Comprar carro em leilão é só para quem gosta de correr risco
É possível arrematar um veículo usado com 30% de desconto, mas as chances de ter uma surpresa desagradável tampouco são pequenas
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
São Paulo - Infortúnio para uns, oportunidade de negócio para outros. Quando a inadimplência do comprador culmina na apreensão do veículo, há quem se beneficie na outra ponta da cadeia. Os carros retomados pelos bancos e financeiras são levados a leilão para cobrir a dívida pendente. O resultado é a oferta de veículos até 30% mais baratos que os encontrados no mercado de usados. Estes automóveis dividem o pátio das empresas de leilão com carros recuperados por seguradoras depois de acidentes e roubos, além daqueles descartados por grandes companhias na renovação da frota.
Ressaltada a vantagem de um preço aparentemente irresistível, vale lembrar que os riscos do arremate não devem ser desprezados. O maior deles é a impossibilidade de avaliar a condição do motor e do câmbio, já que é proibido ligar o carro antes da compra. "O consumidor só vai descobrir quais consertos devem ser feitos depois de ter feito a aquisição no escuro. Se o veículo estiver totalmente condenado por ter enfrentado uma enchente, por exemplo, ele vai amargar o prejuízo sozinho", diz Antônio Gaspar de Oliveira, diretor do Sindirepa (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios de São Paulo). Geralmente, as empresas abrem visitação nos dias que antecedem o leilão, mas só deixam que os clientes avaliem o carro externamente. Análise que, em muitos casos, não contempla sequer a abertura do capô.
"Leiloamos 300 carros por dia, então não há como manter a chave nos carros. Já enfrentamos roubos quando fizemos isso", afirma Luiz Fernando Sodré, leiloeiro da Sodré Santoro. Apontada como a maior empresa de leilões do país, a Sodré Santoro comercializa veículos presencialmente e pela internet em pátios espalhados por São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Amazonas e Minas Gerais.
Trâmites
Quem oferece o lance vencedor deve fazer o pagamento à vista. Do total pago, 5% vão para o bolso do leiloeiro, cujo papel é apenas realizar a ponte entre antigos e novos proprietários. O comprador fica com a incumbência de providenciar a transferência do veículo no Detran, arcando com todos os custos inerentes ao processo. Como os carros são leiloados no estado em que se encontram, também correm por fora possíveis débitos de IPVA e multas de trânsito. Embora essas pendências devam ser obrigatoriamente divulgadas pelas empresas leiloeiras, quem paga a conta é o arrematante.
Diante de todas essas variáveis, há quem considere o leilão um mar de tubarões para os compradores individuais. Sob essa ótica, a segurança é maior para os lojistas que têm olho clínico para escolher os veículos, vislumbrando possível lucro na revenda. Ainda assim, o que se vê é uma entrada cada vez maior dos chamados consumidores finais nesse mercado. "Pelo estado em que se encontram, principalmente os automóveis recuperados em financiamentos servem para qualquer perfil. Eles interessam tanto o comprador comum como o dono de uma autopeça", defende Sodré.
A internet é a força motriz desse fenômeno. A compra de carros através dos leilões ganhou força com a disseminação dos pregões online. Encurtadas as distâncias geográficas, compradores do Brasil inteiro fecham negócios ao alcance do mouse. A Superbid, especializada em otimizar a recuperação de capital de grandes companhias, coloca todos os seus leilões na rede, sendo que 95% dos veículos vendidos são oriundos de empresas como Votorantim, Volkswagen e Colgate Palmolive.
"É uma segurança maior porque esses carros supostamente passaram por manutenção. A verdade é que a partir de certo tempo ou quilometragem, o veículo começa a apresentar um custo de manutenção que não compensa mais para a empresa. Como ela compra em grande volume, tem acesso a um desconto sobre o valor unitário que o consumidor final não tem", afirma o diretor comercial e de marketing Pedro Barreto, da Superbid.
No dia do encerramento do leilão, o cliente pode comparecer ao endereço da empresa em São Paulo para acompanhar a operação. Mas segundo Barreto, 99% dos participantes marcam presença através da web. O fechamento da compra é eletrônico: o relógio retroage três minutos cada vez que alguém faz uma oferta, de maneira que o leiloeiro não tem o poder de bater o martelo voluntariamente.
Leilão do governo
Desde 2005 os Detran estaduais foram autorizados pelo Conselho Nacional de Trânsito a leiloarem carros com autorização para retornar às ruas. Antes disso, os veículos apreendidos tinham o chassi recortado, ganhavam o rótulo de sucata e eram vendidos para posterior desmanche. A prática não foi adotada em todos os estados. Em São Paulo, por exemplo, o Departamento de Trânsito só oferta automóveis que não podem ser dirigidos. Mas a medida possibilitou que os carros flagrados com documentação insuficiente, IPVA irregular ou até motorista embriagado pudessem ir a leilão caso não procurados pelos proprietários em um prazo máximo de 90 dias.
Só no Rio de Janeiro, foram vendidos 6.033 veículos desta forma em 2009, contra 1.200 carros em 2008. Para Alessandro Röhnelt, presidente da Comissão de Leilão do Detran RJ, o propósito é o esvaziamento dos pátios dos órgãos estaduais, além do aumento da arrecadação a partir da ativação de mais IPVAs. "Como a fiscalização é constante, há casos de apreensão de BMWs, Mercedes e outros carros em bom estado", afirma. Ao contrário do que acontece com os leilões das empresas privadas, os veículos saem livres de qualquer dívida, já que o dinheiro arrecadado com a venda é exclusivamente utilizado para quitar as pendências. Se a quantia exceder o necessário, a diferença será devolvida ao último proprietário.
No entanto, aqui também se aplicam todos os reveses dos pregões privados, já que não há possibilidade de ver o carro funcionando antes de arrematá-lo. Outra desvantagem é que o comprador enfrentará uma batalha burocrática para colocar o veículo de volta às ruas. Realizada a vistoria que atesta a presença de todos os itens de segurança, a documentação necessária leva um prazo médio de três meses para ser expedida.
Dicas
Antes de embarcar nos leilões, atente-se para a possibilidade da seguradora recusar a cobertura do carro adquirido. Além da documentação em ordem, algumas empresas exigem um laudo que comprove a inexistência de avarias que comprometam a segurança do motorista. A inspeção custa em média 100 reais e só pode ser feita por organismos autorizados pelo Inmetro.
Para os marinheiros de primeira viagem, profissionais do ramo aconselham a ida a alguns leilões antes da realização da primeira oferta. Levar um mecânico de confiança no dia da visitação também é importante para desconsiderar - ou reforçar - a intenção de levar um carro. "O profissional pode ver se está faltando algum componente, ainda que não consiga avaliar os elementos mais importantes do veículo", afirma Antônio Gaspar de Oliveira, do Sindirepa.
Leilões de carros de bancos e empresas são considerados mais seguros que os de seguradoras - onde há uma grande quantidade de veículos avariados em colisões. A origem do veículo é informadas nos editais. Finalmente, deve-se estabelecer um teto para o que se pretende gastar - e estar preparado psicologicamente para perder um veículo para outro interessado se necessário.