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Caça ao carneiro: diversão para ricos

John Branch © 2017 New York Times News Service Reserva Natural de Rocky Boy’s, Montana – Para o rebanho de carneiros selvagens, os penhascos rochosos eram um lugar seguro, com 360 graus de vista, além de inúmeros cantos onde podiam se esconder em meio à rocha cinzenta. O chão ficava coberto de estrume, dando ao […]

CAÇA AO CARNEIRO: Vance Corrigan com seus troféus de caça; preço para abater animal pode chegar em até 300.00 dólares / Leah Nash/ The New York Times

CAÇA AO CARNEIRO: Vance Corrigan com seus troféus de caça; preço para abater animal pode chegar em até 300.00 dólares / Leah Nash/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 25 de março de 2017 às 07h35.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

John Branch © 2017 New York Times News Service

Reserva Natural de Rocky Boy’s, Montana – Para o rebanho de carneiros selvagens, os penhascos rochosos eram um lugar seguro, com 360 graus de vista, além de inúmeros cantos onde podiam se esconder em meio à rocha cinzenta. O chão ficava coberto de estrume, dando ao ar um odor de celeiro. Centenas de metros abaixo, a paisagem dava lugar a um tabuleiro de xadrez de sítios e plantações que se estendia até o horizonte. O único risco era o dos carneirinhos recém-nascidos, que podiam ser levados pelas águias.

Agachado em meio às rochas no começo do ano passado, Brendan Burns, um caçador de 38 anos, famoso por ser um dos melhores guias de caça de carneiros selvagens, observava com cuidado para não ser visto pelo rebanho. Os carneiros selvagens têm sentidos aguçados, e quando se assustam, fogem em bando, como pássaros. Contudo, eles não estavam em casa. Em meio ao panorama abaixo, Burns avistou uma constelação de pontinhos no campo. O chifres estragavam o disfarce.

“Não há muitos círculos que ocorrem na natureza. Quando vê alguma coisa curva – e meio brilhante, porque os chifres brilham um pouco – você aprende a encontrá-los. Só é preciso treinar o olhar”, sussurrou Burns.

Ele tirou um telescópio Swarovski de longo alcance da bolsa e observou o campo. Há oito anos, não havia carneiros selvagens na região. Mas 21 fêmeas e cinco machos jovens foram trazidos para a Reserva Rocky Boy’s, da tribo Chippewa Cree, que é parte da cadeia de montanhas Bears Paw.

O rebanho cresceu rapidamente, chegando a 100 animais. 40 deles foram levados para Dakota do Sul. O rebanho cresceu novamente, chegando a 100 animais, outros 40 provavelmente serão levados este ano, como parte da tentativa de aumentar a população de carneiros selvagens que praticamente desapareceu do Oeste americano.

“É óbvio que não há coiotes nas redondezas, do contrário eles não estariam tão tranquilos lá em baixo. Hoje é um bom dia para ser um carneiro”, sussurrou Burns.

Um homem de Michigan havia pagado 100.000 dólares pela única chance do ano de caçar um carneiro do rebanho da Reserva Rocky Boy’s. Burns o levou para lá em outubro, quando os homens passaram dias caminhando pelo terreno rochoso e íngreme até conseguirem a posição ideal para atirar. O macho tinha 10 anos, uma cicatriz na testa, um olho ruim e já havia perdido vários dentes.

Seus chifres enormes e os 35 quilos de carne foram levados de volta para Michigan. Em troca, a tribo Chippewa Cree da reserva de Rocky Boy recebeu o dinheiro, que foi usado para pagar os salários de dois guardas florestais tribais que cuidam dos animais da reserva.

Esse é um dos paradoxos da caça, raramente tão óbvios quanto no caso dos carneiros selvagens: os caçadores geralmente são os maiores responsáveis pela preservação. Em 2013, uma permissão de caça em Montana foi vendida por 480.000 dólares, o recorde até o momento. Burns também acompanhou aquela caça, durante 18 dias no alto do Rio Missouri. O resultado foi um macho grande, e centenas de milhares de dólares que entraram para o orçamento da divisão de Parques, Peixes e Vida Selvagem do estado de Montana.

“Não há dúvidas quanto à caça ao carneiro ser um esporte de pessoas ricas, mas se não fosse por elas, os carneiros nem estariam aqui”, afirmou Vance Corrigan, de 84 anos, que vive às margens do Rio Yellowstone, em Livingston, Montana e é um dos caçadores mais famosos do mundo.

Quem não tem o hábito de caçar geralmente presume que os animais mais disputados da América do Norte são grandes e ferozes – algum tipo de urso, ou talvez um alce, uma rena ou onça-parda. Mas para os caçadores sérios, o maior troféu é um carneiro selvagem.

A população d carneiro-montês caiu para dezenas de milhares de animais a partir dos anos 1950 (Leah Nash/The New York Times)
A população de carneiro-montês caiu para dezenas de milhares de animais a partir dos anos 1950 (Leah Nash/The New York Times)

Isso se dá por duas razões. Em primeiro lugar, as oportunidades de caçá-los são raras e frequentemente caríssimas. Depois, eles são animais extremamente difíceis de caçar, muitas vezes exigindo semanas de espera em algumas das regiões mais inóspitas do planeta.

“Durante 100 anos, esse foi um dos pontos altos da caça esportiva, especialmente nos Estados Unidos. Contudo, não havia muita gente nem muitos carneiros nas montanhas. Agora virou uma festa chique. Algumas pessoas ricas começaram a caçar e isso pressionou o mercado”, afirmou Bob Anderson, caçador e autor de livros sobre a caça de carneiros selvagens.

Na convenção da Fundação do Carneiro Selvagem, realizada todo ano em janeiro, permissões de caça únicas emitidas por diversos estados, províncias e reservas indígenas são leiloadas. A maioria é vendida por mais de 100.000 dólares.

“As pessoas que pagam 300.000 dólares pela chance de caçar um animal, pagaram pela recuperação de 30 carneiros em lugares de onde eles desapareceram há mais de 100 anos. Lewis e Clark viam carneiros em todas as encostas. As pessoas que compram a autorização de caça colocam os carneiros de volta nos lugares onde estavam antes de chegarmos”, afirmou Corrigan.

Em todo o planeta, existem dezenas de espécies e subespécies de carneiros selvagens, muitos na Ásia Central. A Fundação do Carneiro Selvagem, com sede em Bozeman, Montana, considera que há quatro tipos principais de carneiros selvagens na América do Norte: o das Montanhas Rochosas, o carneiro-do-deserto (no sudoeste americano e no México); o carneiro-de-Dall (Alasca, Columbia Britânica e Yukon); o carneiro-montês (Columbia Britânica e Yukon).

Algumas pessoas estimam que havia milhões de carneiros selvagens na América do Norte há 200 anos. Mas nos anos 1950, afastados pelas pessoas, pelo gado, dizimados por doenças (especialmente trazidas por carneiros domésticos), a população caiu para dezenas de milhares de animais.

As iniciativas de preservação salvaram os carneiros e expandiram novamente seu território, transplantando rebanhos e limitando drasticamente as oportunidades de caça. Estima-se que existam atualmente 200.000 carneiros selvagens na América do Norte.

O privilégio de “colher” um deles (um eufemismo para caçar) continua limitado a pouquíssimas pessoas. A empreitada exige dinheiro ou muita sorte.

O serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA estima que existam mais de 10 milhões de caçadores registrados nos Estados Unidos. Contudo, apenas 2.500 carneiros selvagens são caçados por ano em toda a América do Norte, um número irrisório, se comparado a praticamente qualquer outro animal.

“Eles são como uma Ferrari de colecionador. Apenas 200 são feitas, e você precisa de sorte para conseguir uma”, afirmou Lance Kronberger, dono da Freelance Outdoor Adventures, no Alasca, além de guia de todo tipo de caça.

Geralmente, há duas formas de caçar carneiros selvagens. Uma é uma espécie de loteria da caça – você paga alguns dólares para concorrer a um número limitado de licenças que são restritas a determinados territórios e sorteadas. Em Montana, 19.439 pessoas se registraram no estado em 2015; as licenças foram concedidas a 111, uma chance de 1 em 200.

A segunda forma de garantir uma licença é gastando muito dinheiro. Embora os habitantes do Alasca e do Canadá geralmente possam caçar carneiros dentro de seus estados, pessoas de fora precisam contratar um guia registrado. A lei de oferta e procura elevou o preço de um carneiro-de-Dall para cerca de 25.000 dólares e do carneiro-montês para 50.000 dólares. No México, a caça acompanhada de guias ou donos de terra pode chegar a 100.000 dólares.

Algumas pessoas muito ricas vão além, fazendo lances para obter permissões exclusivas que são leiloadas anualmente para arrecadar dinheiro para os estados, províncias e reservas indígenas, vendo seus gastos como doações de caridade, que permitem abates fiscais e uma chance de capturar um dos maiores troféus da caça esportiva.

“Algumas pessoas ricas gostam de iates e entradas para a primeira fila de jogos dos Lakers. Outras gostam e caçar carneiros”, afirmou Burns.

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