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Não é hora de correr muito risco na bolsa, diz ex-BC

Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Sekular Investimentos, diz que a inflação ainda demora a arrefecer e que podem surgir melhores oportunidades mais para frente

Luiz Fernando Figueiredo: ações de bancos e commodities estão com preços melhores (EXAME)
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Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2011 às 21h21.

A percepção de que países emergentes como o Brasil e a China terão de tomar medidas duras para combater a inflação desatou na Bovespa um processo de correção dos preços das ações de empresas ligadas ao mercado interno. Para os analistas, a inflação ainda está sob controle, mas, da mesma forma que atingiu 6% nos últimos 12 meses, pode saltar rapidamente para 10% e depois dobrar para 20% se o governo não tomar as medidas adequadas para contê-la. Foi isso que aconteceu, por exemplo, com a Argentina. Por outro lado, o crescimento do PIB brasileiro neste ano pode ficar abaixo de 3% caso a equipe econômica continue a tomar as medidas necessárias para frear a inflação.

Como nenhum dos dois cenários é benéfico para o mercado acionário, os investidores decidiram nas últimas semanas vender as ações que embutiam em suas cotações expectativas de crescimento condizentes apenas com economias a todo o vapor. O Ibovespa, principal índice da bolsa paulista, fechou a semana passada pouco acima dos 65.000 pontos - quase 10% abaixo das máximas atingidas neste ano. A correção foi liderada pelas ações ligadas ao mercado interno, como varejistas, bancos, construção, shoppings e saúde.

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Para entender a virada da bolsa, EXAME.com conversou com Luiz Fernando Figueiredo, que entende tanto de inflação (já foi diretor de Política Monetária do Banco Central) quanto de investimentos (é o sócio responsável pela gestão de recursos na Mauá Sekular Investimentos, que administra 800 milhões de reais). Para ele, apesar da queda recente desses setores, os preços mais interessantes da Bovespa estariam nos papéis de commodities e bancos. Como a inflação deve demorar a arrefecer, no entanto, ele prefere tomar muito pouco risco na bolsa neste momento. Somente com o Ibovespa em 62.000 pontos ou menos é que seria possível comprar ações com convicção de que o negócio será rentável. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

EXAME.com - É interessante investir na bolsa neste momento?

Figueiredo - A Bovespa já caiu bastante neste ano enquanto as bolsas americanas subiram. Já estamos chegando em um nível em que a bolsa brasileira passa a ser interessante de novo. Com 62.000 pontos, o Ibovespa estaria sendo negociado a um múltiplo equivalente a 9 vezes o lucro das empresas incluídas no índice. Isso seria um sinal de que a bolsa já começa a ficar mais para barata do que para cara. Não estou dizendo que vai chegar a 62.000 pontos, mas que me parece interessante comprar nesse nível. O lucro médio das empresas da bolsa cresceu 27% em 2010. Neste ano, vai ser 17%, o que ainda é muito bom.

EXAME.com - O que levou à recente correção na bolsa?

Figueiredo - A bolsa tem sofrido em primeiro lugar porque estamos em um ambiente de aperto monetário e de um PIB que será menos robusto que os 7,5% do ano passado. A Bovespa estava com um múltiplo muito próximo ao de empresas de países desenvolvidos e outros emergentes. Caiu porque estava mais valorizada do que deveria.


EXAME.com – Existe o risco de que 2011 seja um novo ano ruim para a Bovespa?

Figueiredo – O zero a zero da bolsa no ano passado não conta toda a história do que aconteceu. Como o Brasil e vários outros países emergentes têm crescido principalmente devido à demanda doméstica, as empresas ligadas a essas áreas ficaram muito valorizadas, enquanto o setor de commodities sofreu muito. Provavelmente o que a gente vai ver neste ano é uma reversão desse movimento. As empresas que ficaram muito caras vão perder mais, e as que estavam mais baratas vão se recuperar.

EXAME.com – Então a correção não acabou?

Figueiredo - Acho que essas ações já têm sofrido bastante, mas tem mais para corrigir ali. Quanto mais é que é difícil dizer.

EXAME.com - E o que já está com preço interessante?

Figueiredo - São alguns setores, como o de bancos. A Petrobras também está num preço mais baixo. Empresas do setor de commodities estão com múltiplos baixos apesar de as commodities em si estarem bem altas. O mercado brasileiro de ações já amadureceu bastante, mas ainda não é possível comprar o Ibovespa que está tudo certo. É necessário ser muito seletivo para escolher as empresas com história de crescimento de lucro, que não estejam muito caras e que tenham capacidade de expansão grande.

EXAME.com - Bancos e commodities são as ações que os fundos da Mauá Sekular já estão comprando?

Figueiredo – Estamos começando a tomar risco bem devagarzinho. Este início de ano foi bastante volátil. A bolsa brasileira chegou a subir 4%, depois virou e caiu 7%. A gente tem mantido uma postura muito cautelosa. Parte do dinheiro está em caixa à espera de oportunidades que sejam muito claras.

EXAME.com - Então a avaliação é que a coisa já está interessante, mas talvez fique ainda mais interessante daqui pra frente?

Figueiredo - Isso. Já estamos com essa postura desde o início do semestre passado. Nossa obrigação é tomar risco somente quando houver muita convicção, mas ainda não é esse o caso. Em meados de 2010, não tínhamos muito claro o que o BC faria para conter a inflação. Nós achávamos que era necessário um aperto, mas o BC parou de subir a Selic. A economia europeia saiu de uma situação de quase colapso para uma situação melhor, mas ainda temporária. Ao longo de setembro e outubro, houve o receio de que a economia americana voltasse à recessão. Até por isso o BC americano fez aquela expansão enorme de liquidez. Então foi um mercado muito errático. Quando falta clareza, tenho que proteger meus clientes.


EXAME.com – Essa postura de tomar pouco risco também vale para a renda fixa?

Figueiredo - A curva de juros tem um prêmio sobre a provável alta da Selic, mas não é um prêmio muito grande. O que talvez seja mais interessante é o médio e longo prazo, onde há uma taxa média de quase 13% ao ano. Mesmo que todo mundo saiba que o BC tem que atacar a inflação, essa é uma taxa de juros muito alta. Então pode ter uma oportunidade ali, embora nós não tenhamos posição expressiva em papéis desse tipo.

EXAME.com – É possível que o governo termine de tomar medidas para conter inflação lá pelo meio deste ano?

Figueiredo – Talvez. Mas medidas de política monetária exigem um tempo de resposta. A alta dos juros e as medidas macroprudenciais têm impacto primeiro na atividade econômica e só depois na inflação. O mercado de trabalho está muito apertado, em um nível que pode ser considerado de pleno emprego para a realidade brasileira. A renda real deu uma acalmada, mas tem crescido fortemente. Então tem todo um processo para acontecer.

EXAME.com - O Brasil vai resolver seu problema inflacionário antes dos demais países?

Figueiredo - É provável que o Brasil consiga convergir sua inflação mais cedo do que outros países, mas a gente ainda está longe de chegar lá. Para voltar para o centro da meta, deve demorar ao menos até o primeiro semestre de 2012.

EXAME.com – Por que a inflação voltou a assustar?

Figueiredo - A inflação é um problema que pegou o Brasil e também o mundo inteiro. Tem origem na alta das commodities. No caso dos emergentes, que crescem bastante, o problema é maior que no Primeiro Mundo. No caso brasileiro, a inflação de alimentos foi entre 8% e 9% no ano passado, mas não é só isso. O país está crescendo mais do que pode. Os países emergentes foram lenientes com a inflação com receio de que o mundo pudesse ter um segundo mergulho na recessão. A maioria dos países esperou o quanto pode para ter mais confiança de que poderia apertar a política monetária sem ter a surpresa de uma nova recessão mundial que jogaria todo o crescimento por terra. Ainda hoje só uns dois ou três países do mundo emergente têm um juro real positivo. Um deles é o Brasil, que já começou a correr atrás do prejuízo.

EXAME.com – O BC tem tomado as medidas corretas?

Figueiredo - O Brasil talvez seja um dos países menos atrasados no combate à inflação. A China começou antes a atacá-la, mas está num passo bastante gradual. Já o Brasil está reduzindo o aquecimento da economia através de três instrumentos. O aperto fiscal é um deles e vem do governo federal. Do lado do BC, há o uso da taxa de juros, que sempre foi a principal arma de política monetária. Mas também há outros instrumentos que, na minha visão, são muito saudáveis.


EXAME.com – Por que o BC parou de usar só a taxa de juros?

Figueiredo – Em primeiro lugar, isso tem sido mais comum no resto do mundo. O BC chegou à conclusão, na minha visão correta, de que a taxa de juros tem um poder importante em segurar a economia, mas que hoje tem menor eficácia do que no passado. No aperto de 2007/08, o BC subia os juros e o crédito continuava bombando. Agora o BC tomou as medidas macroprudenciais para aumentar o custo de capital para quem dá crédito mais longo. Isso teve um efeito significativo, que já começa a ser visto.

EXAME.com - O mercado reagiu mal ao corte de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega?

Figueiredo - A bolsa brasileira caiu naquele dia, mas isso não tem nada a ver com o corte de gastos. A visão dos analistas é de que o governo tomou medidas positivas no lado fiscal. Pela primeira vez, o ajuste foi feito com cortes, e não com aumento de impostos. Há ceticismo com o cumprimento dessas metas, mas o plano é o correto.

EXAME.com - A aprovação do salário mínimo de 545 reais seria suficiente para reverter esse ceticismo?

Figueiredo - Não, a política fiscal terá de ser cumprida ao longo do tempo. O salário mínimo é um sinal importante de que o governo está comprometido em cortar gastos, mas não é o único.

EXAME.com - O governo perdeu credibilidade na área fiscal nos últimos anos?

Figueiredo - Sem dúvida. Todo o superávit produzido nos últimos anos veio de crescimento de arrecadação. Os gastos subiram muito. Quando veio a crise, era natural que houvesse uma expansão, mas, mesmo após a recuperação da economia, o governo postergou a retirada dos estímulos. Em 2010, o resultado primário foi de 1,10% ou 1,20% do PIB. Embora o número divulgado tenha sido de 3%, em termos de superávit real foi um resultado muito baixo. E 100% das pessoas sabem fazer essa conta. O ceticismo deve-se ao que aconteceu nos últimos dois anos.

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