HILLARY E A PREFEITA DE OKLAND: “somos mais fortes quando trabalhamos juntos” / Stephen Lam/ Reuters
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2016 às 17h01.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.
O petróleo é outro setor no qual Trump mostra sua capacidade de falar com o americano médio – e de combinar outras duas “qualidades”. Atropelar o discurso ambientalmente correto e contradizer posições que já defendeu. Trump acusou o senador texano Ted Cruz, seu ex-rival nas primárias, de ser “totalmente controlado pela indústria do petróleo”, criticou o projeto do oleoduto Keystone XL entre Alberta, no Canadá, e o Nebraska — ao qual Obama também se opôs, por razões ambientais —, e defendeu a produção de etanol.
Depois, Trump fez um giro de 180 graus em um discurso no dia 26 de maio, em uma conferência do setor, em Bismarck, Dakota do Norte. O candidato acusou Obama de provocar o fechamento de vagas e de retardar o desenvolvimento do setor de energia, e acusou Hillary de querer restringir ainda mais as atividades minerais. Passando por cima da queda dos preços de petróleo, da desaceleração da China e do aumento da exportação pela Arábia Saudita, Trump tratou a crise no setor como resultado de erros das políticas domésticas.
“O incrível potencial de energia da América continua inexplorado. É totalmente auto-infligido”, atacou o candidato, esquecendo que a produção de petróleo aumentou 72% sob o governo Obama, até o ano passado. “Estamos carregados, nem sabíamos, estamos carregados”, celebrou ele, referindo-se às novas reservas como uma criança que ganha um brinquedo novo — ou como Lula na euforia do pré-sal. “Não tínhamos ideia do quanto somos ricos.”
Os aplausos vieram mesmo foi quando o candidato republicano repudiou as preocupações com a mudança climática, que tanto mal têm feito ao setor: “Vamos cancelar o acordo da Conferência de Clima de Paris. Inacreditável. E parar todos os pagamentos de dólares do contribuinte americano para os programas de aquecimento global da ONU”. Aí, sim. Ele confessou que se preocupa com a proteção da água e do ar, e que inclui em sua matriz energética as fontes nuclear, eólica e solar, desde que não prejudiquem aquelas que, “agora, estão funcionando melhor”, como as fósseis. “Uma administração Trump desenvolverá um plano de energia América Primeiro”, disse o candidato e, buscando a apoteose: “América Primeiro, pessoal. América Primeiro. Torne a América grande de novo! Torne a América grande!”
Salve os empregos
Mas é na indústria que se joga talvez o grande jogo da decadência americana, causada pela liberalização do comércio, que exportou empregos para a China e o México, por exemplo, prova cabal da falta de patriotismo e da indiferença com o sofrimento dos americanos, de acordo com a doutrina trumpiana.
O desemprego é baixo, mas houve um deslocamento da abertura de vagas do setor industrial para o de serviços, que oferece salários e direitos trabalhistas inferiores. A indústria americana fechou 5,4 milhões de vagas de 1998 a 2015. Entre 1964 e 2014, o poder de compra real dos trabalhadores urbanos sem funções gerenciais (os chamados blue collars) ficou praticamente estagnado: a hora de trabalho média valia 19,18 dólares em 1964, e 20,67 em 2014, a dólares atualizados para 2014, segundo estudo do Pew Research Center. Essa estagnação é sentida como perda, diante da prosperidade em outras faixas, como nos cargos gerenciais, e no setor financeiro, por exemplo.
Trump promete impor tarifas de importação de 45% sobre os produtos chineses e romper o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que os Estados Unidos mantêm com México e Canadá desde 1994. São medidas radicais, de difícil aprovação no Congresso, que seriam rechaçadas na Organização Mundial de Comércio, provocariam retaliações e possivelmente uma crise mundial.
Mas é por sua radicalidade mesma, e como prova de que para Trump o que importa é a América, que essas propostas calam tão fundo no imaginário da classe média baixa. E sobretudo no chamado Rust Belt (Cinturão da Ferrugem), arco de oito Estados que vai do Nordeste ao Meio Oeste americano, cuja economia sofreu com a desindustrialização nas últimas seis décadas — inicialmente pela automação e deslocamento para outras regiões dos Estados Unidos, e depois em busca da mão-de-obra mais barata fora do país.
Boa parte dos Estados do Rust Belt é pendular, ou seja, ora vota nos republicanos, ora nos democratas. Historicamente é esse tipo de Estado — a Flórida é outro exemplo, mas Trump não tem chance lá, dada a importância do voto latino — que decide eleições americanas. Antes de Trump e Hillary obterem nas primárias o número de delegados necessários para se sagrarem candidatos de seus respectivos partidos, o outro pré-candidato que tinha um discurso cativante para essa massa de eleitores que se sente abandonada por Washington era Bernie Sanders, senador democrata por Vermont. Fortemente apoiado pelos sindicatos, Sanders também prometia erguer barreiras contra o comércio para reverter a desindustrialização do país — em mais uma demonstração de que os extremos da direita e da esquerda tendem a se encontrar.
Os nichos de Hillary
Desse ponto de vista, Hillary fez um favor a Trump, ao derrotar Sanders nas primárias democratas. Obama recebeu Sanders na Casa Branca depois da vitória de Hillary, na semana passada, e ambos têm se esforçado para engajar o senador na campanha da candidata de seu partido. Hillary demonstrou preocupação com o impacto da liberalização comercial sobre os empregos, e acenou com ajustes, mas não com a veemência suficiente para aplacar a fúria dos colarinhos azuis.
A candidata democrata tem trafegado nas faixas abaixo e acima dessa: trabalhadores mais pobres do setor de serviços, que lutam pelo aumento do salário mínimo, de cerca de 10 dólares (dependendo do Estado) para 15 dólares, e famílias de classe média que têm sido afetadas pelo encarecimento da moradia e empurradas para áreas residenciais mais baratas e distantes.
Hillary tem aproveitado o sincericídio de seu adversário para angariar apoio nessas fatias do eleitorado. Depois que Trump se referiu a Oakland, na Califónia, como uma das cidades mais perigosas do mundo, Hillary foi recebida lá no dia 27 de maio pela prefeita Libby Schaaf, que além de mulher é democrata. O clima era de desagravo à cidade, castigada pela violência urbana. “
Apesar do que dizem algumas pessoas sobre o nível de segurança dessa cidade, Oakland tem feito progressos incríveis”, enalteceu a prefeita, dizendo-se “incrivelmente orgulhosa de ter a secretária Clinton” na cidade. “Quero ser uma campeã por Oakland e por todas as Oaklands da América, lugares que têm desafios como qualquer parte de nosso país”, assegurou Hillary. “Somos mais fortes quando trabalhamos juntos e reunimos todos na mesa”, acrescentou, numa crítica velada ao efeito divisor da retórica de Trump.
A crescente polarização dos Estados Unidos é um fenômeno de muitos anos, e as atitudes dos candidatos podem colocar mais lenha na fogueira ou não, mas não serão capazes de revertê-la, no horizonte visível. Mais do que qualquer outra, esta eleição será um duelo entre duas visões irreconciliáveis de país.
(Lourival Sant’Anna)