Uma mãe pode doar sua casa a um filho sem dar nada ao outro?
Advogado responde se um filho tem o direito de reclamar na Justiça caso seus pais doem um imóvel ao irmão, sem deixar nada para ele
Da Redação
Publicado em 27 de maio de 2016 às 05h00.
Dúvida do internauta: Minha mãe é viúva e mora com uma filha solteira. Ela passou su acasa em cartório para essa filha, mas ela tem mais filhos, todos homens. Ela pode passar a casa só para a minha irmã?
Resposta de Rodrigo Barcellos*:
A resposta à sua pergunta depende da análise do negócio jurídico que sua mãe celebrou com a sua irmã e do patrimônio dela como um todo. Ao mencionar a expressão “passou a casa em cartório”, fiquei na dúvida se a sua mãe vendeu ou doou a casa.
Na primeira hipótese, para que o contrato de compra e venda seja perfeito (válido), é necessário o consentimento dos demais irmãos (artigo 496 do Código Civil). A venda do ascendente a um descendente, sem que exista o consentimento dos outros constitui ato anulável, razão pela qual você e seus irmãos poderão, judicialmente, pleitear esta declaração, de forma que o patrimônio retorne ao nome de sua mãe.
Se for doação, a resposta à pergunta é positiva. Sua mãe pode, sim, passar a casa para um dos filhos. Contudo, deverão ser observados alguns requisitos.
À luz dos artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil, os herdeiros necessários (que são os ascendentes, descendentes e cônjuge) têm direito à metade dos bens da herança , parcela do patrimônio que constitui a chamada “legítima”. A outra metade, o detentor do patrimônio pode dispor livremente, seja para herdeiros necessários ou não, seja em vida (doação) ou por ato de última vontade (testamento). Chama-se de “parte disponível” do patrimônio.
Assim, caso sua mãe tenha outros bens que correspondam a pelo menos 50% do seu patrimônio e tenha constado na escritura pública que o imóvel passado à sua irmã está sendo doado dentro da parte disponível do patrimônio, o ato está resolvido e não poderá ser anulado.
É importante lembrar apenas, que é nula a doação de todos os bens sem que seja reservado patrimônio ou renda suficiente para a subsistência do doador (artigo 548 do Código Civil). Também poderá ser anulada a parte que exceder a parte “disponível”, avançando na legítima dos herdeiros necessários. Nesse caso, haverá a redução do excesso até o limite da parte que o doador poderia dispor (artigo 549 do Código Civil).
Se nada for dito sobre isso, a doação é considerada um “adiantamento da legítima” (artigo 544 do Código Civil), isto é, adiantamento da parte que caberá à sua irmã por herança, quando do falecimento da mãe de vocês, o que também não torna inválido o ato praticado.
Contudo, nesse caso, você e seus irmãos poderão pedir, no momento da abertura do inventário, que este imóvel seja arrolado por sua irmã (instituto da colação), de forma a conferir este imóvel na parte dela na herança.
A chamada “colação” nada mais é que uma obrigação imposta pela lei como consequência do adiantamento da herança e que tem o objetivo de igualar os quinhões (legítima) dos demais herdeiros necessários. Em outras palavras, é o controle da liberalidade após a morte do doador (artigos 2.002 e 2.003 do Código Civil).
Assim, em um momento futuro, você e seus irmãos poderão exigir que esse imóvel seja trazido ao inventário e pedir que sejam equilibrados os quinhões de cada um dos herdeiros necessários.
*Rodrigo Barcellos é graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e mestre em direito comercial, pela Universidade de São Paulo (USP). É autor do livro "O Contrato de Shopping Center e os Contratos Atípicos Interempresariais", publicado pela editora Atlas. Sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, atua nas áreas de Família, Sucessão, Contratos e Contencioso.
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