Desinformação será sombra para bilhões de eleitores em dezenas de países em 2024
Informações falsas, imprecisas e desinformação são risco a democracia neste ano
Agência de notícias
Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 11h21.
Última atualização em 4 de janeiro de 2024 às 11h23.
Em 2024, o calendário eleitoral será intenso. Cerca de 40 eleições nacionais estão programadas ao redor do mundo. Entre elas, algumas são decisivas para a cena internacional, como as eleições presidenciais dosEstados Unidos, em novembro, e as eleições parlamentares na Índia — o país mais populoso do mundo — entre abril e maio. Mas será também a vez de Taiwan, Indonésia, Reino Unido, México, África do Sul, Argélia, Mali, República Dominicana, Uruguai e muitos outros países. A Bloomberg estima que estesprocessos afetarão 41% da população global e que os seus territórios representam 42% do PIB global.
Os resultados influenciarão a vida de bilhões de pessoas. E a isto devemos acrescentar eleições regionais de vários níveis de importância. Haverá eleições regionais na Turquia e na Irlanda, bem como em certos estados e províncias da Alemanha e da Espanha. Haverá também eleições em toda a UE, para eleger um novo Parlamento Europeu. E, se você acessar a Wikipédia, a lista de processos eleitorais em 2024 chega a mais de 100.
Dada esta concentração de eleições, diferentes grupos especializados alertam para os riscos que informações erradas e desinformação representam. Em um relatório com recomendações sobre como proteger a saúde democrática, o Center for American Progress descreve 2024 como “de alto risco” e aponta a necessidade de plataformas online dedicarem os recursos humanos e tecnológicos necessários para lidar com os problemas durante as eleições deste ano. A empresa de consultoria geopolítica Oxford Analytica também publicou um relatório alertando para o risco representado por informações falsas nas eleições de 2024.
Um dos efeitos da desinformação que os especialistas monitoram é a desconfiança no próprio processo eleitoral.— Ultimamente, nas diversas eleições nos EUA, temos visto muitas afirmações falsas e enganosas que se aproveitam de lapsos ou confusões em torno dos processos de votação, ainda que estes elementos tenham explicações que não indicam a existência de fraude — explica Sam Howard, especialista político da plataforma NewsGuard, que monitora a desinformação e oferece ferramentas para combatê-la.
Sua colega Chiara Vercellone, analista da mesma organização, amplia esta observação: — Eu diria que as narrativas que vimos se espalharem nos EUA também são muito comuns em outros países quando há eleições.
A Brookings Institution publicou um artigo neste ano no qual argumenta que a desinformação corrói a confiança na democracia. No entanto, poderia ir mais longe.
— Até recentemente, o maior impacto da desinformação era simplesmente a crise de confiança institucional. Mas agora, uma parte da sociedade está tão saturada que decidiu parar de consumir informação — explica Carme Colomina, investigadora em política global e desinformação no Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona. — Se você se desconecta dos acontecimentos atuais, seu voto fica menos informado. Além disso, até que ponto você se sente mobilizado?
A crise de confiança no sistema se materializa de diferentes formas, dependendo do cenário em questão. Silvia Majó-Vázquez, pesquisadora do Instituto Reuters para o Estudo de Jornalismo da Universidade de Oxford, destaca que, nas próximas eleições europeias, o debate sobre a própria existência da UE irá se intensificar.
— Penso que as eleições europeias irão, mais uma vez, girar em torno da necessidade de ter essa organização supranacional. É o eterno debate, que se acirrou com o Brexit. Voltou à agenda de vários países, como resultado da entrada de partidos de extrema direita na política nacional —disse a pesquisadora.
Este sintoma está relacionado com outro dos principais componentes da desinformação: a tendência a optar por extremos.
— Na Índia, vemos como a polarização é alimentada pelo próprio governo. [O primeiro-ministro] Narendra Modi faz um discurso muito polêmico. Os seus apoiadores utilizam campanhas de desinformação para espalhar boatos, para criminalizar a população muçulmana — lamenta Colomina.
Majó-Vázquez concorda com o argumento.
— Há muita desinformação que vem das elites. Vimos isso nos EUA, com uma desinformação muito clara sobre a validade dos resultados eleitorais. Por causa da polarização política, existe um jogo em que a divulgação de informações que não são precisas se torna válida — apontou.
A pesquisadora acrescenta que esta tendência é cada vez mais acentuada. A título de referência, um relatório do Instituto Reuters afirma que a proporção de pessoas preocupadas em não saber o que é mentira e o que é verdade na internet é de 56%.
O papel da Inteligência Artificial
A inteligência artificial pode adicionar confusão ao cenário. Em Bangladesh, cujas eleições são este mês, a pré-campanha foi salpicada de desinformação gerada pela IA.
— É o primeiro ciclo eleitoral em que veremos os efeitos da inteligência artificial nas campanhas — enfatiza Colomina. — Nas eleições anteriores, o impacto da desinformação foi claramente visto. Mas agora estamos em um nível de sofisticação muito mais alto.
A pesquisadora radicada em Barcelona refere-se à atratividade do conteúdo gerado com a nova onda de IA, que também está disponível para qualquer pessoa.
O NewsGuard é cauteloso. Ainda não detectou um impacto significativo da IA na desinformação, embora admita que isto pode mudar. A organização continua monitorando isso de perto.
— Identificamos o que chamamos de ‘páginas de notícias geradas por IA’. Identificamos mais de 600 sites desse tipo que aparentemente operam com pouca ou nenhuma supervisão humana — revelou Howard.
Em 2023, a IA já estava sendo usada para manchar campanhas eleitorais. Nas eleições para prefeito de Chicago, um vídeo adulterado com a fotografia de um candidato e uma gravação de áudio circulou nas redes sociais. Parecia que ele era a favor da violência policial, prejudicando sua imagem pública.
Do outro lado do oceano, outra notória deepfake ocorreu dois dias antes das eleições na Eslováquia. Foi publicada uma gravação de áudio com as vozes do líder do partido Eslováquia Progressista, Michal Šimečka, e de um jornalista. Os dois estavam debatendo como fraudar a votação. Tudo foi gerado com IA.
Na recente campanha presidencial argentina também houve conteúdo gerado com IA. Um vídeo com conotações apocalípticas se tornou viral, fazendo do candidato derrotado de centro-esquerda Sergio Massa um salvador.
— Você está vendendo uma determinada imagem. Isto pode parecer inócuo, mas tudo alimenta percepções — disse Colomina. — Há uma linha muito tênue entre o que é licença criativa e o que é desinformação. Nem podemos rotular tudo como prejudicial.
Vivendo com desinformação
As principais plataformas de comunicação on-line são os canais utilizados para a circulação de desinformação. Mas estes não são os mesmos em todo o mundo.
— O meio através do qual estas narrativas são difundidas depende muito da população e do tipo de plataformas que utilizam — explica Vercellone, da NewsGuard. — Nos EUA são utilizadas as plataformas X ou Meta, enquanto nos países de língua espanhola a divulgação ocorre através do WhatsApp e outros serviços de mensagens.
Em relação às plataformas, há outra diferença importante entre as regiões. As suas equipes de moderação – incluindo as criadas temporariamente para processos eleitorais – não são proporcionais às necessidades dos países. Pelo contrário, respondem à pressão legislativa que pesa sobre cada território.
— No Sul Global, as plataformas não investiram tanto na moderação e na identificação automática. Isto significa que se pode esperar um volume igual ou maior de desinformação nestas áreas — destaca Majó-Vázquez.
Para acabar com essas narrativas enganosas, recomenda-se que os usuários conheçam a fonte original da informação e reflitam antes de compartilhá-la.
— Temos que assumir que a desinformação faz parte desta nova realidade. O que está em jogo nas eleições de 2024 é a qualidade dos sistemas democráticos, que são cada vez mais questionados. Em 2024, temos que ver se será um momento de resistência ou se [as nossas sociedades] sofrerão um novo golpe — conclui Colomina.