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Em 50 anos, comércio entre Brasil e China cresceu 5.300 vezes; futuro da relação vira série especial

Aproximação entre os dois países começou há cinco decadas; série de reportagens da EXAME trará detalhes e bastidores do país

Os presidentes Xi Jinping e Lula, durante visita do líder brasileiro a Pequim, em abril (Ken Ishii/Getty Images)

Publicado em 19 de agosto de 2024 às 12h37.

Última atualização em 19 de agosto de 2024 às 16h11.

Xangai, China* - O ano era 1973 e a mineradora Vale, então a estatal Vale do Rio Doce, faria algo novo—e ousado: embarcaria 20.000 toneladas de minério de ferro em uma viagem de 20.000 quilômetros para a China. Foi uma das primeiras operações de uma empresa brasileira para o país asiático, e aconteceu antes mesmo do estabelecimento oficial de relações comerciais entre Brasil e China, firmado em 1974.

"Exportar minério de ferro para a China era visto como uma transação de alto risco. Mas, finalmente, a Vale decidiu prosseguir. Nossa primeira exportação de minério de ferro para a China totalizou 100.000 toneladas, que foram entregues em três carregamentos", contam Tracy Xie, presidente da Vale China, e Dauter Oliveira, diretor de desenvolvimento asiático da companhia, à EXAME no escritório da empresa em Xangai.

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O primeiro carregamento de 20.000 toneladas foi enviado à China em julho de 1973, a partir do Cais de Atalaia, na cidade de Vitória, no Espírito Santo, e a segunda remessa de 26.745 toneladas foi enviada em setembro daquele ano.

"As 53.672 toneladas restantes foram entregues em 1974. O volume vendido à China representou 0,1% de todo o minério de ferro vendido pela Vale em 1973 e 1974", dizem os executivos. "Mas o que importava era o simbolismo. Com a entrega desses primeiros carregamentos, iniciou-se uma nova era."

De fato, uma nova era foi iniciada. Nos últimos cinquenta anos, a corrente de comércio, a soma entre importações e exportações, com a China saiu de 0,2% para 27% de tudo o que o Brasil transaciona com o mundo. Em 15 de agosto, as relações entre os países completaram meio século. O desafio é renovar a relação para que ambas as nações encontrem valor nas trocas.

Um novo passo pode ser dado em novembro deste ano, quando o presidente chinês, Xi Jinping, visitará o Brasil para participar do G20 e para ter reuniões bilaterais com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Milhares de chineses embarcarão com destino ao Rio de Janeiro para fazer parte da comitiva presidencial, segundo apurou EXAME. A grande expectativa é com a possível adesão do Brasil à Rota da Seda, o projeto de infraestrutura global chinês que há anos tenta atrair os brasileiros.

A vida na China, entre o moderno e o antigo

EXAME viajou mais de 2.000 quilômetros no país. Nessa galeria, o editor de fotografia Leandro Fonseca registra cenas cotidianas do país

Um país do futuro e do passado

A EXAME partirá da comemoração dos 50 anos dessas relações para publicar a partir desta segunda-feira, 19, um extenso material sobre a China e sua crescente relação com o Brasil. Em maio, a reportagem percorreu mais de 2.000 quilômetros no gigante asiático, visitou diversas cidades e viu, em primeira mão, as dicotomias de uma nação milenar que se debruça para o futuro.

Com uma infraestrutura pujante -- como uma malha de trens-bala que trafegam a 300 quilômetros por hora e fazem o trecho de 1.000 quilômetros entre Xangai a Pequim em pouco mais de três horas --, estradas em ótimas condições, cidades vibrantes e tecnologia de ponta, a China segue sendo um país que precisa ser mais bem conhecido pelo Ocidente.

A EXAME visitou empresas que buscam estar no limite da tecnologia, como a Apollo Go, do grupo Baidu, e seus mais de 1.000 carros autônomos que circulam por cidades chinesas, ou a Aerospace Feipeng, braço civil do conglomerado de defesa chinês que entregou um café à reportagem em um drone vindo de alguns quilômetros.

Fábrica da Aerospace Feipeng, nas proximidades de Xangai, que fabrica drones. (Leandro Fonseca/Exame)

Presenciamos a ambição de algumas -- ainda poucas -- empresas brasileiras atuantes na China, como a Suzano, cujo centro de tecnologia nas imediações de Xangai explora novos usos para a celulose, e da Vale, cuja relação com o país asiático tem 51 anos, como mostra a abertura desta reportagem.

"A China não é apenas nosso maior mercado, mas também nosso principal fornecedor de produtos e serviços nas áreas de mineração, infraestrutura e logística", contam Xie e Oliveira, da Vale. "Temos a honra de ter estabelecido parcerias vantajosas para todos com muitos dos principais fornecedores chineses, como XCMG, CRRC, DHHI, KDHI e JinkoSolar."

Mas uma China mais antiga, como a da Ópera Wu, uma tradição cultural milenar da cidade de Jinhua, no sul do país, também existe. E convive com o apetite de crescimento do país.

Nela, há vilarejos antigos, como o milenar Youbu, com um exuberante café da manhã que invade as ruelas, e Zhuge Liang, construída por herdeiros do filósofo Zhuge Liang há mais de 400 anos e que escapou intacta da invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial por causa de sua arquitetura que simula as ondulações naturais das montanhas.

Essas histórias serão contadas em um especial da EXAME, a partir desta semana. Os textos serão assinados pelo editor Luciano Pádua, de Macroeconomia, e Leandro Fonseca, cujas fotografias estamparão as matérias.

Ópera Wu, tradicional na cidade de Jinhua, na China. (Leandro Fonseca/Exame)

Crescimento de 5.300 vezes

Em 1974, Brasil e China tiveram uma corrente de comércio, a soma entre importações e exportações, de 19,4 milhões de dólares.

De nossos portos, saíram especialmente algodão, açúcar e farejo de soja. A China enviou produtos químicos e farmacêuticos. Era o início de uma relação comercial -- naquele momento ainda embrionária -- que se tornou extremamente profícua entre os países nas próximas décadas.

Hoje, os números e a importância da China para economia nacional são patentes: em 2023, exportamos 104,3 bilhões de dólares e importamos 53,1 bilhões de dólares para o gigante asiático.

Ou seja, em 50 anos a corrente comercial entre os países cresceu nominalmente mais de 5.300 vezes.

O saldo comercial do ano passado foi de 51 bilhões de dólares, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) -- mais da metade do saldo total, recorde, do Brasil ano passado.

Produtos mais exportados para a China (em bilhões de dólares)

1Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura38,91
2Óleos brutos de petróleo19,7
3Minérios de ferro e seus concentrados, exceto as piritas de ferro ustuladas (cinzas de piritas), não aglomerados19,5
4Carnes desossadas de bovino, congeladas5,7
5Milho em grão, exceto para semeadura3,6
6Pastas químicas de madeira, à soda ou ao sulfato, exceto pastas para dissolução, semibranqueadas ou branqueadas, de não coníferas3,1
7Outros açúcares de cana1,8
8Pedaços e miudezas, comestíveis de galos/galinhas, congelados1,6
9Algodão não cardado nem penteado, simplesmente debulhado1,49
10Ferro-nióbio0,9

Produtos mais importados da China (em bilhões de dólares)

Células fotovoltaicas montadas em módulos ou painéis3,8
Outras partes de aparelhos telefônicos, incluindo smartphones e aparelhos para redes celulares ou redes sem fio1,15
Outros suportes gravados, para reprodução de fenômeno diferente de som ou imagem0,9
Sulfato de amônio0,9
Outros conversores elétricos estáticos0,6
Processadores e controladores0,6
Outros herbicidas apresentados de outro modo0,5
Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado0,5
Outros veículos, equipados para propulsão, simultaneamente, com um motor de pistão alternativo de ignição por centelha (faísca) e um motor elétrico0,4
Outros veículos, equipados unicamente com motor elétrico para propulsão0,4

Em 50 anos, outro mundo

Em 15 de agosto de 1974, quando os países estabeleceram suas relações diplomáticas, Brasil e China eram outros.

Por aqui, vivia-se ainda sob o efeito do "milagre econômico" e o futuro estava logo ali -- em uma resposta à célebre obra de 1941 do autor judeu-austríaco Stefan Zweig, "Brasil, o país do futuro". O principal produto que exportávamos para o mundo era o café -- e para a China, o algodão.

Empresas brasileiras interessadas em exportar minério de ferro, como a Vale, que tem presença de 50 anos no país, e outras commodities para a construção do país asiático tinham dificuldade em encontrar produtos chineses para importar e manter a relação comercial viva, lembrou Galvão.

Do outro lado do mundo, as reformas de abertura comercial de Deng Xiaoping ainda não haviam acontecido, e a China era um país com renda per capita de 315 dólares por ano, um legítimo representante do então chamado terceiro mundo.

Cinquenta anos depois, a história se encarregou do destino dos dois países.

A renda per capita chinesa -- um país de 1,4 bilhão de habitantes -- ultrapassou a brasileira em 2016, em dólares, segundo dados do Banco Mundial, e o país é hoje a segunda maior economia global, desafiando a hegemonia dos Estados Unidos.

Por lá, o futuro não só chegou, como segue sendo estimulado pelo governo: o país investe 6,1% do PIB em infraestrutura, na maior parte recursos públicos, e tenta dominar as novas fronteiras tecnológicas como inteligência artificial, drones, carros elétricos e baterias para a transição energética.

No Brasil, vivemos uma montanha-russa econômica, do milagre econômico à hiperinflação dos anos 1980 e 1990 até a crise mais recente dos anos 2010, na qual tivemos dois anos de recessão econômica. No campo social, houve significativa redução da pobreza nesse período, mas os brasileiros ainda convivem com "voos de galinha" que constroem e destroem riqueza.

A história até aqui foi pródiga, em especial para o lado chinês, que promoveu a maior mobilidade social da história, retirando mais de 600 milhões de habitantes da pobreza extrema.

Os sucessos passados, porém, não garantem ganhos futuros, como lembra o embaixador do Brasil na China, Marcos Galvão. Para seguir crescendo, a China dependerá cada vez mais do Brasil; e o Brasil, para subir degraus na escada do desenvolvimento, também dependerá mais e mais da China.

"A economia muda. Não podemos nos contentar com os êxitos do presente. O êxito traz inércia, e não podemos cair nela. O Brasil precisa diversificar a pauta de exportações, aumentar o nível de agregação nos produtos exportados", disse em entrevista à EXAME em maio.

Para Galvão, tanto os chineses como os brasileiros são "práticos e realistas".

"Sabemos o que temos a oferecer um ao outro", afirmou. "A China sabe que pode confiar no Brasil como fornecedor. Tanto sabe que deixou que o Brasil assumisse a posição de seu principal fornecedor de produtos agrícolas."

O desafio está em ampliar a pauta de exportações e importações, além de adicionar cada vez mais valor na venda de produtos agrícolas e mineiras. Vale para os próximos cinco, mas também para os próximos 50 anos.

*A equipe da EXAME viajou a convite do China Media Group

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