EUA enfrentam crise de opióide – e os médicos também são culpados
O país não teve nenhuma epidemia até que os médicos ficaram apaixonados pelo que eles imaginavam ser o potencial para controlar dores crônicas
AFP
Publicado em 10 de agosto de 2017 às 16h46.
Última atualização em 10 de agosto de 2017 às 16h52.
Quando Sheila Bartels, de 55 anos, saiu do consultório da sua médica em Oklahoma, tinha uma receita para 510 analgésicos. Ela morreu naquele mesmo dia de uma overdose .
Sua médica, Regan Nichols, está enfrentando cinco acusações de homicídio de segundo grau - uma para cada paciente que teve uma overdose de fármacos opioides que ela prescreveu, como Oxicodona.
"Os médicos têm uma enorme responsabilidade pela crise dos opioides", disse David Clark, professor de anestesiologia da Universidade de Stanford que trabalhou em um painel sobre a crise patrocinado pelo governo, que recomendou novos treinamentos e diretrizes para provedores de cuidados de saúde e reguladores.
"Nós não tivemos (nenhuma crise) até que os médicos ficaram apaixonados pelo que eles imaginavam ser o potencial dos opioides para controlar a dor crônica", disse Clark à AFP.
Estima-se que dois milhões de americanos sejam viciados em opioides, e muitos deles compram remédios ilegalmente quando as receitas acabam. Alguns, em desespero, recorrem à heroína e a opioides sintéticos contrabandeados para os Estados Unidos por cartéis de drogas mexicanos.
Noventa pessoas morrem todos os dias nos Estados Unidos por overdose de opioides.
Mais de 180 mil pessoas morreram desde 1999, incluindo o ícone pop Prince, que faleceu em abril de 2016 aos 57 anos após uma overdose acidental de fentanil, um poderoso analgésico opioide.
Os médicos nos Estados Unidos prescrevem mais opioides do que em qualquer outro país - o suficiente para medicar todos os adultos americanos.
Enquanto os médicos que são processados por excesso de prescrição ganham as manchetes, os especialistas dizem que eles não são os únicos culpados, e que o sistema de saúde americano como um todo deve ser responsabilizado pela epidemia de opioides do país.
"As empresas farmacêuticas tomaram como alvo os médicos de clínica geral, aqueles que examinam a maioria das pessoas que sentem dor", disse à AFP o procurador-geral de Ohio, Mike DeWine, cujo estado foi fortemente atingido pela crise.
"Eu acho que eles certamente foram induzidos ao erro, e lhes foram ditas coisas que não eram verdadeiras".
Marco zero da crise
O problema começou há duas décadas, quando os médicos estavam sendo ensinados a administrar melhor a dor dos pacientes e as empresas farmacêuticas estavam promovendo a eficácia dos analgésicos opioides.
Esses analgésicos - destinados apenas para pacientes com extrema necessidade - começaram a ficar nas mãos de pessoas com condições crônicas que haviam sido tratadas com simples drogas de venda livre, como a aspirina.
E eles não sabiam que eram viciantes.
"Você tinha pessoas com uma simples dor de dente, cirurgia de joelho ou de coluna que estiveram tomando esses opioides durante um longo período de tempo ou receberam prescrições de dosagens mais altas do que eles precisavam", disse Robert Ware, chefe de polícia da cidade de Portsmouth, Ohio, que se tornou uma espécie de marco zero da crise.
À medida que mais e mais pessoas estavam ficando viciadas, esquemas de prescrição ilegal de remédios começaram a surgir em Portsmouth e em todo o país para atender a demanda, através de clínicas administradas por médicos que receitavam medicamentos opioides para qualquer um que pudesse pagar.
Eventualmente, os reguladores estaduais e as autoridades policiais locais acabaram com esse esquema, prendendo médicos e exigindo que as clínicas estivessem associadas a programas de saúde estabelecidos e respeitáveis.
Portsmouth reforçou suas ofertas de cuidados de saúde e tratamento da dependência - e passou de ser um paraíso dos esquemas de prescrição ilegal de remédios a um refúgio para a recuperação, e o número de overdoses agora está diminuindo, disse Ware.
Em todo o país, as mortes por overdose de drogas estão aumentando até novos níveis, e chegaram a 60.000 estimadas em 2016. Certos estados, como Ohio e West Virginia, foram mais atingidos do que outros.
DeWine está lutando contra a epidemia por outra frente: processando as empresas farmacêuticas. De acordo com o The Washington Post, pelo menos 25 estados, cidades e condados estão fazendo a mesma coisa.
O governo federal propôs uma redução, no próximo ano, de 20% da quantidade de opioides que as empresas farmacêuticas estão autorizadas a produzir.
Mas os médicos ainda parecem estar escrevendo prescrições com entusiasmo.
Embora os números tenham diminuído, os médicos distribuíram cerca de 250 milhões de receitas de opioides apenas em 2013, de acordo com os Centros para o Controle de Doenças.
"Os médicos não aceitaram plenamente seus papéis individuais na alimentação dessa epidemia em particular", disse Clark.