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Falklands, Malvinas para os argentinos, viram paraíso gelado de prosperidade 4 décadas após guerra

Moradores de mais de 60 nacionalidades povoam ilhas que, até o conflito com a Argentina, nos anos 1980, tinham sido esquecidas por Londres

Imagem das ilhas Malvinas feita pela Nasa em 2003 (NASA/AFP/AFP)
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 30 de março de 2024 às 09h40.

O azul do mar e o branco da areia lembram os tons do Caribe, mas apenas pinguins se aventuram a mergulhar nas águas a 6ºC na praia de Sandy Bay, na Ilha Bleaker, uma das 780 que formam o arquipélago das Malvinas, nome pelo qual as Falklands são chamadas no Brasil e em outros países latino-americanos em apoio ao pleito de soberania da Argentina. Passadas quatro décadas da Guerra das Malvinas , só mesmo os pinguins e algumas das paisagens selvagens mais isoladas e espetaculares da Terra continuam os mesmos nas ilhas, consideradas oportal para a Antártica.

Até a guerra iniciada pela Argentina em 2 de abril de 1982, as Malvinas/Falklands eram pobres e esquecidas. A população, majoritariamente de origem britânica, vivia em fazendas sem recursos. Os ilhéus não tinham sequer cidadania britânica plena, concedida só após o conflito.

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Em 40 anos, o arquipélago se tornou um paraíso gelado de prosperidade. A população de 3,6 mil habitantes é uma das mais ricas do mundo, com renda per capita de US$ 70,8 mil (R$ 355 mil), cerca de dez vezes maior que a brasileira e semelhante à da Noruega ou à do Catar, e bem maior que a do Reino Unido, de US$ 46,5 mil (R$ 233,21 mil). A criminalidade é praticamente zero, salvo alguns casos de briga por embriaguez e violência doméstica.

O arquipélago fica a cerca de 500 quilômetros da costa da Argentina, isolado pela distância, a política e o clima hostil. Mas, antes ignoradas pelo restante do mundo, atualmente as ilhas têm habitantes de 60 nacionalidades, sobretudo chilenos e filipinos. Há gente de vários países sul-americanos, inclusive do Brasil, além do próprio Reino Unido, França, Alemanha, Zimbábue, Letônia, Rússia, China, Kuwait e Cingapura. Os estrangeiros chegam atraídos pela chance de emprego bem remunerado, além de tranquilidade. A maioria trabalha em construção civil e serviços que os nativos não querem mais fazer.

Mas há todo tipo de oportunidade, diz Sarfraz Rao, nascido em Cingapura e CEO do Standard Chartered Bank, único banco nas ilhas. Rao é o organizador da Maratona de Stanley, a segunda mais ao sul do mundo (perde só para a da Antártica).

— Essa prova é uma síntese do que são as Falklands. O banco organiza outras provas de corrida no mundo, mas nenhuma tem um clima tão especial e difícil, venta muito. Mas a população é extremamente acolhedora. Por isso mesmo, vem gente de todo canto do mundo correr aqui — conta Rao.

Saúde e educação são gratuitas e de qualidade. Jovens que concluem o ensino médio têm a opção de estudar em universidades britânicas com as despesas pagas. Contudo, cerca de 70% deles retornam atraídos por empregos mais bem remunerados, afirma o deputado Roger Spink, um dos dez membros do Parlamento local, que governa as ilhas sem partidos políticos.

É possível pedir visto de residência após cinco anos de trabalho estável. Para os ilhéus, há tanto emprego que muitos têm até três. Todos, por exemplo, trabalham com turismo.

O casal Elsa e Tony Heathman, de 65 anos e 70 anos, descende de uma família há sete gerações nas ilhas. Seu ancestral comum, William Fell, chegou em 1859, da Escócia. Sua história, conta Elsa, não é muito diferente da maioria dos nativos, de um arquipélago que não tinha população indígena, antes da chegada dos primeiros europeus (franceses), no século XVI. Quase todos descendem de colonos escoceses, irlandeses e ingleses.

Cultura britânica

Os Heathman são proprietários de uma das maiores fazendas locais, onde criam ovelhas — a lã falkland é considerada uma das mais finas do mundo, com toque de seda. Mas também trabalham como guias de turismo e levam visitantes para conhecer colônias de animais selvagens em veículos off-road, essenciais para chegar aos lugares mais remotos. Mas mesmo povoados onde vivem muitas vezes menos de 10 pessoas são ligados por estradas impecáveis, embora vazias.

A língua e a influência cultural são britânicas. Menos de 10% dos habitantes falam espanhol. A culinária é a de fish and chips, a hora do chá é sagrada e os pubs (poucos) são a maior diversão. As ilhas são economicamente autossuficientes, e o Parlamento local responde por tudo à exceção de Relações Exteriores e Defesa, a cargo do Reino Unido.

A capital, Stanley concentra cerca de 90% da população. É onde mora a brasileira naturalizada britânica Helena Shillltoe, de 60 anos. Ela vive há três décadas na capital com a família — os dois filhos e o companheiro, o deputado Spink. Nascida em Coqueiral, a mineira conta que não pensa em deixar Stanley.

— A vida aqui é boa. Não há pobreza nem violência, todo mundo se conhece. Temos boas casas, excelente qualidade de vida. Você pode deixar a chave do carro na ignição, as portas abertas e dinheiro à mostra. E viajar para o Reino Unido quando quer ver mais gente ou fazer compras — diz.

As ruas de Stanley quase sempre estão desertas. Todos fazem compras on-line ou quando viajam. Além do Reino Unido, também com frequência para Chile e Uruguai.

A riqueza vem do mar. A pesca, sobretudo de lulas, corresponde a mais de 60% da economia. Desde 1987, o governo britânico autorizou a venda de licenças internacionais de pesca nas águas ao redor das ilhas, entre as mais piscosas do Atlântico. A Espanha é o principal parceiro comercial: 78% das exportações de pescado são para o país. A criação de ovelhas vem em segundo.

O turismo responde por 5%, diz Spink. Não cresce mais, diz, devido a restrições de espaço aéreo impostas pela Argentina. Só há um voo civil internacional por semana. Mais de 80% dos turistas chegam em transatlânticos e iates e fazem dobrar a população nos fins de semana de verão.

A descoberta de reservas de petróleo e gás no fundo do mar — algumas estimativas chegam à casa de 1 bilhão de barris — aumentou a perspectiva de riqueza e o interesse de britânicos e argentinos nos últimos anos. A exploração está a cargo de empresas como a israelense Navitas Petroleum e sua sócia britânica Rockhopper Exploration. Mas Spink diz que o governo local gostaria de estreitar laços com o Brasil, que “tem grande expertise na exploração no fundo do mar”.

Militar olha o jornal com notícias sobre as ilhas Falkland, conhecidas como malvinas - Crédito: Getty Images (Getty Images/Getty Images)

O interesse do Reino Unido pelas ilhas aumentou após o conflito com a Argentina.

— Após a guerra (em 14 de junho com a rendição argentina), nossa vida melhorou muito. Recebemos investimentos e hoje somos economicamente independentes — diz o também deputado Peter Biggs, nascido nas ilhas.

As ilhas têm sua própria moeda, a libra das Falklands, lastreada pela britânica. A nota de 5 libras das Falklands (cerca de R$ 32) estampa a falecida rainha Elizabeth II na companhia de pinguins, ovelhas e leões-marinhos. Mas os ilhéus preferem se definir como um povo com direito à autodeterminação. Ou, distante da turbulência política, apenas como kelpers. O nome alude à kelp, uma alga que passa dos 60 metros de comprimento e forma verdadeiras florestas subaquáticas ricas em vida marinha em torno de todo o arquipélago. São lugares que os biólogos descrevem como santuários e nos quais os kelpers enxergam um mar de tranquilidade.

— O que mais gosto daqui é a paz — diz a enfermeira aposentada Wendy McPhee, hoje guia voluntária.

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