SANTIAGO MARIANI: Especialista peruano fala que Justiça do país não tem autonomia o suficiente para investigar casos de corrupção / Divulgação
Da Redação
Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 18h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h37.
Camila Almeida
A empreiteira Odebrecht admitiu ter pagado propinas para autoridades em 12 países da América Latina. O escândalo internacional fez a empresa anunciar, nesta quarta-feira, que quer acelerar os acordos para vendas de ativos na região. A expectativa é repassar 6,5 bilhões de reais em participações. A empreiteira informou ainda que quer negociar multas e acordos de leniência relacionados às investigações até junho. No Peru, a empresa é acusada de ter se beneficiado de 23 contratos de obras públicas superfaturadas, que somaram 17 bilhões de dólares entre 1988 e 2015.
Para entender a atuação da empresa no país e a institucionalização da corrupção na política peruana, EXAME Hoje conversou com Santiago Mariani, coordenador do mestrado em Ciência Política da Universidade António Ruiz de Montoya e especialista em políticas públicas. Na entrevista, ele fala sobre a oportunidade que o país tem de mudar as regras do jogo, garantir mais transparência e, assim, melhorar a percepção dos investidores no país.
Entre 1988 e 2015, somente a construtora Odebrecht gerou um prejuízo ao estado peruano de 283 milhões de dólares em superfaturamentos. A maioria das obras investigadas foram realizadas no período de Alberto Fujimori e, antes do governo dele, a participação da empresa brasileira no país era mínima. Ele foi o político que construiu a corrupção no Peru?
Alberto Fujimori foi o principal responsável, apesar de não o único, pela fundação de um regime político cuja legitimidade gira em torno do mercado (leia-se “poder econômico”), às custas dos cidadãos. A liberdade de mercado se impõe sem concessões, com subordinação da política à esfera da economia, com um apoio das elites peruanas que não se altera desde sua imposição, nos anos 1990. O crescimento econômico exitoso dos últimos anos foi a principal fonte de legitimidade desse modus operandi e de sua duração sem grandes questionamentos. A debilidade institucional é absolutamente funcional para que o poder econômico opere livremente e, nesse contexto, o conluio entre poder político e econômico é potencializado, com a consequente impunidade. A corrupção é resultante desse sistema; é um sintoma, não a causa.
Os presidentes Alan García, Alejandro Toledo e Ollanta Humala também estão sendo investigados. A corrupção se institucionalizou?
A forma que a corrupção opera foi se transformando. Durante o governo de Fujimori, o poder estava mais concentrado e a competição política era quase inexistente. Os esquemas eram monopolizados pela cúpula (composta em pessoa por Vladimiro Montesinos, que foi assessor presidencial de Fujimori, e alguns militares), e os montantes eram grandes. Depois de Fujimori, a corrupção muda, o poder político começa a se dissipar e a corrupção começa a operar em outros níveis e com outros valores.
No Peru, oito empresas brasileiras tiveram suas contas bloqueadas – totalizando 260 milhões de soles peruanos congelados. Entre elas, estão construtoras como Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS. Como a Operação Lava-Jato afeta a economia peruana?
Ela vai gerar um efeito negativo derivado da incerteza, mas a chave será se haverá vontade política de blindar o sistema. Se isso ocorrer, os investidores de longo prazo vão olhar com mais interesse para o Peru. Ou seja, esta oportunidade poderia ajudar a dinamizar a economia peruana ao incrementar o interesse dos investidores que querem regras de jogo diferentes. Mas vai depender se as reformas necessárias serão alcançadas, e se serão capazes de produzir um impulso que altere as regras.
Há, no Peru, autonomia suficiente entre os três poderes para que as investigações de corrupção avancem?
Não. E isso é algo que, em um momento como esse, se deve enfatizar. Vai depender de uma ação coordenada entre os três poderes.
O atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski, era primeiro-ministro do Peru em 2005 e 2006 e, antes disso, ele foi ministro da Economia. É possível esperar abertura para as investigações no seu governo?
Pelo que parece, as medidas que seu governo está encaminhando vão nessa direção. A única alternativa que o governo tem é atuar de maneira clara, decidida e firme, senão, o assunto vai explodir em suas mãos muito rapidamente. É uma oportunidade que o governo tem de liderar a marcha rumo a novas regras de jogo.
Os contratos fraudulentos estão espalhados pelos mais diversos braços da infraestrutura. A população dispõe de mecanismos para verificar a execução e cobrar a transparência dos projetos?
A sociedade civil organizada e as instituições de controle são muito fracas, possibilitando que o modelo de que o estado se serve para fazer negócios aconteça com pouca ou nenhuma fiscalização. O Peru está querendo integrar a OCDE – e isso é importante, mas requer mudanças profundas.
Com denúncias em tantos países, temos em vista alguma operação internacional de investigação?
Há esperança de que os departamentos fiscais de diversos países montem uma tarefa coordenada. Na nossa região, conseguimos deixar para trás as intervenções militares e o descontrole das finanças públicas. É o momento de blindar nossos sistemas contra a corrupção e os poderes judiciais devem assumir o papel que até então não assumiram.