Mercado ainda vai piorar antes de melhorar, diz analista de FIIs do Santander
Segundo o especialista, o ciclo de alta de juros penaliza o Ifix. Entretanto, há quem perca e quem ganhe: os FIIs de papel se beneficiam da Selic alta. Veja a entrevista completa
Repórter de finanças
Publicado em 20 de outubro de 2024 às 15h11.
Última atualização em 21 de outubro de 2024 às 14h40.
O ano que prometia ser extremamente favorável para osfundos imobiliários (FIIs) viu o cenário mudar com as pressões inflacionárias e o risco fiscal que preocupam o mercado. A inversão do ciclo da política monetária, que agora está em contração,penaliza o Ifix (índice de fundos imobiliários), que cai quase 5% em menos de dois meses– e promete piorar até o final do ano, segundo Flávio Pires, analista de FIIs do Santander.
Historicamente, os fundos imobiliários têm uma relação inversamente proporcional à Selic. Com o aumento dos juros em setembro e as projeções apontando para novas altas até o final do ano, a classe de ativos é prejudicada. “É aguardado que o mercado sofra um pouco mais”, diz Pires. Ele acredita que o cenário deve melhorar apenas no segundo trimestre de 2025.
Mas dentro desse investimento, há quem perca e quem ganhe. Segundo o especialista, os fundos de tijolo, que já pagam dividendos menores, por terem menos risco, agora veem suas cotas desvalorizarem. Por outro lado,os fundos de papel conseguem se beneficiar do movimento da alta de juros.Para quem deseja investir em FIIs, o especialista enfatiza a oportunidade: “Espere o limite que os fundos vão chegar, cujas estimativas são para o fim de novembro, para entrar.”
Apesar do ano não tão positivo, o mercado de FIIs seguem atraindo investidores, principalmente com a taxação de fundos exclusivos que fez os recursos migrarem. “O investidor quer ativos com isenção tributária, e boa parte são os CRIs que estão nos FIIs”, comenta. Do começo do ano até 10 de outubro, os FIIs captaram R$ 27,7 bilhões. Em 2023, até o dia 31 de outubro, esse número era de R$ 17 bilhões.
Confira a entrevista completa com Flávio Pires:
Nós começamos 2024 de um jeito e vamos terminar de outro. No ano, o Ifix desvaloriza menos que o Ibovespa, em -2.34%. Mas, só no último mês, ele caiu quase 5%, coincidindo com o aumento de juros. Como vocês estão visualizando o cenário daqui para frente?
Flávio Pires: O mercado começou o ano com uma ideia de que o juros deveriam cair com mais força e chegar a um dígito. Esse movimento, para os FIIs, geraria dois pontos interessantes. O primeiro é o ganho de capital, principalmente nos fundos mais descontados, e o segundo seriam mais follow-ons, até vindo IPOs.
Esse pensamento foi até o meio de março, quando a conversa começou a mudar com a inflação e a questão macro piorando. Depois, veio a subida dos juros, e o mercado de FIIs sempre sofre com a Selic alta, porque tem uma saída de pessoas física deixando a renda variável e indo para a renda fixa – foi o que aconteceu.
Mas o ponto que mais pesou agora, foi que o mercado não sabe até que ponto os juros devem chegar, o que gera para os FIIs uma volatilidade e perda de valor. Esse é o cenário atual.
Do meio de outubro até o final de novembro, os fundos seguirão penalizados. Não como foi no último mês, porque foi mais desafiador, mas vão sofrer. No mês de dezembro, a previsão é que eles comecem a se estabilizar – até lembrando que os FIIs sempre têm um rali no final do ano, por conta daquela pessoa física que pegou o 13º e colocou em FIIs.
Depois de dezembro, os fundos ainda devem voltar a sofrer, para que a partir do segundo, começo do terceiro trimestre do próximo ano, as cotas se estabilizem e comecem a ter algum tipo de retorno. Ou seja, nos próximos cinco meses o mercado vai sofrer um pouco mais, para começarem a mudar e terem um ganho em relação às perdas.
Em resumo, o ano de 2025 vai ser o inverso do que foi em 2024. Este ano começou bem e agora está ruim. Em 2025, nós estimamos que ele comece neutro para começar a ir bem no segundo semestre. Vamos ver o seguinte ciclo de mercado acontecendo: bom para ruim, ruim para neutro, neutro para bom.
Com esse ajuste nas cotas para baixo, quando o investidor deve entrar em FIIs?
Agora ainda não. É aguardado que o mercado sofra um pouco mais. O que falamos com nossos clientes é “ espere o fim da sangria ”, isto é, espere o limite que os FIIs vão chegar, cujas estimativas são para o fim de novembro, início de dezembro, para poder entrar e pegar o rali do final do ano, além da estabilidade no começo de 2025. Depois, no segundo trimestre em diante os ganhos virão.
Em relação às classes de FIIs, quem mais sofre e quem mais ganha?
Os FIIs de tijolo tem uma forte relação com o macro no país, se a economia cresce tem empresas e pessoas consumindo mais e elas demandam mais espaços físicos. Ou seja, os FIIs de tijolo são beneficiados nesse contexto de juros mais baixos.
Mas com um macro mais desafiador, as empresas estão mais resistentes em investimentos, há uma cautela de como será a economia nos próximos anos, e os tijolos não têm demanda relevante de áreas. Ou seja, sofrem. A questão do tijolo é a rentabilidade, por ter um risco mais baixo, ele paga um yield menor do que o de papel. Entre comprar renda fixa ou FII de tijolo, a pessoa vai para a renda fixa.
Já os FIIs de papel, ele é beneficiado com juros alto ou baixo, porque no final ele consegue entregar um yield interessante que compete com a renda fixa. No conceito, os FIIs de papel são ativos de renda fixa dentro de ativos de renda variável: boa parte são fundos de CRIs, que têm uma renda fixa desses papéis, mas são negociados em bolsa. Tem fundos de papel que são indexados ao CDI, então são beneficiados com a Selic alta.
Estamos vendo um movimento de spreads muito baixos em renda fixa, incluindo os CRIs. O que está acontecendo? Esse cenário pode melhorar?
Alguns ativos passaram a contar com tributação, como os fundos exclusivos. Essa questão levou o investidor a buscar ativos com isenção, e boa parte são os CRIs que estão nos FIIs. O investidor prefere ter uma renda menor, por exemplo, comparado com a NTN-B, mas que tem a isenção. Teve uma mudança grande no cenário e os recursos da pessoa física vieram para esse tipo de crédito.
Mas com o tempo isso deve melhorar. Porque, no final, a pessoa física vai pensar ‘por que vou ter um CRI que paga IPCA + 4%, se eu posso colocar na renda fixa que paga IPCA + 6,7%?’. Ele vai parar para fazer a conta. Foi um certo desespero de alocar rápido o recurso que tem em caixa. Os fundos de crédito já começaram a ter uma alocação menor de pessoas físicas entrando, então deverá ter uma briga menor pelos spreads nos próximos meses.
Essa alta demanda pode ser percebida nos números de captação. Em 2023, até 31 de outubro, foram captados R$ 17 bilhões. No mesmo período de 2024, esse número já está em R$ 27,7 bilhões. O apetite deve continuar?
O mercado de FIIs, mesmo em um cenário desafiador, segue crescendo. Em captação de recursos, nossas estimativas é que captem entre R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões em 2024. Como você falou, já chegamos a quase R$ 28 bilhões, os números são factíveis e temos mais três meses pela frente.
Outro ponto é que o mercado está recebendo mensalmente novos investidores, mesmo com a questão macro. Agora imagina em um mercado favorável, por que não ultrapassar o mercado de ações em termos de cotistas? É factível.
Para 2025, esse cenário de follow-on deve continuar, porque você tem fundos com uma ânsia grande de captação, além de uma demanda que deverá ser suprida. Só nos últimos 12 meses, o mercado de FIIs recebeu 500 mil investidores.
Quando eu falo de captação de novos recursos, de fazer follow-on, que foi o que mais aconteceu nesse ano, há três fatores que pesam.
Primeiro, os fundos grandes, que têm patrimônios acima de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, conseguiram fazer melhor o follow-on, tendo por trás casas de distribuição muito fortes, que chegam mais facilmente até a pessoa física. Hoje o mercado tem um pouco mais de 2,8 milhões de investidores PFs, com ajusta dessa ponte.
O segundo ponto é que os grandes fundos conseguem segurar a cota no mercado, porque os investidores conhecem esses fundos há muito anos e não vendem, são muito fiéis, então mesmo em um cenário difícil, as cotas se mantêm estáveis ao longo do tempo.
O mercado também pouco fala sobre isso, mas alguns fundos como o BTLG11 e o XPML11, que fizeram oferta recentemente, tiveram o ingresso de investidores estrangeiros que entraram com ETFs. O XP Malls, na última oferta, captou R$ 1,8 bilhão em abril deste ano, sendo que, aproximadamente, R$ 500 milhões vieram de um ETF. É algo que ninguém comenta, mas há esse player relevante.
Vocês recomendam algum FII?
Nós temos sempre as preferências do mês. Para esse, são fundos que conseguiram entregar rendas passivas sem surpresas e que tem portfólios robustos de ativos. Nesse caso, são os fundos de papel, com os CRIs, e fundos que têm locações com contratos de longos prazos com empresas, no caso de tijolos.
Entre os nomes, o KNCR11 é um dos preferidos. Com uma carteira de ativos diversificada em 69 CRIs, os papéis têm boas estruturas de garantias, contando com alienação fiduciária e/ou cessão de recebíveis. 100% dos ativos são indexados ao CDI+. O fundo também possui parte relevante das alocações em segmentos e devedores mais robustos. Destaque para o financiamento de players imobiliários como Brookfield, JHSF, BTG Pactual e MRV. Estimamos um yield atrativo acima de 11% para os próximos 12 meses.
Já o GARE11 tem um portfólio diversificado em 25 imóveis, localizados em diferentes estados e locados para grandes empresas como Grupo Mateus e Pão de Açúcar. 100% dos contratos são atípicos, com vencimento a partir de 2027. O prazo médio de locação é de 15 anos. O fundo tem uma gestão ativa de portfólio, com compras e vendas que contribuem para a geração de valor. O yield estimado é de aproximadamente 11,8% para os próximos 12 meses.
O último, o KNHF11, é o maior dono do edifício São Luiz, que o fundo da Tellus vendeu para ele. Ele tem dois empreendimentos na região da Faria Lima com 0% de vacância. É um fundo que tem condições de pagar um yield estável, com ganho de capital, porque negocia com desconto.
Esse FII também tem um portfólio diversificado em diferentes teses de investimento (CRIs, tijolo FIIs e ações). Cerca de 60% do patrimônio líquido está alocado em CRIs, financiando bons projetos/empresas, com taxa média de CDI + 4,4% e IPCA + 10,4%. O yield estimado é de aproximadamente 11,4% nos próximos 12 meses. O caixa disponível dele é de aproximadamente R$ 164 milhões, que poderá ser investido em novas teses com retornos atrativos.