terrível no sentido de seguir um roteiro ou ler bem do teleprompter, mas fez um trabalho muito melhor ontem, do ponto de vista do estilo. Abandonou o roteiro apenas de vez em quando e demonstrou muita energia. O discurso será lembrado na história como o discurso do “eu sou sua voz” – frase que ele repetiu várias vezes para costurar seus temas de revitalização econômica, poderio militar e honestidade no governo. Candidatos a presidente costumam usar discursos de campanha para retratar um país em crise, com eles próprios no papel de salvadores. Seguindo a tradição, o discurso de Trump tinha uma narrativa de crise e heroísmo. Trump ofereceu uma nova versão da “Excepcionalidade Americana”. Desde 1980 nosso entendimento de Excepcionalidade Americana é enquadrada segundo o discurso de Ronald Reagan na convenção republicana. Reagan falou em “providência divina”, que acolhe todas as pessoas. A versão de Trump é mais isolacionista e protecionista, sob o mote de “Estados Unidos em primeiro lugar”. “Americanismo, não globalismo, será nosso credo”, disse ele.
Muitos dos discursos na convenção pintaram um retrato sombrio dos Estados Unidos. Mudança é provavelmente a palavra mais poderosa da política, mas esse tipo de negativismo não atrapalha?
Até agora na campanha, o Partido Republicano tem se concentrado no medo. Alguns candidatos, como Marco Rubio, por exemplo, começaram a campanha das primárias com uma mensagem mais positiva, mas ela não encontrou o mesmo eco das mensagens ameaçadoras de Donald Trump, Ted Cruz e outros. O partido parece acreditar que a aposta no medo oferece a melhor chance de persuadir os eleitores.
Como a senhora interpreta as constantes menções a Hillary Clinton (e o pouco que tem se falado sobre Trump e suas ideias)? Isso pode prejudicar a campanha republicana? Dá para vencer uma eleição apenas bombardeando o adversário?
O que ficou claro depois de quatro dias de convenção republicana é que o partido não está unido. A única coisa com a qual todos parecem concordar é a antipatia em relação a Hillary Clinton. Não ouvimos grandes ideias ou propostas e tampouco ouvimos argumentos que expliquem por que Donald Trump seria um líder digno de confiança. Mas ouvimos muitas acusações contra Clinton.
Uma das expectativas para a convenção era um retrato mais multidimensional de Donald Trump: sua vida familiar, sua relação com os filhos etc. Mas, com uma ou outra exceção, isso não se materializou. Qual é a importância de destacar o lado pessoal do candidato na política americana? Trump pode sofrer com isso?
Donald Trump tem níveis de reprovação recorde (desde 1980, só Hillary Clinton chega perto dos seus índices), portanto a convenção era uma oportunidade de reapresentar sua imagem, para que o público o enxergasse como um homem “presidencial”. Mas não vimos isso até agora. Considero uma oportunidade perdida.
Qual a opinião da senhora sobre o fiasco do discurso de Melania Trump? Quando você compara os dois discursos, acho que Michelle Obama disse melhor as mesmas frases – ela parecia mais apaixonada e autêntica. O fiasco certamente distraiu a mídia e alterou a narrativa pretendida pela campanha de Trump. Mas o próprio Trump parece acreditar que qualquer notoriedade é boa, então talvez não estejam tão preocupados.