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A saída das empresas para fazer caixa sem pedir dinheiro aos bancos

Fundos de direito creditório devem bater recorde de lançamentos em 2008

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

A fabricante de cosméticos O Boticário possui a maior rede de franquias do país, com 2.667 lojas, segundo a Associação Brasileira de Franchising. O faturamento médio de cada estabelecimento é de 70.000 reais por mês, o que significa que essa estrutura movimenta cerca de 2,240 bilhões de reais por ano. Como, para girar o negócio, os franqueados precisam reabastecer seus estoques comprando os produtos d'O Boticário, é possível ter uma dimensão de quanto as franquias geram de faturamento para a empresa - uma receita relativamente segura e constante. Em um ambiente de crédito raro e escasso, por que não trocar essa receita futura por dinheiro vivo para tocar investimentos ou girar o capital da companhia? É justamente isto que O Boticário vai fazer. Na segunda quinzena de janeiro, a empresa deve vender seus recebíveis a um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

A empresa vai ceder parte da receita que será gerada pela compra de produtos dos franqueados ao fundo. O patrimônio líquido do FIDC deverá ficar entre 100 milhões a 120 milhões de reais. Os investidores do fundo - aqueles que "emprestarão" o dinheiro ao Boticário - devem receber, em troca, uma remuneração entre 120% e 150% do CDI. A operação não irá para o mercado de varejo, ou seja, não será ofertada aos pequenos investidores pessoas físicas. Por lei, os FIDCs só podem ser oferecidos a investidores qualificados - aqueles capazes de aplicar pelo menos 300.000 reais. Na verdade, a estruturação do fundo já prevê quem serão os participantes: pessoas ligadas à própria companhia, que encontraram no FIDC uma forma de investir em renda fixa com um retorno razoável, financiar uma empresa que já conhecem e ter um risco mínimo de crédito, pois a aplicação estará lastreada nas próprias vendas d'O Boticário.

Com os investidores ariscos ao mercado acionário e os bancos mais restritivos para emprestar dinheiro, as empresas precisam recorrer à criatividade para levantar recursos.Os FIDCs são apontados pelos especialistas como uma alternativa, sobretudo para companhias de médio porte. "Esse tipo de empresa, apesar de já ser sólida, encontra linhas de crédito mais caras no mercado", afirma a advogada Marina Anselmo, sócia do escritório Mattos Filho & Associados, que participou da estruturação de dez FIDCs neste ano.

Custos

Isso não quer dizer que as empresas estejam captando dinheiro barato com esse mecanismo. Os recebíveis são repassados aos fundos por um valor inferior ao de face, em um processo bem parecido com o desconto de uma duplicata no banco. Com o sumiço do crédito, esses fundos estão comprando recebíveis com um desconto que oscila de 110% do CDI até 150% do CDI, conforme o porte da empresa, a qualidade da carteira de recebíveis e o prazo de vencimento do fundo. "Antes, chegamos a ver operações saírem por 104% do CDI", afirma Marcelo Xandó, sócio da gestora de ativos Verax.

Estruturar um FIDC requer o cumprimento de uma série de exigências da CVM: contratação de um administrador, de uma agência de rating para avaliar os recebíveis, de um agente custodiante, etc. Assim, além de vender seus recebíveis com uma grande taxa de desconto, a empresa também precisa contabilizar os gastos com a montagem do fundo. "Não é uma operação barata", diz Mariana, da Mattos Filho.

Mas então por que 64 operações foram realizadas neste ano, num total de 9,3 bilhões de reais, e outras 18 aguardam registro na CVM, a fim de levantar mais 2 bilhões? Os FIDCs, aliás, são candidatos a encerrar 2008 na liderança em número de operações, à frente de debêntures e emissão de notas promissórias, por exemplo.

Mais acessível

Um dos pontos que explicam a popularização dos fundos creditórios é que eles podem ser montados por empresas de capital fechado, ao contrário de instrumentos como as debêntures, acessíveis apenas a companhias abertas. Por isso mesmo, as debêntures acabam sendo mais utilizadas por grandes empresas, como as siderúrgicas. Os FIDCs também permitem que empresas com um rating menos favorável de crédito consigam levantar dinheiro em melhores condições no mercado. Isto porque o risco, para o fundo que vai comprar os recebíveis não é o da empresa que cede a carteira, mas o dos pagadores que a compõem. Isso permite que o fundo, às vezes, tenha rating melhor que o da empresa que gerou os recebíveis. E risco baixo é a melhor isca para investidores e, por tabela, capital para a companhia.

Outro motivo é que, ao contrário de outros mecanismos, o FIDC não representa uma dívida para a empresa. "A companhia está vendendo direitos de crédito, e não contratando um empréstimo", afirma Marcelo Xandó, diretor da gestora de recursos Verax. Isso é particularmente positivo para setores que precisam controlar seu nível de endividamento. Não é por acaso que os bancos de médio porte estão entre os maiores fãs da venda de seus recebíveis para os FIDCs. Como apresentam um patrimônio pequeno diante dos gigantes do setor, sua capacidade de captar recursos para empréstimo se esgota rapidamente, porque esse limite é determinado pelo patrimônio. De tempos em tempos, então, são obrigados a repassar a carteira de recebíveis para um FIDCs, a fim de limpar o balanço e retomar a capacidade de empréstimo.

Um atrativo adicional é o que os especialistas chamam de "desintermediação bancária". O principal papel dos bancos é reunir o capital dos poupadores e repassá-lo a quem precisa de dinheiro para investir ou tocar seu negócio - mediante juros e tarifas por serviços prestados. Essa intermediação representa uma parte importante das receitas dos bancos. Mas, diante das dificuldades enfrentadas pelas instituições nos últimos tempos, pular o intermediário e ir direto à fonte de recursos - os investidores - é bem visto pelas empresas. Os próprios investidores também aprovam, porque conseguem elevar o prêmio pelo dinheiro que emprestam. E, em tempos difíceis como estes, qualquer ganho é bem-vindo: seja economizando um pouco na taxa paga para levantar dinheiro; seja tendo uma remuneração um pouco maior ao emprestá-lo.

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