Exame Logo

Ela abriu mão do conforto em terra para embarcar na luta pelos oceanos

Em livro, fotógrafa e ativista brasileira narra sua jornada de defesa ambiental pelos "sete mares", uma história com prisões, piratas, medo e muita coragem

Fotógrafa e ativista ambiental Barbara Veiga. (Barbara Veiga/Divulgação)

Vanessa Barbosa

Publicado em 23 de março de 2019 às 07h07.

Última atualização em 5 de abril de 2019 às 10h47.

São Paulo - O que levaria você a dar adeus à segurança e ao conforto da vida entre quatro paredes, aos parentes e amigos de infância e juventude, interromper compromissos estudantis e profissionais, e se lançar em uma jornada ao redor do mundo a bordo de expedições marítimas documentando crimes ambientais nos oceanos ?

"Navegando me sinto em conexão com a mãe natureza, pela qual decidi lutar, disposta inclusive a arriscar o meu conforto e, por vezes, minha segurança", escreve a fotógrafa e ativista brasileira Barbara Veiga em seu recém-lançado livro "Sete Anos em Sete Mares" (Editora Seoman). Na obra, ela narra de forma intimista e com riqueza de detalhes o que vivenciou durante sua luta em defesa do meio ambiente.

Veja também

Abandonar tudo em terra - o que para muitos soaria impensável - foi para ela a coisa mais sensata a se fazer. Apaixonada pelo ambiente natural e a biodiversidade , Barbara embarcou pela primeira vez, aos 22 anos, no famoso navio Arctic Sunrise, da ONG ambientalista Greenpeace para trabalhar como voluntária em uma campanha de combate ao desmatamento ilegal da floresta amazônica no ano de 2006.

No mesmo ano, foi presa e exposta a condições humilhantes no centro de detenção de uma ilha caribenha . Ela participava de um protesto pacífico contra o massacre brutal de baleias na tentativa de chamar atenção da Comissão Baleeira Internacional, que se reunia na ilha. Intrépida, meses depois, ela navegaria rumo ao Mediterrâneo para combater a pesca do atum-azul, espécie seriamente ameaçada de extinção pelo consumo predatório.

A cariocaconta os altos e baixos de suas missões a bordo dessa e outras organizações de defesa da biodiversidade marinha. Com o Sea Shepherd, grupo que usa táticas de ação mais direta para impedir crimes ambientais, perseguiu navios baleeiros nas águas gélidas do oceano Antártico, atividade altamente arriscada considerando as condições inóspitas do Polo Sul.

Suas aventuras pelo litoral da Somália, Egito e Eritreia rendem momentos de tensão, que levaram a ativista a temer pela própria vida, diante de abordagens grosseiras e indecifráveis de piratas e até mesmo oficias portuários com claras tendências corruptivas.

Risco: perseguição a navio baleeiro nas águas gélidas da Antártica. (Barbara Veiga/Divulgação)

Ao mesmo tempo em que os oceanos se tornam um campo de batalha pela preservação ambiental nas aventuras narradas, também são o terreno onde Barbara (ou Babs, como era chamada pelos colegas marinheiros) amadurece enquanto ser humano, mulher, ativista e fotógrafa documentarista. Ela não faz reservas, compartilhando com o leitor suas dores, medos, ambições, amores e desilusões. Acima de tudo, brinda o leitor com um olhar sensível às diversas formas de vida desse Planeta e uma fé inabalável na capacidade das pessoas lutarem para mudar aquilo que lhes causa indignação.

Hoje, aos 35 anos, a carioca se ancora a novas missões, mas dessa vez em terra firme. Formada em jornalismo, uniu a atividade à fotografia da natureza, uma paixão que desenvolveu em alto-mar. Realiza palestras em escolas e universidade com o objetivo de troca, transmitindo seus conhecimentos e suas vivências nessas missões pelo mundo.E também começa a usar a performance artística como uma "nova ferramenta para falar das experiências nas missões".

E a saudade do horizonte azul?  "Pode ser que eu volte ao mar muitas outras vezes, por amar esse gigante e participar de missões ou estudos científicos. O mais importante para mim é ver de perto a força do coletivo ajudar a mudar o mundo tão carente de cuidado. E todos nós somos capazes de fazer isso. Seja qual for a escala" diz Barbara.

Confira abaixo a entrevista que ela concedeu ao site EXAME por email.

Por que você escolheu dedicar sua vida a investigar e documentar crimes ambientais?

Dedico-me pela justiça de toda forma de vida. Acredito que mostrar desde a beleza de lugares naturais ainda preservados, até ações diretas para impedir que crimes socioambientais continuem acontecendo, é fundamental para ver uma mudança real. Todos temos uma colaboração como cidadão consciente. Eu escolhi usar a fotografia, o filme e meu corpo como forma de engajamento e responsabilidade. Me pareceu um caminho natural. Não projetei ou me preparei muito. Quando recebi a minha primeira proposta de trabalho para embarcar na minha primeira missão na Amazônia, essa me pareceu a decisão mais sensata que eu poderia tomar naquele momento. A partir daí eu nunca mais parei.

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Qual o papel da fotografia na sua história de ativismo ambiental?

Em tempos atuais, onde quase tudo se define com uma imagem, especialmente através das redes, sabemos a força que isso pode gerar na vida das pessoas. Desde nova eu tenho uma câmera nas mãos para documentar situações que eu achava interessantes. Comecei fotografando pessoas que vivem e trabalham nas ruas, e impressionada com o dia a dia delas e em como elas eram tratadas por muitos policias por estarem ali, buscando apenas uma oportunidade. Isso mexeu muito comigo, com as pessoas que viram essas imagens e escutaram as histórias que eu apurei. Acredito que a fotografia é capaz de traduzir o momento, um sentimento, uma verdade. Somada a outras formas de comunicação é capaz de causar impacto e transformação. Esse é o papel da fotografia para mim: uma ferramenta artística que pode fazer com que as pessoas sintam e reflitam mais sobre suas escolhas, o mundo em que vivemos e em qual queremos viver.

Qual mensagem você diria que é fundamental disseminar pelo mundo com relação à água?

Respeite os oceanos como você respeita a sua casa. É uma relação que todos devemos ter, levando isso como uma grande meta e responsabilidade. O impacto que a sociedade pode ter com a escassez total da água é chocante e irreversível. Então agora é a hora de agirmos coletivamente para fazer programas de limpezas dos Rios e Mares. Educar pessoas, e se sentir parte dessa causa. Localmente e globalmente. Se conseguirmos fazer algo pela região que vivemos, com as pessoas que nos relacionamos e no ambiente que estivermos, já é bastante significativo. Nossa relação com a água precisa ser sagrada.

Ação direta: navio de ong ambientalista desarma fazenda ilegal de atum no Mediterrâneo. (Barbara Veiga)

No livro, você compara a vida no mar a de um planeta distante, diferente da Terra. Ao seu ver, quais implicações essa percepção acarreta para a proteção internacional dos oceanos e toda as formas de vida que nele habitam?

O Mar é uma imensa potência. Nele aprendi a reavaliar, por exemplo, a minha relação com o tempo. Calmaria, tempestades, o contato com a vida selvagem. Tudo isso me fez e faz pensar na relação com o que temos ao redor. Essa riqueza mágica, que recebemos de presente sem nem mesmo precisar pedir. O mar muitas vezes me faz parecer distante e no meio do gigante, me faz sentir pequena. Ao mesmo tempo me conecta para a parte mais íntima e real de mim mesma. É impossível não ficar sensibilizada quando uma baleia passa do seu lado. Uma arraia pula na sua frente. Ou um albatroz que te faz companhia durante uma navegação difícil. O mar é o mundo. Se os oceanos morrerem, nós morremos. Acredito que tudo esteja interligado.

Você enfrentou situações de risco em alto-mar nesses sete anos embarcadas? Quais?

Foram diversas situações em total vulnerabilidade. Além de tempestades em alto mar, abordagem por piratas na costa da Somália, agressividade de pescadores em fazendas de atum no Mediterrâneo, ser presa na Amazônia por protestar contra uma empresa norte americana que destrói a floresta deliberadamente, outra prisão no Caribe, num trabalho em proteção às baleias, uma missão infiltrada nas Ilhas Faroes para impedir a matança dos mamíferos, e muitos outros casos que podem ser conferidos no livro em detalhes.

Momentos como esses fariam muita gente desistir da luta de defesa ambiental. Por que você resolveu continuar?

Porque alguém precisa ir para campo, e fazer. E resolvi assumir esse compromisso em vida.

Muitas de suas missões relatadas no livro tinham como foco o combate à caça de espécies marinhas em risco de extinção, como baleias jubartes e atum azul. Em geral, a atividade ilegal aparentava sofisticação, com uso de tecnologias e estratégias de guerra. Na sua opinião, o que motiva a manutenção de um sistema como esse?

Interesse econômico e político.

Além da sobrepesca, quais são ao seu ver os principais problemas ambientais que ameaçam a saúde dos ecossistemas marinhos atualmente?

Exploração de petróleo ainda é uma grande ameaça e problemática atual. Seja nos Oceanos, seja na Amazônia, com a atual descobertas de corais. O lixo, em especial o plástico, que tem tomado uma imensa proporção em sua quantidade, no mar. Não é a toa que existe a maior ilha de lixo no mundo no meio do Oceano Pacífico.

-(Barbara Veiga)

Você pode observar de perto os impactos da poluição plástica na vida marinha?

Em um trabalho no Mediterrâneo cruzei com uma tartaruga marinha presa a um saco plástico imenso, desses industriais. Ainda em alto mar, imediatamente 3 mergulhadores liberaram essa tartaruga num processo bastante delicado para remover o saco plástico que depois descobrimos que era de arroz, e vinha da Turquia. A tartaruga estava exausta, pois com a  água, ficava mais pesado e trabalhoso para ela. Estávamos nas proximidades da Líbia. E esse lixo parou lá, no meio do mar. O que eu vi com meus próprios olhos foi esse resgate. Vejo todos os dias quantos outros animais marinhos morrem todos os dias com essa problemática.

E o que pode ser feito para evitar ou mitigar esses problemas em nível macro (governos) e micro (sociedade)?

Procurar como pessoa física, Instituição ou empresa colocar pressão naqueles que não mudam sua postura. Acredito que o macro e micro estão conectados.  Apoiar empresas sustentáveis, repensar o consumo próprio e lembrar que nossas escolhas são fundamentais para servir de exemplo e inspiração para os outros. Acreditar e apostar na educação e fazer as pessoas se sentirem parte dessa causa. Qualquer vitória que tivermos com quem nos relacionamos e no ambiente que vivemos já é bastante significativo.

No livro, você diz que adotou uma dieta vegetariana por questão de coerência com seu ativismo. Como isso se deu?

Diante de todo cenário crítico que vi na Amazônia com a questão do gado, e nos Oceanos com espécies marinhas ameaçadas, não pude ignorar e seguir com uma dieta pensando apenas em mim mesma. Nos dias de hoje temos informação e escolhas para manter uma alimentação saudável e consciente. Não é necessário consumir proteína animal.

Entre 2009 e 2011, você passou meses em uma missão de combate à caça no santuário baleeiro da Antártica, perpetrada principalmente por frotas japonesas que dizem estar ali por fins de pesquisa científica. Desde então, o que mudou na proteção do santuário?

Na verdade esse Santuário nunca foi de fato protegido. Todo ano entre dezembro e março a frota baleeira japonesa se dirige ao Oceano Austral para a caça, sem controle algum. Inicialmente com a desculpa de pesquisa científica, sendo que diversos biólogos e cientistas constataram que baleias não precisam ser mortas para os estudos do mar. Portanto, na verdade, essa carne era comercializada ilegalmente. Hoje em dia, a venda comercial da baleia é autorizada.

-(Barbara Veiga)

Em 2018, a criação de um santuário de baleias no oceano Atlântico sul foi rejeitada por 25 nações durante a Comissão Baleeira Internacional, que aconteceu em Florianópolis. Por que há tanta resistência para garantir a proteção efetiva desses animais e por que garanti-la é tão importante?

Ao meu ver, Interesses econômicos. Uma baleia vale 250.000 dólares. Um prato de baleia, pode valer 400 dólares. Tem gente que paga por isso.

A cada dia que passa, parece que os problemas ambientais por mar e terra só crescem. Você não perde a esperança?

Uma vida sem esperança é estar morto em vida.

Quais são seus planos futuros?

Para o futuro, tenho o sonho de publicar um livro infantil e HQ que fale de questões socioambientais de um jeito lúdico e poético para públicos diferentes. Faço palestras com o objetivo de troca na vontade de transmitir meus conhecimentos, vivências e a vontade de transformar o mundo num lugar melhor para se viver. E também começo a usar a performance como uma nova ferramenta artística para falar das experiências nas missões que me envolvi.

 

 

Acompanhe tudo sobre:Animais em extinçãoFotografiaGreenpeaceMeio ambienteOceanos

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame