Invest

O que a tragédia monetária na Turquia ensina ao mundo

O presidente turco, Tayyip Erdogan, defende receita econômica em que inflação se combate cortando as taxas de juros, e não elevando

Turquia enfrenta o desafio de controlar a inflação | Foto: Wolfgang Rattay/Reuters (Wolfgang Rattay/Reuters)

Turquia enfrenta o desafio de controlar a inflação | Foto: Wolfgang Rattay/Reuters (Wolfgang Rattay/Reuters)

A política monetária desastrosa do governo da Turquia está se tornando um trágico experimento natural. Frente a uma inflação em forte alta, em vez de aumentar as taxas básicas de juros, Ancara está reduzindo. O exato oposto de uma política monetária sólida.

Resultado natural: queda sem fim da lira turca, que, desde o começo do ano, perdeu cerca de 50% de seu valor frente ao dólar. 

Na última segunda-feira, dia 20, a Turquia chegou a suspender as transações nos mercados financeiros por causa da queda da lira.

Uma derrocada do câmbio que se acelerou desde setembro, quando o banco central turco iniciou uma nova fase de cortes nas taxas básicas de juros, atualmente em 15% ao ano, contra uma inflação de 20%.

Segunda consequência natural: fuga de capitais da Turquia, ulterior aumento da inflação, compressão de salários reais e ainda mais queda do câmbio da lira.

O que mais surpreende é que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, prometeu cortar os juros "até o fim". 

Erdogan sempre apelou para uma teoria econômica alternativa. Segundo ele, a redução da inflação com aperto monetário não teria fundamento, "exceto em economias fechadas".

Ou seja, aparentemente na Turquia os manuais de macroeconomia não têm o mesmo valor do que no resto do mundo. 

Erdogan realmente acredita nessa receita econômica no mínimo curiosa, em que a inflação se combate cortando, e não elevando, as taxas de juros. Para adotá-la, o presidente turco demitiu três banqueiros centrais, destruindo qualquer aparência de independência da autoridade monetária nacional.

Em um de seus últimos discursos, Erdogan declarou que "a força competitiva do câmbio leva a um aumento dos investimentos, da produção e do emprego".

O atual governador do Banco Central turco, Sahap Kavcioglu, mais alinhado com o presidente, declarou: "quando atingirmos o superávit das exportações, alcançaremos a estabilidade financeira e de preços". 

Erdogan já chegou a acusar outros países de "manipular" a lira turca em uma "guerra econômica". 

"Assim que tirarmos nosso país de tantas armadilhas e infortúnios, com a ajuda de Alá e o apoio da nossa gente, sairemos vitoriosos dessa guerra econômica de independência”, declarou o presidente turco recentemente. 

O governo de Ancara pode até invocar a ajuda de Alá, mas não pode ignorar o peso de 167 bilhões de dólares de dívida externa de curto prazo. E a queda do câmbio piora as coisas, já que deixa a dívida externa, em dólar, muito mais cara. 

Em apenas um ponto Erdogan pode ter razão: as políticas anti-inflacionárias geram inflação. Mas isso somente quando os governos gastam sem parar. 

Aí não tem jeito: se a política fiscal é descontrolada, não tem política monetária que segure o tranco. 

Mas manter artificialmente baixas as taxas de juros, como está fazendo o governo turco, simplesmente deteriora ainda mais a situação.

Existe uma hipótese macroeconômica, com pouquíssima confirmação empírica -- além do trabalho de alguns economistas de nacionalidade turca (!) --, que defende uma política monetária igual à desejada por Erdogan. Essa é a teoria que leva o nome de Irving Fisher, economista americano falecido em 1947. 

Partindo de sua equação, em que as taxas de juros nominais são aproximadamente iguais às taxas reais mais inflação, se admitirmos que as taxas reais são definidas na base da economia real e permanecem inalteradas, é possível avançar a hipótese de que a redução das taxas pode reduzir a inflação. 

Mas essa é apenas uma teoria. A única contrária às políticas monetárias convencionais, que indicam claramente como o aperto aumenta as taxas reais e reduz a inflação.

Essa hipótese é um mero jogo entre símbolos algébricos e requer que os mecanismos econômicos subjacentes se tornem explícitos. 

De fato, o presidente turco está exigindo a aplicação de uma hipótese não testada para criar uma política monetária alternativa que comprima ainda mais os salários reais

Para Erdogan, que luta com uma economia em grave desequilíbrio, a hipótese apareceu como uma saída para um impasse político que poderia decretar o fim de seu poder. Só que agora toda a Turquia é uma experiência empírica, que quase certamente terá um desfecho trágico.

*Carlo Cauti é Editor Multimídia da EXAME Invest. Jornalista e analista geopolítico italiano com mais de 15 anos de experiência, formado na LUISS G. Carli de Roma em Ciências Política, é mestre em Relações Internacionais, em Comércio Internacional e em Jornalismo Internacional e de Guerra, além de ter obtido um MBA na FIA - B3 no Brasil. Já foi correspondente no Brasil pelas agências NOVA e ANSA e editor-chefe do portal SUNO Notícias.

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralPolítica monetáriaTayyip ErdoganTurquia

Mais de Invest

Reação ao Copom, saúde de Lula, reunião do BCE, vendas do varejo e PPI: o que move o mercado

Qual a expectativa para o corte de juros nos EUA?

Bolsas sobem na Ásia com expectativa de corte de juros pelo Fed

Preso por matar CEO, Luigi Mangione é membro de 'realeza de Baltimore', dona de império imobiliário