Minhas Finanças

Leilões, falsários e arapongas

O colecionador Bill Koch acreditava ter comprado por 500 000 dólares vinhos que pertenceram ao ex-presidente americano Thomas Jefferson -- mas descobriu que foi enganado

Koch, o colecionador - Contratação de agentes do FBI e até de um físico nuclear para testar a autenticidade dos vinhos

Koch, o colecionador - Contratação de agentes do FBI e até de um físico nuclear para testar a autenticidade dos vinhos

DR

Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h21.

A oferta era tentadora: quatro garrafas de vinho que teriam pertencido ao ex-presidente americano Thomas Jefferson, morto há quase dois séculos. O preço das raridades: meio milhão de dólares pelo lote completo (dois Château Lafite e dois Château Branne-Mouton). Datadas de 1784 e 1787, tempo em que Jefferson serviu como embaixador na França, elas foram arrematadas pelo empresário americano Bill Koch, em 1987. Magnata do ramo de gás natural e iatista amador, Koch julgava ter adquirido algumas das maiores preciosidades da história -- antes de ser arrematadas por Koch, elas haviam pertencido ao empresário Malcolm Forbes e à casa de leilões Christie's de Nova York. No ano passado, porém, sua convicção foi abalada. Convidado pelo Museu de Belas Artes de Boston a expor sua coleção particular (além de vinhos, ele é dono de telas dos impressionistas Claude Monet e Edgard Degas), Koch levou um susto: assim que colocaram os olhos nas garrafas, os curadores do museu desconfiaram que os vinhos poderiam ser fajutos e pediram uma prova de autenticidade. A partir daí, Koch iniciou uma verdadeira CPI enóloga, que consumiu 1,2 milhão de dólares do próprio bolso e teve lances dignos de um romance policial.

Para investigar a história, o empresário contratou um time de experts em vinho, agentes do FBI e até um físico nuclear. Além de vasculhar os arquivos da Christie's, a equipe comandou uma série de testes sobre a bebida. A análise química da idade do vinho acabou se mostrando inconclusiva, mas os testes confirmaram que as iniciais "Th. J." gravadas nas garrafas haviam sido feitas com um diamante de alta velocidade, equipamento inventado no século 20. Por trás da farsa estaria o alemão Hardy Rodenstock, que forneceu o lote à Christie's, anos atrás. "Comprei as garrafas pela mística, para possuir alguma coisa que teria pertencido a Thomas Jefferson", disse Koch recentemente ao jornal americano The Wall Street Journal. "Mas, se alguém lhe rouba esse direito, você fica p. da vida." Mais do que uma compensação financeira, Koch diz que quer justiça. "Tudo o que pretendemos é desmascarar Rodenstock para que ele deixe de fraudar o mercado de vinhos", diz Brad Goldstein, porta-voz de Koch. Em sua defesa, Rodenstock afirma ter comprado o vinho em Paris de um colecionador já morto, a quem prefere não identificar. Além de estar sendo processado por Koch em Nova York e na Baviera, ele sofre um processo de outro colecionador. O americano Russell Frye também o acusa de vender uma coleção de Bordeaux falsa.
 

DEFESA
Diretamente implicada na história, a Christie's ainda não dá o caso por encerrado. "Vamos continuar a trabalhar com as partes envolvidas para revisar  novas informações sobre a venda", disse a EXAME RESERVA Richard Brierley, chefe do departamento de vinhos da Christie's para as Américas. Segundo Brierley, antes de aceitar qualquer vinho para leilão, a casa conduz uma rigorosa gama de testes. "A rolha, a garrafa, o vidro e o rótulo são checados para confirmar se o vinho é do período alegado", diz Brierley. Além disso, a Christie's argumenta que investiga exaustivamente a proveniência da bebida. "Insistimos em ver a garrafa e apenas a consideramos para venda uma vez que estejamos satisfeitos com a origem e a autenticidade do vinho", diz Brierley.

Outro requisito fundamental para avaliar um vinho raro é saber quem foi seu dono. Em outubro passado, esse fator foi o principal atrativo de um leilão promovido pela prefeitura de Paris. A venda das cerca de 5 000 garrafas da chamada coleção Jacques Chirac, amealhadas entre 1977 e 1995 pelo então prefeito da cidade e atual presidente da França, rendeu mais de 1,2 milhão de dólares à municipalidade. As principais jóias do leilão foram duas estupendas garrafas de Romanée-Conti da safra 1986, arrematadas pelo equivalente a 6 400 dólares cada uma. A maior parte da coleção Chirac foi comprada pela casa de vinhos Antique Wine, com sede em Londres e uma das mais prestigiadas lojas da bebida no mundo (leia mais sobre a empresa na pág. 58). "Compramos vinhos que foram adquiridos pelo atual presidente da França para ser servidos a chefes de Estado e à realeza e mostrar o que a França tem de melhor", declarou Stephen Williams, diretor da Antique Wine.
 

FRAUDE EM ALTA
A exemplo do mercado de arte, em que as casas de leilão são abastecidas por peças fornecidas por uma rede de marchands e colecionadores privados, no mercado de vinhos finos os fornecedores costumam ser as próprias vinícolas, os colecionadores e também os herdeiros de grandes fortunas -- sobretudo franceses, italianos e espanhóis. Apesar da origem teoricamente insuspeita, as tentativas de fraude não são raras. A casa de leilão americana Sotheby's, por exemplo, costuma recusar de 25% a 40% de todas as garrafas oferecidas para leilão por ter dúvida quanto à autenticidade ou à qualidade do produto. De acordo com Jamie Ritchie, executivo da Sotheby's, as falsificações de vinhos antigos costumam acontecer principalmente em grandes garrafas, dos tamanhos magnum (1,5 litro), magnum duplo (3 litros) ou imperial (6 litros). Teoricamente, esses são os melhores vinhos das melhores safras -- e por isso teriam apelo extra para os colecionadores.

Devido à entrada de colecionadores novos-ricos no mercado e ao crescente interesse por vinhos raros, as falsificações só tendem a aumentar. "Dados os preços alcançados por alguns vinhos, especialmente no mercado asiático, a fraude está se transformando num problema real", diz o enólogo e historiador de vinhos Stephan Streicher. Ele, porém, faz questão de frisar que a pirataria engarrafada não é um fenômeno exatamente novo. Em seu livro Wine: From Neolithic Times to the 21st Century (numa tradução livre, algo como "Vinho: do período neolítico ao século 21"), Streicher afirma que, na Roma antiga, comerciantes inescrupulosos tentavam vender vinho barato como se fosse um verdadeiro Falernum, um branco que fazia a corte romana delirar 2 000 anos atrás. Koch não foi o único a ser ludibriado por vigaristas.

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