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Etanol está em crise de crescimento, diz Unica

Segundo o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Marcos Jank, falta apetite do setor para novos projetos de etanol

Marcos Jank, da Unica: "Nosso maior desafio é voltar a crescer de 8% a 10% ao ano" (Divulgação)

Marcos Jank, da Unica: "Nosso maior desafio é voltar a crescer de 8% a 10% ao ano" (Divulgação)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 6 de maio de 2011 às 16h06.

São Paulo - Os últimos meses foram de sufoco para os proprietários de veículos flex, frente aos elevados preços do etanol nos postos de abastecimento. Mas, com o início da nova safra, aberta em abril, o biocombustível deve voltar a ficar competitivo. Enquanto o período de aperto se dissipa, a pergunta que persiste é o que causou a crise do etanol e se ela pode se repetir no futuro.

Para o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) Marcos Jank, resolver a volatilidade do preço do álcool é fácil. O problema mais urgente é lidar com a falta de apetite para novos projetos. "Se for falar de crise, a verdadeira crise do setor é de crescimento", afirma. Em entrevista à EXAME.com, Jank explica as altas pronunciadas no preço do combustível, comenta as novas medidas do governo para o setor e aponta os entraves e principais desafios para a expansão do etanol.

EXAME.com - O que justificou a forte alta dos preços do etanol nos últimos meses?

Marcos Jank - Primeiro, tivemos uma entressafra complicada, por conta de seca que atingiu o Centro-Sul em meados do ano passado. A quebra na produção foi da ordem de 10%, em torno de 50 a 60 milhões de toneladas de cana. Com as condições climáticas desfavoráveis, perdemos cerca de 5 bilhões de litros de etanol. Mas o consumo também estava muito acelerado no final de 2010 e pegou todo mundo de surpresa, tanto a venda de automóveis, como o setor de combustíveis. Agora, que estamos em plena safra, os preços do álcool vão começar a despencar com a oferta. Na semana passada, o preço já caiu mais de 30%.

EXAME.com - Esse período "complicado" deixa alguma lição para o setor?

Marcos Jank -
A principal lição é que vamos ter que planejar e regular melhor as entressafras, evitando tanto as baixas muito pronunciadas do preço no auge da safra, como as altas que acontecem durante a entressafra. Portanto, temos que reduzir a volatilidade dos preços. Hoje, nós produzimos etanol durante 7 meses do ano, mas ele é consumido durante 12. E todo ano sempre surge uma certa insegurança em relação aos estoques para atravessar a entressafra. Temos que melhorar as condições de contratação de etanol, aproximando o etanol da gasolina. Os custos de produzir etanol aumentaram bastante de 2005 pra frente e o preço da gasolina está congelado de certa forma. E se quiser falar de crise, a verdadeira crise pela qual o setor passa é a de crescimento, de como crescer de forma sustentável e com uma certa dose de regulação.

EXAME.com - Como assim crise de crescimento?

Marcos Jank -
Temos aí o desafio de voltar a crescer a uma taxa de 8% a 10% ao ano, no mesmo ritmo em que vínhamos entre 2000 e 2008, principalmente voltados para o etanol. Em 2000, metade da safra era de etanol e a outra metade de açúcar. Em 2008, foi 60% etanol e 40% açúcar. De lá pra cá, houve uma desaceleração. Em 2008, a crise financeira atingiu duramente 1/3 do setor, que havia feito grandes investimentos desde 2005. Grupos que haviam construídos novas usinas foram severamente abalados.

A partir daí, os investimentos novos voltaram-se para a compra de empresas em dificuldades. Então, não houve expansão expressiva do setor e a indústria, que vinha crescendo 10% ao ano, passou a crescer só 3% ao ano nos últimos dois anos.


Essa desacelerada no curto prazo é o que nos preocupa hoje. Se o Brasil tivesse parado de crescer, esses 3% seriam ok, mas o país está crescendo muito rápido e a gente tem que acompanhar. A indústria do etanol precisa crescer de forma sustentável, sem voo da galinha. Se a gente volta a ter um ciclo em que todo mundo investe e dois anos depois quebra é tão ruim quanto a volatilidade de preços.

EXAME.com -  Quantas usinas estão previstas para este ano?

Marcos Jank - Vamos inaugurar entre 3 e 5 usinas. Mas já teve ano em que inauguramos 30 indústrias. O número de novos projetos caiu muito desde 2008. Ainda estamos vendo muita consolidação, empresa comprando empresa. A alta no custo do etanol também prejudica. Eu diria que o custo subiu de 30% a 40% de 2008 pra cá, principalmente em arrendamento de terra, na área trabalhista e de insumos. Por outro lado, o preço da gasolina ficou no mesmo nível. As margens que existem para a lucratividade associadas a novos projetos estão muito pequenas.

Não vejo entre os meus associados neste momento um apetite dentro das atuais regras para fazer grandes projetos de produção de etanol. Teríamos que fazer 400 milhões de toneladas de cana a mais do que vem sendo projetado para 2020. Hoje estamos em 640 milhões de toneladas, indo para 900 milhões em 2020, quando deveríamos alcançar 1,3 bilhão. Para isso, precisamos de mais 130 usinas, ou seja, 13 usinas por ano durante uma década. Este ano, são só três, temos que ir muito mais rápido. Mas acredito que isso será possível e a regulação do etanol pela ANP deve ajudar.

EXAME.com - E como o senhor avalia o fato do etanol passar a ser regulado pela ANP?

Marcos Jank - Quem vai regular a gente é uma questão que tem que ser resolvida pelo governo, não é o setor que decide. Não sabemos ao certo ainda o que vai mudar. Temos, é claro, bastante interesse em participar do debate. É provável que o etanol ganhe mecanismos muito parecidos com os da gasolina, do diesel e de outros combustíveis, como controle de estoque, fiscalização, regulação da sazonalidade etc, que são medidas muito bem vindas.

Outras questões, como taxação de açúcar, que chegou a ser discutida, e mecanismos de controle de comércio, esses sim são processos que podem ter impactos severos no setor, inclusive na qualidade dos investimentos. Nosso grande temor quanto se fala em medidas drásticas, como controle de preço e exportação, é que isso possa afugentar investidores. O importante para nós é saber qual é a dose de regulação. Energia tem que ter regulação, não dá pra ficar sem. Mas como em qualquer remédio, a administração da dose faz a diferença entre droga e veneno.

EXAME.com - Sobre a sazonalidade de preços, como é possível amenizá-la?

Marcos Jank - Entre as medidas urgentes pro setor está o da contratação do etanol anidro vinculado à gasolina. A distribuidora compra a gasolina A, que é a gasolina pura, compra o etanol anidro e a partir daí faz a mistura para vender a chamada gasolina C, com 25% de anidro. Queremos vincular a compra do anidro à compra da gasolina A. Com uma contratação mais estrita, diminuem as chances de faltar combustível. Porque quem não cumprir o contrato, será penalizado.


Hoje em dia, não há uma garantia de anidro, do jeito que o mercado funciona hoje, você pode tentar comprar no período da entressafra e não ter o produto. Além disso, também é necessário ampliar o sistema de estocagem privado e de financiamento para vencer o final da entressafra.

EXAME.com - Aumentar a banda de mistura do etanol na gasolina, como fez o governo, ajuda?

Marcos Jank - O governo decidiu baixar a mistura de etanol anidro na gasolina de 20% para 18%, que é o limite técnico de mistura que os automóveis permitem, a fim de conseguir mais margem para administrar o problema das entressafras. Mas não é a mistura que vai resolver o problema. A solução para o problema está em mecanismos de contratação obrigatórios de etanol anidro vinculados à gasolina. E na ampliação do programa de estoques estratégicos privados para se ter mais volume de estoque de anidro sendo feito na safra para garantir o aprovisionamento de etanol anidro na entressafra.

EXAME.com - E quem cuida da regulação do etanol hidrato, para carros flex? O consumidor praticamente abandonou o etanol, preferindo gasolina nesses últimos meses...

Marcos Jank - A regulação do flex não é feita pelo governo, a inflação do flex é feita pelo consumidor, o proprietário do carro. Cada vez que o álcool passa de 70% do preço da gasolina, ele deixa de usar etanol e passa para gasolina. Nós temos aí um teto de preço. Ainda assim, existe uma categoria de consumidores cada vez mais importante que mesmo com os preços altos não abandonam o etanol por razões ambientais. Tem muita gente hoje que sabe que o etanol reduz até 90% das emissões se comparado à gasolina.

Hoje, 75% do etanol produzido é hidratado e 25% é de anidro. É muito fácil regular o problema do preço. O problema não está do lado do hidratado, que tem o preço regulado pelo da gasolina, o problema criado nessa entressafra esteve por conta da alta o preço do anidro, mas o anidro é só 25% da produção. Então , se a gente se programar e fizer estoques estratégicos com mais eficiência, a regulação pela ANP deve ajudar, acho que isso vai diminuir a volatilidade.

EXAME.com - O Brasil precisou importar álcool dos EUA, mas nós queremos é exportar pra eles. Não é contraditório?

Marcos Jank - Nós importamos dos EUA um volume equivalente a 0,8% da produção brasileira de etanol. Foi algo em torno de 300 milhões de litros de álcool anidro. Em compensação, em 2010, exportamos 1,5 bilhão de litros de anidro. Portanto, nós exportamos cinco vezes mais do que importamos. Mas a maior parte desse álcool não foi para fins combustíveis, mas para outros usos. Somos um grande player nesse processo.

Mesmo assim, as exportações hoje representam só 10% de tudo que a gente produz . E as importações que aconteceram nesse ultimo mês foram menos de 1% do que o Brasil produz. Portanto, a importação dos EUA foi regulatória, vamos dizer assim.

EXAME.com - A imagem do setor sai prejudicada aos olhos do consumidor?

Marcos Jank: Talvez, mas em conseqeência de interpretações simplistas que foram feitas. Fomos de certa forma muito atacados, houve muitos exageros, muitas inverdades disseminadas. Ficou muito a ideia de que os usineiros preferiram produzir açúcar a etanol. Existe uma explicação no açúcar, mas ela é muito limitada. Outra coisa que ficou na cabeça das pessoas foi de que o preço subiu porque o pessoal estava ganhando dinheiro e especulando. Mas quando não se tem produto, não se ganha dinheiro. O preço subiu muito porque tinha falta de produto até a semana passada.

EXAME.com - Mas em algum momento privilegiou-se a exportação de açúcar por causa da valorização no mercado internacional à produção de etanol?

Marcos Jank - Olha, as regras do jogo, até o momento, permitem que as empresas migrem do açúcar pro etanol se elas puderem e quiserem, sem restrição. Mesmo assim, a migração é muito pequena, de no máximo 5% da produção. Como as empresas estão operando a plena capacidade, as usinas já estão produzindo açúcar ao máximo e não podem fazer mais.

Para você ter uma ideia, da produção total do setor em 2010, 55% foi de etanol e 45% de açúcar. Na última década, tivemos 8 anos alcooleiros, em que a produção de etanol superou a de açúcar. Então, culpar o açúcar pela baixa do etanol é uma leitura muito simplista.

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