Dolarização na Argentina: peso tem queda recorde perto da eleição; entenda como a crise começou
País tenta controlar acesso à moeda americana com mais de 12 câmbios diferentes, como dólar soja e dólar Netflix
Repórter de macroeconomia
Publicado em 6 de outubro de 2023 às 18h46.
Última atualização em 6 de outubro de 2023 às 20h12.
A menos de três semanas das eleições presidenciais, o dólar teve nova disparada na Argentina. Na tarde de sexta, 6, cada dólar era vendido, no final do dia, a 880 pesos na cotação paralela (blue), um recorde histórico. Há uma semana, o valor era de 800 pesos. Na cotação oficial, inacessível para a maioria dos argentinos, cada dólar é vendido a 365 pesos.
Nesta sexta, a moeda americana teve alta em várias partes do mundo após a divulgação de dados de contratações nos EUA, que vieram acima do esperado. No entanto, o dólar já vinha subindo na Argentina ao longo da semana, por conta da proximidade das eleições. No domingo passado, foi realizado o primeiro debate entre os candidatos.
- Petrobras eleva preço do querosene de aviação (QAV) em mais de 5%
- Após receber alta, Lula agradece às orações e diz que trabalhará do Alvorada até recuperação
- Javier Milei lidera pesquisas e tem chance de vencer na Argentina em 1º turno
- Déficit comercial dos EUA recua a US$ 58,3 bilhões em agosto
- Legacy vê oportunidade após curva de juros descolar de câmbio
- EUA cria 336 mil vagas em setembro, mais que o esperado; taxa de desemprego se mantém em 3,8%
Javier Milei, candidato ultraliberal que lidera as pesquisas, defende medidas radicais, como extinguir o Banco Central e adotar o dólar como moeda de fato do país. No entanto, economistas apontam que para dolarizar a economia é preciso ter uma grande quantidade de moeda estrangeira em caixa, algo que o país não tem. E que sem controle das contas públicas, a inflação deve seguir desenfreada.
Em segundo lugar nas pesquisas, o candidato Sergio Massa, atual ministro da Economia, gera preocupações no mercado por tomar medidas que devem acabar desvalorizando ainda mais o peso. Em setembro, Massa anunciou pagamentos extras para beneficiários de programas sociais, às vésperas da eleição, que vão colocar mais pesos em circulação, o que pode piorar a inflação. Ele também determinou cortes de impostos para autônomios. O pacote foi apelidado de plan platita. ("plano dinheirinho", numa tradução livre).
Segundo um compilado das últimas pesquisas divulgadas entre o fim de agosto e 1º de outubro, elaborado pelo jornal "El País", Milei tem atualmente 35,3% dos votos, ante 30% de Sergio Massa, candidato governista e de esquerda, e 25,9% de Patrícia Bullrich, de centro-direita e ligada ao ex-presidente Mauricio Macri (2015-19).Se os percentuais se mantiverem, haverá segundo turno entre Milei e Massa, a ser disputado em 19 de novembro.
Como começaram os controles sobre o dólar na Argentina
A relação da Argentina com o dólar é complexa, embora por uma razão simples: há grande procura pela moeda americana, mas ela está em falta. Para lidar com o problema, o governo adotou uma série de regras para dificultar o acesso aos dólares ao longo dos anos, que deram origem a um sistema complicado e a um forte mercado paralelo.
O modelo atual de controle cambiário, apelidado de "cepo", foi criado em 2011, no governo de Cristina Kirchner, para dificultar o acesso aos dólares, com o objetivo de tentar frear a desvalorização do peso. Com isso, empresas que precisam da moeda estrangeira, para pagar importações ou empréstimos ou remeter lucros ao exterior, por exemplo, dependem de aprovação de um órgão estatal, a Afip.
No entanto, com a dificuldade de acesso, ganhou força o mercado paralelo, apelidado de "dólar blue". Embora operado de maneira irregular, a cotação do blue é divulgada com destaque. Seu valor serve como termômetro da economia argentina e referência para transações do dia a dia. É comum que argentinos comprem dólares no mercado paralelo para fazer poupança, por exemplo.
Em 2015, o governo de Mauricio Macri acabou com os controles para acesso aos dólares. Isso fez que o peso tivesse queda de 40% na cotação em 24 horas e a procura pela moeda americana disparasse. Nos anos seguintes, o peso desvalorizou muito: passou de cerca de 9 pesos por dólar em 2015 para mais de 60 pesos em 2019.
Dada a queda forte do peso, o governo Macri, perto da eleição de 2019, voltou a colocar limites para a compra de dólares em 2019. Primeiro, estabeleceu um limite de US$ 10 mil mensais por pessoa, que logo foram reduzidos para US$ 200.
O aperto realizado por Macri, que perdeu a reeleição, fez com que a distância entre a cotação oficial e paralela ganhasse mais força. Eleito em 2019, o presidente Alberto Fernández, manteve as restrições e foi acrescentando outras, como um imposto de 30% sobre as compras de dólar. Ao mesmo tempo, foram sendo criados novos tipos de câmbio, que somam mais de 12. Abaixo, alguns deles, com cotações na tarde de sexta, 6 de outubro:
Dólar blue: apelido da cotação informal da moeda, vendida de modo irregular, sem exigências para o comprador. 885 pesos.
Dólar mayorista (atacado): usado por importadores e bancos para transações no exterior. 350 pesos.
Dólar minorista (varejo): voltado para pessoas físicas, com limite de US$ 200 mensais. É preciso justificar a compra, como a realização de uma viagem ao exterior. 365 pesos.
Dólar tarjeta (cartão): usado para pagamentos internacionais com cartão de crédito, como assinatura de streamings. Por isso, ficou apelidado de "dólar Netflix". Usa o câmbio minorista mais taxa de 45%. 632 pesos.
Dólar MEP: taxa usada para a venda de títulos públicos. Compra-se um título do governo em pesos, que pode ser vendido em dólares. Também serve como referência para uso no mercado de ações. 812 pesos.
Dólar turista: cobrado de argentinos que viajam ao exterior e fazem pagamentos com cartão de crédito. 659 pesos.
Dólar soja: usado por exportadores, para receber pagamentos em dólares pelos produtos vendidos, especialmente a soja.
Dólar Vaca Muerta: similar ao dólar soja, usado para pagar a exportação de petróleo e derivados extraídos na região de Vaca Muerta.
As propostas dos candidatos
Javier Mileidefende acabar com os controles e liberar o mercado de compra e venda de dólares. Ele planeja extinguir o Banco Central e fazer com que os argentinos façam transações na moeda em que preferirem. Isso, avalia ele, faria com que o peso fosse abandonado.
Sergio Massatem falado pouco sobre seus planos para o cepo, mas disse em uma entrevista que pretende reverter a medida aos poucos, para não gerar uma queda ainda mais brusca no valor do peso. JáPatrícia Bullrich, candidata de direita e ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, defende acabar com o "cepo", mas antes tomar medidas para conter o déficit fiscal e proteger investimentos estrangeiros.