África sofre prejuízos em contratos com multinacionais
Segundo estudo, a quantidade de dinheiro que a África perde anualmente com concessões injustas representa mais do dobro da ajuda que recebe de doadores
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
Johanesburgo - A África perde a cada ano em favor de empresas estrangeiras US$ 38 bilhões em contratos injustos para a exploração de recursos naturais, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pelo ex-secretário geral da ONU Kofi Annan.
"É inconcebível que algumas empresas, frequentemente apoiadas por dirigentes desonestos, estejam utilizando a evasão fiscal imoral, a transferência de preços e a propriedade anônima das empresas para maximizar seu lucro, enquanto milhões de africanos vivem sem alimentação, saúde e educação adequadas", disse Annan.
O diplomata ganês resumiu assim o relatório do Painel para o Progresso da África (APP, na sigla em inglês), do qual é presidente, que foi apresentado hoje no último dia do Fórum Econômico Mundial sobre a África na Cidade do Cabo (África do Sul).
Segundo este estudo anual sobre o estado do continente, a quantidade de dinheiro que a África perde anualmente com concessões injustas representa mais do dobro da ajuda que recebe de doadores.
O relatório cita como exemplo mais sangrento o caso da República Democrática do Congo (RDC), que, segundo os cálculos do APP, deixou de arrecadar US$ 1,36 bilhão em cinco concessões "opacas e secretas" de explorações de mineração entre 2010 e 2012.
Os direitos de exploração dos recursos da RDC foram vendidos por um sexto de seu valor final no mercado.
Na apresentação do documento, Annan pediu aos países africanos a obrigar com leis qs empresas mineradoras estrangeiras a serem mais honestas em seus negócios no continente, informou a agência de notícias sul-africana "Sapa".
O APP denuncia também a falta de transparência nas empresas públicas que administram os recursos naturais e as práticas de sonegação fiscal como dois dos principais problemas dos países africanos.
Nesse sentido, o relatório define a empresa petrolífera estatal da Guiné Equatorial, GEPetrol, como "uma das companhias energéticas mais opacas".
O APP lembra que Espanha, França e Estados Unidos apresentaram queixas à Comissão Africana dos Direitos Humanos pelo mal uso que a GEPetrol faz dos lucros petrolíferos e as transferências de parte deste dinheiro a contas estrangeiras.
A ex-colônia espanhola é o terceiro país menos transparente do mundo, à frente apenas de Catar e Mianmar.
Por isso, o Painel exorta os países africanos a "melhorar" sua "governança" e a incluir as "indústrias de extração" em uma "estratégia econômica e de desenvolvimento mais ampla" que repercuta no bem-estar de seus cidadãos.
Segundo seus cálculos, a cada ano saem da África "fluxos financeiros ilícitos" - dinheiro obtido de forma ilegal ou quantias não registradas no fisco - no valor de US$ 25 bilhões.
"O impacto para os governos do G8 (grupo de países ricos e a Rússia) é uma perda de receita, mas na África isso tem um impacto direto na vida das mães e das crianças", declarou Annan sobre a sonegação fiscal.
O relatório pede à cúpula que o G8 realizará em junho que impulsione o "desenvolvimento de um sistema global baseado nas regras da transparência e os impostos".
"Cada jurisdição fiscal deveria ser obrigada a revelar publicamente a estrutura de titularidade plena das empresas registradas", pede o APP, que menciona explicitamente Suíça, Reino Unido e Estados Unidos como "principais canais para serviços financeiros extraterritoriais".
Por sua vez, a esposa do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, Graça Machel, integrante do APP e presidente da Fundação para o Desenvolvimento Comunitário de Moçambique, declarou que "este relatório representa uma contribuição essencial para o debate sobre a riqueza da África em recursos naturais".
Para Machel, o cumprimento das recomendações do texto fará com que "mais crianças frequentem a escola, menos mães morrerão ao dar à luz seus filhos e mais crianças viverão além da infância".
O APP, cujo secretariado foi criado em 2008 e tem sede em Genebra, é formado por dez personalidades do setor público e privado, entre as quais Kofi Annan, Graça Machel, o cantor Bob Geldof e o ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo.
Segundo o Painel, seu objetivo é fomentar a "responsabilidade compartilhada entre os líderes africanos e seus parceiros internacionais para promover o desenvolvimento equitativo e sustentável da África".