Minhas Finanças

Artigo: Sim, a crise ainda vai piorar...

...mas não será desta vez que veremos o fim do capitalismo. Milhões de chineses, indianos, brasileiros e outros continuarão a ser participantes mais ativos no mercado do que jamais foram anteriormente e a impulsionar a economia global

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

O derretimento financeiro global é tão surpreendente quanto foram os ataques de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas. Afora isso, as duas calamidades são bem diferentes. O crash financeiro terá, indubitavelmente, conseqüências mais amplas, prejudicando mais pessoas em mais países. No entanto, o 11 de Setembro e o que veio em sua esteira podem oferecer um estudo de caso de algumas armadilhas a evitar quando uma calamidade dessas proporções acontece.

A lição mais importante do atentado terrorista em Nova York talvez seja que a reação dos Estados Unidos aos ataques teve conseqüências mais profundas do que os próprios ataques. Choques como o 11 de Setembro costumam provocar - na verdade, exigem - reações governamentais intensas, mas as conseqüências dessas reações persistem até muito depois do evento inicial. Essa lição se aplicará ao crash em curso: leis, instituições, restrições e incentivos motivados pelo salvamento do sistema financeiro moldarão nossas vidas por muito tempo depois que os efeitos da crise das hipotecas subprime se dissiparem. O perigo é que respostas governamentais desproporcionais ou mal concebidas possam exacerbar os problemas.

Considerem-se os desdobramentos inesperados da invasão do Iraque: o fortalecimento do Irã, o ressurgimento do Talibã e a menor capacidade de liderança dos Estados Unidos em tempos de crise global. No Iraque, onde os problemas mais espinhosos afloraram após uma ocupação militar bem-sucedida, também agora a administração pós-salvamento será crítica. O pesadelo do Iraque foi ampliado pelos erros cometidos em estratégia, provimento de pessoal, execução e controle dos esforços após a invasão. Da mesma maneira, o resgate financeiro poderá ser solapado por erros no desembolso dos fundos ou mesmo no provimento de pessoal das agências encarregadas de levar o salvamento adiante. Um dos legados dos ataques terroristas de 2001 foi o Departamento de Segurança Nacional, um mastodonte burocrático que virou um caso exemplar de reorganização falha após diretrizes vagas do Congresso adotadas às pressas. Um monstro burocrático parecido, originado por impulsos desesperados idênticos, pode surgir em conseqüência dessa crise financeira.

Outra lição do 11 de Setembro é que os Estados Unidos precisarão de toda a ajuda que puderem obter de outros países para gerir a crise financeira. Embora tanto o ataque terrorista quanto o crash das hipotecas subprime tenham ocorrido em solo americano, suas ramificações internacionais são enormes. Apesar de os contribuintes americanos terem de ficar com o ônus tanto do salvamento quanto de suas conseqüências, a assistência de autoridades reguladoras do Reino Unido à China será indispensável. De fato, uma lição do atentado ao World Trade Center é que a coordenação em níveis técnicos pode ser mais importante que declarações retóricas de chefes de Estado. Em 2001, enquanto o Congresso americano substituía as “batatas francesas” (como são chamadas as batatas fritas nos Estados Unidos) por “batatas da liberdade” e malhava a França por sua oposição à guerra no Iraque, as agências de inteligência dos dois países colaboravam de maneira estreita e eficaz. O mesmo aconteceu com outros serviços de inteligência em países cujos líderes faziam discursos ferozes denunciando o unilateralismo americano.

A colaboração técnica de burocratas governamentais - mantida por períodos longos e fora dos holofotes da mídia - será tão importante para sairmos bem desta crise financeira quanto a das cúpulas presidenciais. A maneira como os dirigentes de bancos centrais em Pequim e Moscou coordenarão as ações com seus congêneres em Washington e Frankfurt será um fator determinante.

Outro paralelo entre o 11 de Setembro e a crise financeira é que recursos públicos que não estavam disponíveis para outras necessidades importantes (sistema de saúde, educação, pobreza) de repente se materializam. A gravidade da ameaça e a necessidade de agir rápida e energicamente provocam um clima no qual se torna aceitável - e até desejável - tomar decisões em que dinheiro não é problema.

Essa desconsideração por restrições orçamentárias é uma manifestação de outro ensinamento do atentado: o entusiasmo por “um novo paradigma” e o desdém por idéias e instituições antigas. A convicção de que uma nova realidade tornou obsoletos princípios e idéias antes cultivados é perigosa. Ela conduz à suposição de que tudo é possível, de que as velhas idéias já eram e de que conceitos absolutamente novos e não testados são indispensáveis.

Idéias ousadas, temerárias até, são buscadas e celebradas. Essa abordagem nos trouxe não só a guerra no Iraque como o centro de detenção na baía de Guantánamo, a erosão das liberdades civis, o desprezo pelas convenções de Genebra e a depreciação de mecanismos normalmente usados para controlar gastos públicos, vistos como incômodos burocráticos inaceitáveis. Agora, o salvamento financeiro nos dará a maior empresa financeira estatal do planeta, mudanças drásticas nos regulamentos do mercado e um sistema bancário que terá pouca semelhança com o que existia há poucos meses.

A busca de um novo paradigma para substituir crenças e instituições pré-crash está levando muitos a concluir que o capitalismo em estilo americano está morto. “A idéia de um mercado todo-poderoso sem nenhuma regra e sem intervenção política é insana”, disse o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acrescentando que “a auto-regulação terminou. O laissez-faire terminou”. Henry Paulson, secretário do Tesouro americano, concordou: “O capitalismo bruto terminou”. Com toda a certeza, o crash revelou a necessidade de fiscalização e de regulamentações financeiras mais eficazes. Mas a adoção dessas medidas não marcaria o fim do capitalismo. Milhões de chineses, indianos, brasileiros e outros continuarão a ser participantes mais ativos na economia global do que jamais foram anteriormente. E companhias de Seattle a Taipé e a Lyon continuarão inovando e investindo, comprando e vendendo.

Inevitavelmente, a crise financeira será vista como mais um sinal de que os Estados Unidos estão em declínio: “Os americanos perderão seu status de superpotência do sistema financeiro mundial. O mundo jamais será o mesmo”, disse o ministro alemão da Fazenda a seu Parlamento no fim de setembro. Quase as palavras exatas pronunciadas após o 11 de Setembro. Mas, apesar de o mundo certamente ter mudado, ele o fez de muito menos maneiras que os comentaristas previam. Sim, esta crise financeira vai transformar profundamente a economia global e terá conseqüências mais profundas e mais duradouras que os atentados às torres. Mas ela nem marca o fim do capitalismo nem o início do fim dos Estados Unidos.

*Moisés Naím é editor-chefe da revista Foreign Policy

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Minhas Finanças

Resultado da Mega-Sena concurso 2757: ninguém acerta as seis dezenas

Como os seguros entram no jogo? Cobertura nas Olimpíadas 2024 vai de lesões até desastre climático

Veja o resultado da Mega-Sena concurso 2757; prêmio acumulado é de R$ 7,1 milhões

Veja o resultado da Mega-Sena concurso 2756; prêmio acumulado é de R$ 2,8 milhões

Mais na Exame