Carro seminovo valoriza até 50% e supera investimentos. Hora de vender?
Paralisação da indústria por causa da pandemia subverteu a lógica de que comprar carro zero é 'rasgar dinheiro' por causa da tradicional desvalorização
Marília Almeida
Publicado em 28 de setembro de 2021 às 06h15.
Última atualização em 4 de outubro de 2021 às 14h08.
Comprar um carro zero quilômetro sempre foi desaconselhado do ponto de vista de educação financeira e investimento. Afinal, a estimativa tradicional é que, ao sair da concessionária, o carro novo já passa a valer, em média, 20% menos do valor pago. Quem diria que a pandemia inverteria essa lógica e que o carro passaria a ser um ativo que se valoriza?
É o que revela a comparação de preços de modelos zero quilômetro no mês de início da pandemia no país, em março de 2020, e este momento atual, em setembro de 2021.
Quem comprou um carro zero em março do ano passado pode revendê-lo agora por um valor até 28% maior do que pagou, caso o modelo esteja entre os mais vendidos do país.
Essa valorização pode alcançar até praticamente 50% se levado em conta o ranking geral de vendas, que inclui modelos de marcas de luxo. É o que aponta levantamento feito pela KBB para aEXAME Invest. A KBB é uma empresa global especializada em pesquisa e comparação de preços de carros.
Esses percentuais superam, e muito, a média dos investimentos no período. Para se ter uma ideia, o CDI, indicador que serve como referência para aplicações de renda fixa, registrou rentabilidade de 4,54% entre março de 2020 e setembro de 2021. Já o Ibovespa, principal índice de ações da bolsa de valores, valorizou 2,9%.
Quem comprou um Jeep Renegade Crossover (versão 4P 1.8 16V FLEX 4x2 Automático) no início da pandemia pagou R$ 68.000 e pode agora revendê-lo por R$ 87.400. Ou seja, na transação, irá ganhar 30% a mais do que pagou em valores nominais, sem considerar o efeito da inflação.
O Volkswagen Gol (versão Hatchback 4P 1.0 12V Flex 4P 4x2 Mecânico), há décadas um dos modelos mais populares do mercado automotivo nacional, fica em segundo lugar na lista dos modelos que mais valorizaram entre março de 2020 e setembro de 2021 -- no grupo dos mais vendidos do país. Quem comprou a versão em março do ano passado por R$ 43.300 pode agora revendê-la por R$ 51.200. Ou seja, irá ganhar 18% a mais do que pagou na transação.
Já no ranking geral, que considera todos os modelos à venda, o seminovo que mais se valorizou foi o elétrico importado Chevrolet Bolt (versão Hatchback 4P Premier 4x2 Automático), com alta de 49,31% no seu preço de revenda. Quem comprou o modelo 0 km por R$ 175.000 em março do ano passado pode revendê-lo agora por R$ 261.300.
O modelo foi seguido pela picape Chevrolet S-10 (2P CS CHASSI 4X4 2.8 TB 16V MT6 4x4 Mecânico), que se valorizou 43% na revenda. O veículo, comprado novo por R$ 88.000 em março de 2020, pode ser revendido agora por R$ 126.500.
Veja a seguir as tabelas com os modelos top 10 nas duas categorias:
Carros que mais valorizaram na pandemia entre os mais vendidos do país:
ANO MODELO | MARCA/MODELO/VERSÃO | PREÇO 0 KM (mar/2020) | PREÇO DE REVENDEDOR (set/2021) | VARIAÇÃO (%) |
2020 | JEEP RENEGADE SUV/Crossover 4P 1.8 16V FLEX 4x2 Automático | R$ 68.000,00 | R$ 87.400,00 | 28,53 |
2021 | VOLKSWAGEN GOL Hatchback 4P 1.0 12V FLEX 4P 4x2 Mecânico | R$ 43.400,00 | R$ 51.294,00 | 18,19 |
2020 | FIAT ARGO Hatchback 4P 1.0 6V FLEX 4x2 Mecânico | R$ 43.100,00 | R$ 50.400,00 | 16,94 |
2020 | FIAT MOBI Hatchback 4P LIKE 1.0 8V FLEX 4x2 Mecânico | R$ 37.990,00 | R$ 43.500,00 | 14,50 |
2020 | CHEVROLET ONIX Hatchback 4P 1.0 12V MT6 FLEX 4x2 Mecânico | R$ 49.690,00 | R$ 56.206,00 | 13,11 |
2020 | JEEP COMPASS SUV/Crossover 4P SPORT 2.0 16V FLEX 4x2 Automático | R$ 109.000,00 | R$ 122.200,00 | 12,11 |
2020 | VOLKSWAGEN T-CROSS SUV/Crossover 4P COMFORTLINE 200 TSI 1.0 TB FLEX 4x2 Automático | R$ 95.000,00 | R$ 105.000,00 | 10,53 |
2021 | HYUNDAI HB20 Hatchback 4P SPORT 1.0 TGDI 12V AT6 FLEX 4x2 Automático | R$ 71.900,00 | R$ 79.000,00 | 9,87 |
2021 | RENAULT KWID Hatchback 4P ZEN 1.0 12V SCe 4x2 Mecânico | R$ 40.990,00 | R$ 44.660,00 | 8,95 |
2020 | HYUNDAI CRETA SUV/Crossover 4P SMART 1.6 16V FLEX 4x2 Automático | R$ 84.300,00 | R$ 90.900,00 | 7,83 |
Carros que mais valorizaram na pandemia entre todos à venda:
ANO MODELO | MARCA/MODELO/VERSÃO | PREÇO 0 KM (mar/2020) | PREÇO DE REVENDEDOR (set/2021) | VARIAÇÃO (%) |
2020 | CHEVROLET BOLT Hatchback 4P PREMIER 4x2 Automático | R$ 175.000,00 | R$ 261.300,00 | 49,31 |
2020 | CHEVROLET S-10 Pickup 2P CS CHASSI 4X4 2.8 TB 16V MT6 4x4 Mecânico | R$ 88.000,00 | R$ 126.500,00 | 43,75 |
2020 | PEUGEOT 3008 SUV/Crossover 4P SUV GRIFFE 1.6 THP 16V AT6 4x2 Automático | R$ 145.000,00 | R$ 205.000,00 | 41,38 |
2020 | TOYOTA RAV-4 SUV/Crossover 4P SX HYBRID 2.5 CVT 4x4 Automático | R$ 185.990,00 | R$ 258.000,00 | 38,72 |
2020 | TOYOTA HILUX Pickup 4P CD SR 4X2 2.7 16V AT6 FLEX 4x2 Automático | R$ 122.000,00 | R$ 165.000,00 | 35,25 |
2020 | MERCEDES-BENZ GLE SUV/Crossover 4P 400 d 3.0 V6 4M 4x4 Automático | R$ 465.900,00 | R$ 628.900,00 | 34,99 |
2020 | MITSUBISHI L-200 Pickup 4P CD TRITON SPORT OUTDOOR GLX 4X4 2.4 TB MT 4x4 Mecânico | R$ 124.000,00 | R$ 165.000,00 | 33,06 |
2021 | RENAULT DUSTER SUV/Crossover 4P INTENSE 1.6 16V SCe CVT X-TRONIC FLEX 4x2 Automático | R$ 69.900,00 | R$ 92.500,00 | 32,33 |
2020 | MERCEDES-BENZ CLASSE G SUV/Crossover 4P G 63 AMG 4.0 V8 TB 4MATIC 4x4 Automático | R$ 1.167.900,00 | R$ 1.539.000,00 | 31,77 |
2020 | JEEP RENEGADE SUV/Crossover 4P 1.8 16V FLEX 4x2 Automático | R$ 68.000,00 | R$ 87.400,00 | 28,53 |
Somente as versões que mais valorizaram (ou que menos desvalorizaram) de cada modelo foram incluídas nas tabelas: ou seja, não entram dois modelos diferentes do Gol, por exemplo. Foram excluídos da lista os veículos comerciais do tipo van e picapes chassi. O preço de revendedor se refere ao preço que os lojistas praticam ao revender o veículo para o consumidor pessoa física.
No mesmo período imediatamente anterior, de março de 2018 a setembro de 2019, apenas quatro modelos haviam registrado valorizações, e bem mais modestas: entre 2,11% e 11,54%. O restantes dos modelos teve depreciação no período.
Boa hora para vender um usado
Quanto mais novo o seminovo (modelos com 1 a 3 anos de fabricação), maior foi a valorização dos modelos, enquanto quanto mais antigo o veículo usado (com quatro anos de fabricação ou mais), maior foi o aumento de preço na revenda, explica Ana Renata Navas, diretora-geral da Cox Automotive do Brasil, dona da KBB Brasil. "Pode não ser uma boa hora para comprar, mas certamente é uma boa hora para vender", afirma.
"Clássicos de luxo já desvalorizavam pouco; SUVs são valorizados pelo brasileiros; enquanto picapes são muito utilizadas por pintores e profissionais que refomam imóveis, demanda que cresceu muito na pandemia. Outros modelos, como o Gol e o HB20, são queridinhos entre os usados, enquanto Mobi, Kwid e Argo são mais acessíveis. Essas são as razões para esses modelos figurarem no ranking de maior valorização", explica a especialista da KBB Brasil.
Navas, contudo, faz ponderações. Apesar da valorização dos usados, há uma alta de preços generalizada no mercado, o que significa que o "lucro" obtido com o negócio pode culminar no que chamamos de "downgrade" na hora da troca (que é quando se revende um veículo para adquirir outro de categoria inferior, menos equipado ou mais velho).
Considerando somente os anos modelos mais recentes dos carros novos, houve acréscimo médio acumulado de 13,25% para carros com ano modelo 2021 desde janeiro do ano passado até hoje. Em relação aos modelos 2022, a variação foi de 10,40% só entre janeiro e agosto deste ano, reforçando o patamar alto em que estão os preços dos carros 0 km. A inflação geral medida pelo IPCA também mostra aumento de pouco mais de 10% nos preços desde janeiro de 2020 até agosto de 2021.
Portanto, o consumidor precisa ficar atento à finalidade que dará ao possível lucro recebido na revenda do seu veículo, pois a tendência de alta nos preços pode corroer seu retorno.
Veja abaixo a média de valorização para cada tipo de veículo e ano de fabricação no acumulado do ano:
0KM | Modelos | Valorização acumulada em 2021 (em %) |
2022 | 10,4 | |
2021 | 5,46 | |
2020 | 2,99 | |
2019 | 3,48 | |
Seminovos | Modelos | Valorização acumulada em 2021 (em %) |
2021 | 7,8 | |
2020 | 7,54 | |
2019 | 11,75 | |
2018 | 13,54 | |
Usados | Modelos | Valorização acumulada em 2021 (em %) |
2017 | 13,73 | |
2016 | 12,7 | |
2015 | 15,07 | |
2014 | 14,46 | |
2013 | 16,02 | |
2012 | 17,18 | |
2011 | 18,09 | |
A KBB Brasil utiliza tecnologias de análise de dados e big data para produzir os levantamentos de precificação de veículos novos e usados. O processamento é realizado por um algoritmo alimentado semanalmente por uma base com mais de 800 mil informações de preços de diferentes fontes do mercado. Além disso, todos os dados são avaliados diariamente por especialistas.
O que explica a forte valorização?
Quando a pandemia estourou, a indústria automotiva suspendeu a fabricação de veículos. Já era esperado que, algum tempo depois, haveria uma escassez de modelos à venda. Mas a pandemia tornou a escassez maior do que a esperada. Isso porque, com medo, muitas pessoas que já haviam desistido de ter um carro voltaram atrás, buscando a segurança do transporte privado. "Esse novo público buscou veículos mais acessíveis, como os usados, já que o intuito é só ter segurança", explica Ana Renata Navas, da Cox Automotive.
Há também uma escassez de componentes, dos quais os principais são os semicondutores. A escalada da demanda global para outros setores, como os segmentos de games, de smartphones e de notebooks, também contribuiu para a crise na cadeia de suprimentos de montadoras.
A escassez de modelos novos e a alta da demanda levaram consequentemente à escassez de modelos seminovos e usados. Consequentemente, modelos que já estavam no mercado tiveram uma forte valorização. Atualmente, quem quer ter um carro 0 km precisa esperar meses para poder comprá-lo. Muitos consumidores que comprariam novos optaram por seminovos ou usados.
Vale a pena vender o carro agora?
Uma pesquisa global da Cox Automotive realizada há três semanas aponta que a tendência é que os preços dos veículos se estabilizem em dois anos. Mas Navas, da Cox Brasil, acredita que no país o mercado irá se recuperar mais rapidamente. "Os preços não vão cair rapidamente, mas devem parar de crescer antes disso."
Portanto, para quem deseja trocar o seminovo por um carro zero pode valer a pena vendê-lo e embolsar um valor maior do que pagou, diz Navas. "Os carros novos estão mais caros? Estão, mas dependendo do modelo pode não ter ficado tão caro quanto o usado que o consumidor tem na mão. Nesse caso, a troca pode ser um bom negócio".
Naturalmente, a opção só vale para quem está disposto a esperar alguns meses para comprar o carro novo, está trabalhando de forma remota ou híbrida e não tem tanta necessidade de usar um veículo agora.
Para quem já não vê tanta necessidade de ter um carro, utiliza apps de transporte ou aluga um automóvel para viajar, pode ser um ótimo momento para desapegar do bem e investir o dinheiro, diz Fábio Gallo, professor de finanças da PUC-SP.
"Um Jeep Compass custa R$109.000. Considerando IPVA de R$ 4.360, seguro de R$ 3.100, custos com manutenção de R$ 3.000 por ano, gastos de estacionamento de cerca de R$ 1.400 por ano, essa pessoa terá à disposição R$ 120.800. Isso sem falar em combustível economizado. A valorização inesperada pode ser o início de uma grande poupança."