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Imigrantes decidem, mas não votam

Raquel Beer, de Paris Foi a previsibilidade possível em meio ao caos. No primeiro turno das eleições mais imprevisíveis da história da França, os partidos tradicionais foram varridos nas urnas, mas os franceses confirmaram os institutos de pesquisa e colocaram no segundo turno os dois favoritos. Avançaram para as eleições do dia 7 de maio […]

CARTAZES DE LE PEN E MACRON: EXAME Hoje acompanhou o domingo de votação num tradicional reduto de imigrantes / Pascal Rossignol/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2017 às 12h45.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.

Raquel Beer, de Paris

Foi a previsibilidade possível em meio ao caos. No primeiro turno das eleições mais imprevisíveis da história da França, os partidos tradicionais foram varridos nas urnas, mas os franceses confirmaram os institutos de pesquisa e colocaram no segundo turno os dois favoritos. Avançaram para as eleições do dia 7 de maio Emmanuel Macron, ex-ministro da economia e fundador do partido En Marche!, com 23,86% dos votos, e Marine Le Pen, do partido de extrema direita Frente Nacional, com 21,43% dos votos. Ao longo das próximas duas semanas, os debates devem continuar aquecidos diante do tema mais sensível da corrida até aqui: imigração.

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A França é o terceiro país europeu com maior número de imigrantes, atrás da Alemanha e do Reino Unido. Segundo a Eurostat, eram cerca de 363.900 imigrantes na França em 2015 (último ano com dados disponíveis). Números oficiais mostram que, entre 2006 e 2014, o número de imigrantes em relação ao total da população cresceu 0,8%.

A xenofobia é uma das grandes marcas do programa de Le Pen, que já disse publicamente que quer “acabar com a imigração legal e ilegal”. Se eleita, ela pretende, por exemplo, acabar com o jus soli, que dá a nacionalidade francesa a qualquer um que nasce no país, e também com o ganho da nacionalidade pelo casamento. A candidata do Fundo Nacional ainda diz que os franceses terão prioridade de acesso a empregos e a serviços públicos. É fácil saber porque ela é a campeã de rejeição entre imigrantes, mas o fato é que nenhum dos grandes candidatos atrai muita simpatia de latinos, africanos e asiáticos.

Macron, embora seja a favor da Europa e do livre mercado, apenas propôs a simplificação e aceleração do processo de obtenção do “visto para talentos”, que hoje pode ser solicitado por empresários, investidores, pesquisadores e artistas. François Fillon, candidato do partido de direita que recebeu 19,94% dos votos, queria criar cotas para imigração. Para os imigrantes, o programa mais amistoso entre os favoritos era o do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, do partido La France Insoumise, que recebeu 19,62% dos votos. Ele propunha a regularização da situação daqueles que já estão no país e era o único entre os quatro principais candidatos a defender a o direito ao voto aos imigrantes que vivem legalmente no país.

Hoje, apenas franceses e pessoas naturalizadas francesas podem votar. Para ser considerado cidadão francês é preciso comprovar cinco anos de residência no país, além de conhecimento da língua e cultura francesas, ou comprovar quatro anos de casamento com um francês.

EXAME Hoje acompanhou o ensolarado domingo de votação em uma das regiões com mais imigrantes de Paris, a Porte de Montreuil, no extremo leste da capital francesa, divisa com a cidade de Montreuil, na qual 20% da população é constituída por imigrantes, a maioria deles árabes e africanos.

Um dos centros eleitorais na região é a École Polyvalente. Em frente à escola, placas mostravam a foto e os slogans dos onze candidatos no páreo. Algumas delas, como a do candidato do Partido Socialista Benoît Hamon, estavam rasgadas. Outras traziam comentários escritos à mão, como a palavra “satan” na foto de Le Pen e corações ilustrando o banner de Jacques Cheminade, do partido Solidariedade e Progresso. O programa do candidato dizia que “os partidos continuam muito reativos a uma situação estabelecida”, e afirmava que pretendia “restabelecer o princípio republicano de integração”. Cheminade acabou recebendo 0,2% dos votos numa comprovação de que os imigrantes continuam muito distantes das urnas.

Entre os eleitores de Porte de Montreuil o sentimento mais comum era o desencanto. “Ele tem o melhor programa, mas eu não gosto da pessoa”, dizia a jovem de cabelos rosa a um amigo, referindo-se a Jean-Luc Mélenchon. Um dos eleitores que passou por lá foi Omar Ayoub, estudante de 18 anos. Ele nasceu na França, mas sua família é originária da Argélia. Em sua primeira participação em uma eleição, ele se diz feliz de poder fazer a sua parte para impedir a chegada da extrema direita ao poder. “Le Pen representa uma França atrasada, que pensa que é autossuficiente”, disse. “É revoltante ouvir ela dizer que os imigrantes são o câncer do país, porque meus pais pagam seus impostos e ajudam a economia francesa”, disse. Ele não revelou sua opção no primeiro turno, mas avisou que votará no candidato que estiver contra ela no segundo turno, seja ele quem for.

Postura similar teve a francesa de ascendência libanesa Fatima Kalil, 42 anos, dona de uma padaria próxima dali. Ela conta que apesar de não se identificar com nenhum dos candidatos, achou que seria uma irresponsabilidade votar branco. “Nenhum deles representa o futuro que eu quero para a França, mas com certeza vejo que há uma possibilidade pior que as outras”, diz ela, referindo-se a Marine Le Pen. “Acabei assumindo o voto útil e votei em Macron”.

A dificuldade para imigrantes poderem votar serviu até de ponto de partida para a criação de um site para colocar em contato eleitores franceses e imigrantes. É o Alter-votants, criado em janeiro deste ano por três parisienses que trabalharam com refugiados e imigrantes em ONGs. A plataforma coloca em contato um não-votante com um francês que estava decidido a se abster. A ideia é que os dois conversem para que o imigrante convença seu novo colega a adotar seu candidato preferido. O site tentava conectar pessoas com inclinações políticas semelhantes.

No fim, o site chegou a apenas algumas centenas de pessoas. Muito pouco para mudar o destino das eleições, mas o suficiente para escancarar essa dicotomia francesa, onde os imigrantes definem eleições, mas não vão às urnas.

*Com reportagem de Isabel Seta

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