Funcionário da Médicos sem Fronteiras usa a roupa de proteção contra o ebola, em uma unidade da ONG instalada na Libéria (Pascal Guyot/AFP)
Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2014 às 18h07.
Dacar/Genebra - Dois dias depois de sua mãe morrer em uma clínica de Monróvia, capital da Libéria, por causa do ebola no mês passado, John, de 4 anos, foi colocado em um lar adotivo para ser monitorado pela doença.
O novo guardião de John, um sobrevivente do ebola, era imune ao vírus letal e ficou feliz em cuidar do menino. Mas quando os vizinhos souberam do plano, recusaram-se a permitir que fossem adiante, com medo de que o garoto pudesse também infectá-los.
O caso de John ilustra as agruras sofridas por cerca de 3.700 crianças na África Ocidental que perderam um ou os dois pais vitimados pelo ebola, e enfrentam agora o estigma e o abandono, de acordo com a Unicef.
O número pode dobrar até meados de outubro, disse agência da ONU para infância.
As crianças são apenas 15 por cento das 3.091 mortes pelo ebola, sobretudo na Libéria, Serra Leoa e Guiné, taxa abaixo da proporção que ocupam na população, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mas o número esconde um impacto mais amplo causado pela doença sobre as crianças.
O medo do contágio faz com que muitos órfãos, mesmo aqueles que testam negativo, sejam abandonados. O natureza perigosa da doença obriga os trabalhadores de ajuda humanitária a repensar o modo como cuidam dos pequenos.
"Em algumas comunidades, o medo ao redor do ebola está se tornando mais forte do que os laços familiares", disse o diretor regional da Unicef para a África Ocidental e Central, Manuel Fontaine.
"Essas crianças precisam urgentemente de atenção e apoio especiais; ainda assim, muitas se sentem rejeitadas e abandonadas", acrescentou ele.
Enquanto especialistas em doenças alertam sobre o potencial de dezenas ou até mesmo centenas de milhares de pessoas morrerem por causa do ebola antes de o vírus ser debelado, trabalhadores de ajuda humanitária chegam a comparar a situação aos desafios enfrentados durante as guerras civis em Serra Leoa e Libéria, nos anos 1990.
A ameaça de infecção faz com que as mesmas respostas usadas durante o período de conflito não possam simplesmente ser repetidas, já que agora as crianças órfãs precisam também ser monitoradas por causa da doença.
"Você não pode simplesmente montar um centro e colocar 400 crianças lá, como costumávamos fazer.
É muito mais complicado do que isso", disse o diretor regional de proteção à criança da Unicef, Andrew Brooks, que trabalhou na região durante os anos de guerra.
A Unicef diz ter recebido apenas 25 por cento dos 200 milhões de dólares que julga necessários para ajudar as crianças e suas famílias afetadas pela crise. Fontaine apelou por "mais coragem, mais criatividade e muito mais recursos."
(Reportagem adicional de Fabien Offner em Macenta, na Guiné, e Josephus Olu-Mammah em Freetown)