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A China será verde?

Mesmo sem assumir compromissos internacionais para reduzir suas emissões, a China se prepara como nenhum outro país para a economia de baixo carbono

China (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

A China conquistou o pouco honroso título de maior emissor do mundo. Quando se faz a conta por cabeça, os chineses ainda estão distantes dos americanos. Cada um dos 1,3 bilhão de habitantes da China emite, em média, 6 toneladas anuais de CO2, ante 25 toneladas de um americano. Mas, com a manutenção do ritmo de crescimento do país, as perspectivas para o futuro são sombrias.

Ou não tanto assim. Apesar da pouca disposição dos governantes comunistas em assumir compromissos internacionais em prol do combate ao aquecimento global, dentro de casa o país mostra-se empenhado. Não houve ainda o anúncio de uma meta formal de redução para as emissões ou do ano em que elas deverão atingir seu pico. Mas as mudanças estão por toda parte. A formidável aceleração da economia chinesa nos últimos 30 anos aconteceu graças a muito carvão queimado. Nas próximas três décadas, porém, tudo indica que a história será bastante diferente.

Só nos últimos quatro anos o parque eólico da China dobrou de tamanho e já soma cerca de 12 000 megawatts de capacidade instalada - o que representa quase uma usina de Itaipu. Com isso, responde por 10% da energia gerada pelos ventos hoje no mundo - atrás apenas de Estados Unidos, Alemanha e Espanha. A China também já é o maior exportador mundial de painéis fotovoltaicos, usados na conversão da energia solar em eletricidade. Nos últimos dois anos, o governo decidiu aproveitar a liderança na manufatura para impulsionar o uso da energia solar também internamente. Cerca de 10% das residências já têm pequenos painéis para aquecimento de água. Até o início de novembro, cerca de 300 projetos de instalação de sistemas fotovoltaicos haviam sido selecionados para ter até 70% do seu custo bancado pelo governo. "A decisão da China de se tornar verde é o equivalente para o século 21 ao lançamento russo do Sputnik em 1957, o primeiro satélite a orbitar em torno da Terra", escreveu recentemente o jornalista americano Thomas Friedman, colunista do The New York Times.

   <hr>  <p class="pagina">Apesar da admiração (ou terá sido inveja?) do neoverde Friedman, a verdade é que tais iniciativas são proporcionais ao tamanho do desafio que a China precisa enfrentar para reduzir suas emissões. O problema é grande. Considere o caso do Brasil. O país tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e pode reduzir sua contribuição para o aquecimento global simplesmente evitando o desmatamento de florestas - ação que responde por cerca de 60% de nossas emissões. Para atingir um objetivo comparável, a China tem de solucionar uma equação mais complexa. Isso porque o país é movido a carvão mineral, a fonte energética que mais contribuiu para aumentar a concentração de CO2 na atmosfera.</p> <p class="pagina">Em 2008, a economia chinesa cresceu 9% e queimou cerca de 3 bilhões de toneladas de carvão, volume maior que o consumido pelos três outros maiores dependentes do recurso juntos: Estados Unidos, Índia e Alemanha. Deixar de usar o carvão, no curto ou mesmo no médio prazo, é inviável, e os governantes do país sabem disso muito bem. A China é dona de uma das maiores reservas do recurso no mundo, e a relação custo-benefício do uso do carvão é muito vantajosa: o material é barato e não exige tecnologia de ponta para ser extraído. Portanto, mesmo inebriada pela onda verde, a China segue inaugurando uma termelétrica por semana, em média.<br> <br> As grandes vedetes, porém, são as novas fontes de energia. Até 2020 o governo quer que no mínimo 15% da demanda energética do país seja suprida por fontes renováveis. Hoje, esse percentual é de apenas 7%. Especialistas consideram a meta ambiciosa, mas não duvidam que o país seja capaz de cumpri-la. "Ninguém questiona a capacidade de execução da China", afirma John Romankiewicz, analista da New Energy Finance, consultoria britânica especializada em energias renováveis e mercado de carbono. A primeira meta definida para a energia eólica, de 5 000 megawatts, por exemplo, deveria ser batida em 2010, mas foi superada ainda em 2007. Revisada, ela foi alterada para 10 000 megawatts. Ao final de 2008, a China já contava com um número de turbinas suficientes para gerar 12 000 megawatts. Para que isso acontecesse o governo colocou em prática uma série de medidas. Uma delas foi definir que, por tempo indeterminado, as concessionárias pagarão um preço mais alto por essa energia renovável. Em alguns casos, a diferença entre as tarifas pagas pela eletricidade gerada pelos ventos e a gerada pelas termelétricas chega a ser de 74%. A mesma medida já está funcionando também para a energia solar.</p>       <hr>  <p class="pagina">O dinheiro vai ainda para o bolso dos consumidores. Os chineses têm direito a subsídios de até 125 dólares para a compra de eletrodomésticos que consumam menos energia, e há políticas para aumentar a venda dos veículos mais leves e menos beberrões. No final de 2008, o governo reduziu de 3% para 1% o imposto sobre os carros com motor 1.0. Em compensação, aumentou de 15% para 25% as taxas sobre os veículos com motores mais potentes. Além disso, vem definindo metas rígidas de economia de combustível para as montadoras. Carros de passeio têm de atingir a eficiência mínima de 15,5 quilômetros por litro - um padrão superior ao dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália. Em junho deste ano, o governo também anunciou que vai eliminar parte da frota oficial de veículos que rodam com gasolina ou diesel e trocá-los por carros movidos a gás, biocombustível ou motores elétricos. A propósito, um dos objetivos da China é liderar a corrida tecnológica para desenvolver o carro do futuro. Nessa seara, um dos expoentes é a BYD, empresa chinesa que se tornou uma das maiores fabricantes de baterias para celular do mundo e desenvolveu um modelo de carro elétrico de baixo custo. Em 2008, quem adquiriu uma participação na BYD foi a Berkshire Hathaway, a empresa de investimento de Warren Buffett.</p> <p class="pagina">Um dos requisitos para uma ação tão determinada é, naturalmente, ter dinheiro. Mas ser uma ditadura também ajuda. Uma vez que o governo decide tirar algo do papel, não há nenhum espaço ou tempo para discussão. A ordem é fazer. Os Estados Unidos, por exemplo, estão há meses discutindo o uso de uma nova tecnologia para suas termelétricas (uma das alternativas é transformar o carvão em gás antes de queimá-lo, para reduzir as emissões). O impasse político ainda não foi resolvido. Enquanto isso, nos últimos dois anos, sem nenhuma delonga, a China está literalmente botando abaixo as termelétricas consideradas obsoletas. Até junho deste ano, 7 467 haviam sido demolidas. "Nunca faria apologia a um sistema autoritário como o chinês", afirma Ricardo Young, presidente do Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. "Mas o fato é que os países democráticos precisam encontrar maneiras de acelerar o ritmo da adaptação à economia de baixo carbono. Do contrário, vão ficar para trás."<br> <br> Mundo afora, começam a pipocar sinais de que isso já pode estar acontecendo. E a reação de alguns países a esse movimento não tem sido festiva. Em meados de novembro, por exemplo, a empresa de investimento americana US Renewable Energy Group e a fabricante chinesa de turbinas eólicas A-Power Energy Generation Systems tiveram de anunciar uma mudança nos planos de negócio. Elas receberiam dinheiro do governo dos Estados Unidos para construir um parque eólico orçado em 1,5 bilhão de dólares no estado americano do Texas. Tudo ia bem até que um senador republicano descobriu que as 240 turbinas usadas no projeto seriam importadas da China. Os executivos das empresas envolvidas argumentaram que boa parte dos componentes usados nos equipamentos seria de origem americana, mas não funcionou. A saída foi anunciar a construção de uma fábrica de turbinas nos Estados Unidos. Dessa vez, o protecionismo do país prevaleceu. Daqui para a frente, porém, o mundo terá de encontrar maneiras de lidar com o desejo da China de se tornar verde - e esse é o lado bom -, mas também com a sua vontade de ganhar muito dinheiro com isso. "O país é hoje a máquina mais eficiente de exportação do mundo", afirma Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília e especialista na questão do clima. "E vai brigar para manter esse status também na economia de baixo carbono."</p>       <hr>  <p class="pagina"><strong>Combate às emissões</strong> <br>   <br> Algumas das medidas adotadas pelo governo chinês para adaptar o país à economia de baixo carbono</p> <p class="pagina">-&gt; A China é hoje quem mais instala turbinas eólicas no mundo. Tem 10% da capacidade mundial, atrás apenas de Estados Unidos, Alemanha e Espanha<br> <br>  -&gt;Para incentivar o uso da energia solar a China já é o maior fabricante mundial de painéis fotovoltaicos -, o governo vai subsidiar até 70% do custo da instalação dessa tecnologia em todo o país<br> <br>  -&gt;Desde 2008 as termelétricas construídas usam tecnologia de ponta e estão entre as mais limpas do mundo. Milhares de pequenas termelétricas obsoletas estão sendo demolidas<br> <br>  -&gt;Para incentivar o uso de eletrodomésticos que consomem menos energia, o governo está concedendo subsídios. O programa deve gerar até 75 bilhões de dólares em vendas<br> <br>  -&gt;O governo aumentou as taxas sobre veículos com motores beberrões e criou incentivos para impulsionar a venda de carros que emitem menos: elétricos, movidos a gás ou de motor 1.0<br> <br> <em>Fontes: WRI e AccountAbility</em></p>        
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