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Cúpula Trump x Kim será o fim da crise? Não exatamente, diz especialista

Fundadora da ICAN, Rebeca Johnson esteve na Coreia do Sul e contou a EXAME como estão o clima e as expectativas na Ásia para o encontro histórico

Rebecca Johnson, fundadora da ICAN : especialista em desarmamento chama de ingênuo quem acredita que Kim jong-un abrirá mão de seu programa nuclear sem que Trump reveja o seu (Clare Conboy/Divulgação)

Gabriela Ruic

Publicado em 11 de junho de 2018 às 06h00.

Última atualização em 11 de junho de 2018 às 06h00.

São Paulo – Eles são explosivos, temperamentais e reacenderam o temor de uma guerra nuclear em 2017, quando trocaram farpas e ameaças sem levar em conta que o resultado dessas provocações poderia ser a aniquilação de toda a civilização.

Agora, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte , Kim Jong-un, vão sentar para discutir os desdobramentos dessa crise em uma cúpula histórica prevista para ocorrer na terça-feira, 12, em Singapura. O ponto central e mais polêmico da reunião será a desnuclearização do regime norte-coreano.

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Embora essa reunião seja vista como um marco importante na luta pelo banimento das armas nucleares, o momento é de ceticismo para especialistas. Ainda mais quando se lembra que o programa nuclear da Coreia do Norte foi elaborado com o propósito de ser uma moeda de troca do regime na esfera internacional.

Rebecca Johnson, fundadora da Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), entidade vencedora do Prêmio Nobel da Paz 2017, chama de ingênuo quem acredita que o ditador norte-coreano vai abrir mão do seu programa nuclear sem que Trump se comprometa em rever seu arsenal nuclear, bem como a presença militar na região. É algo que pode tornar as negociações ainda mais difíceis e longas.

Rebecca esteve na Coreia do Sul no fim de maio, quando visitou a Zona Desmilitarizada entre as Coreias e participou de encontros com oficiais sul-coreanos, especialistas e ativistas. Em entrevista a EXAME, ela falou sobre o clima que antecede a cúpula, as expectativas para o encontro e o eventual fim da guerra entre as duas Coreias.

EXAME – O mundo aguarda com atenção a reunião entre o presidente americano, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un. Como estão os ânimos na Ásia para a cúpula?

Rebecca Jonhson – Estive na Assembleia Nacional da Coreia do Sul no último dia 24 de maio e pude notar uma expectativa cautelosamente otimista, embora muitos considerem que o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, deveria ser convidado a participar da cúpula.

A decisão de Trump de cancelar o encontro aconteceu naquela noite e ficou claro que os coreanos consideraram a sua carta rude e veio no pior momento possível. O fato de o presidente Moon não ter sido informado previamente sobre esse cancelamento demonstrou, ainda, que a vida dos coreanos não estava sendo levada a sério pela Casa Branca.

Nos dias seguintes, eu e uma delegação internacional de mulheres nos encontramos com o Comitê de Defesa da Coreia do Sul e pedimos para que Moon e Kim não deixassem que Trump tirasse o processo de paz dos trilhos. Queríamos que eles pegassem o telefone para organizar uma outra reunião.

Foi exatamente o que aconteceu. Vimos que o trem do processo de paz entre as Coreias deixou a estação, conduzido pelo povo e pelos líderes. E se os Estados Unidos e Trump não embarcarem na próxima estação, vão ficar para trás.

EXAME – Estamos próximos de ver o fim da crise nuclear?

Rebecca – O perigo só vai passar quando as ameaças cessarem e os coreanos cooperarem para controlar o futuro com suas próprias mãos. A população coreana viveu por anos demais sob o medo da aniquilação nuclear e com a dor de ver suas famílias divididas. A guerra, nos anos 50, virou a uma guerra fria que precisa acabar de uma vez por todas.

Embora a ICAN e os grupos de paz coreanos concordem que se livrar das armas nucleares seja um ponto central para a paz e segurança na região, não vemos a desnuclearização como uma pré-requisito a ser cumprido pela Coreia do Norte para que as negociações aconteçam.

Se tem uma coisa que aprendemos nas últimas décadas é que desarmamento nuclear não pode ser atingido sob ameaça ou coerção. Evidentemente, queremos a desnuclearização, mas precisamos reconhecer que essa retenção nuclear de Kim foi aprendida com outros estados nucleares, especialmente os Estados Unidos e o Japão, bem como com os ataques militares a países não-nucleares, tal qual o Vietnã e o Iraque.

Então, quando o secretário de segurança nacional dos Estados Unidos , John Bolton, e o vice-presidente, Mike Pence, evocaram o “modelo Líbia”, acabaram por acuar Kim, fazendo com que ele passasse a desferir suas ameaças. Veja, o desarmamento nuclear nunca funcionará enquanto aqueles donos de armas nucleares seguirem ameaçando os outros.

EXAME - Quais são as maiores impedimentos para se chegar a um acordo?

No que diz respeito à Coreia do Norte, sua desnuclearização será um processo de construção de confiança que deve levar em conta não apenas o seu programa nuclear, mas ainda presença dos Estados Unidos na região e os exercícios militares conduzidos entre forças armadas americanas e suas aliadas na Coreia do Sul e Japão.

Para construir paz e segurança de verdade, os lados precisam reconhecer que o uso ou ameaça de uso de armas nucleares é algo desumano. Esse é o primeiro passo para transformar a mentalidade da segurança e das políticas nucleares.

Uma boa diplomacia requer a compreensão da psicologia, dos medos e das necessidades de todos os lados. Esforços anteriores de desnuclearização não deram certo justamente pela interação tóxica e coercitiva adotada pelos Estados Unidos e pelos medos e provocações dos líderes do regime norte-coreano.

EXAME - O que podemos esperar da cúpula?

Rebecca - Kim quer sobreviver e o encontro  com Trump é um passo necessário. O que precisa realmente acontecer, contudo, é que as reuniões com Moon continuem. Uma reunião bem-sucedida com os Estados Unidos pode alavancar esse processo, especialmente se os americanos e a China se envolverem para tornar o processo de paz uma realidade.

Contudo, aquele anúncio repentino de Trump de cancelamento da cúpula nos serviu para lembrar que a guerra e o armamentismo são negócios lucrativos para algumas pessoas dentro da sua administração. Essas pessoas podem sabotar essa oportunidade ou Trump pode arruiná-la com sua ignorância, ego e erros de julgamento.

É emocionante que Moon e Kim tenham superado a decepção com Trump, levando adiante a sua reunião. A melhor ajuda que os Estados Unidos e todos nós podemos dar é o apoio e o espaço para que esses líderes encontrem o caminho certo para a paz e o desarmamento que dizem aspirar.

EXAME – Quão grande é a ameaça representada pela Coreia do Norte?

Rebecca – Acho que Moon conseguiu fazer com que todos os lados dessem um passo para trás da beira do abismo do qual se aproximaram no ano passado. Contudo, não podemos ser complacentes. Enquanto os Estados Unidos e Coreia do Norte tiverem armas nucleares, o risco de uma guerra, seja por um erro de cálculo ou intencionalmente, segue real e perigoso.

Líderes egocêntricos como Trump e Kim são um lembrete de que não existem mãos seguras para esse tipo de arma. A detenção nuclear pode parecer uma boa teoria, mas é um catalisador de proliferação, não um escudo mágico e protetor. Qualquer erro pode nos levar a guerra. E com armas nucleares, tudo pode escalar rapidamente e ameaçar o planeta.

Evitar uma guerra nuclear é um processo cooperativo e Kim não irá se desnuclearizar enquanto se sentir ameaçado e humilhado. O desarmamento tem de ser um processo regional mais amplo, que desemboque em um processo global.

Creio que Kim pode ser dissuadido de abrir mão do programa nuclear que tentou desenvolver, mas isso não irá acontecer se não notar ações equivalentes e confiáveis do lado dos Estados Unidos. É ingênuo imaginar que ele irá se desarmar sem que Trump repense suas armas nucleares, suas bases e exercícios militares na região.

EXAME – Como você enxerga a estabilidade no mundo hoje diante das ameaças nucleares?

Rebecca – Na história, tentativas de se agarrar ao poder do patriarcado e as corridas militares sempre causaram instabilidade, miséria e guerra. Armas nucleares são apenas os instrumentos mais recentes de mortes e opressão. A única diferença é que hoje uma fração das armas nas mãos desses nove países é suficiente para destruir toda a vida na Terra.

Guerras nucleares jamais podem ser vencidas. Armas nucleares nunca vão resolver os problemas como mudanças climáticas, conflitos, pobreza, terrorismo. Elas dividem as nações e são um risco para todos. Devoram uma atenção que seria mais bem aproveitada se usada para transcender hostilidades.

EXAME – Quais os maiores desafios para banir completamente as armas nucleares?

Rebecca – Quando o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares foi negociado, adotado e aberto para assinaturas em 2017, as Nações Unidas deram um imenso passo nessa direção. Se usado efetivamente, o documento pode fortalecer a obrigação existente no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1968, de eliminação de todos os arsenais nucleares.

Tratados, no entanto, são apenas pedaços de papel se não fizermos com que funcionem. Com 59 estados signatários, sendo 10 ratificações, estamos no caminho para que o documento entre em vigência até 2020 (são necessárias ao menos 50 ratificações). Quando isso ocorrer, o uso das armas será crime de guerra e isso ajudará a minar o status de poder atrelados a elas.

Os países que tentaram boicotar as negociações podem até dizer que nunca assinarão o tratado, mas logo vão descobrir que o documento dificultará que sigam adiante. Quando o documento ganhar mais influência legal, acabará por aumentar os custos e diminuir as vantagens em produção e uso dessas armas.

Se usado corretamente, poderá ser uma boa ferramenta para a desnuclearização na Península da Coreia.

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