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A vitória dos brasileiros

A mesa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração e principal acionista do Unibanco, ocupa o fundo do amplo salão acarpetado que abriga o comando do braço financeiro do grupo fundado por seu pai, o embaixador Walther Moreira Salles, no 4o andar de um prédio de 22 pavimentos à margem do rio Pinheiros, […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

A mesa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração e principal acionista do Unibanco, ocupa o fundo do amplo salão acarpetado que abriga o comando do braço financeiro do grupo fundado por seu pai, o embaixador Walther Moreira Salles, no 4o andar de um prédio de 22 pavimentos à margem do rio Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Dali, Moreira Salles coordenou as principais decisões estratégicas dos últimos anos, como assumir o espólio do banco Nacional, em 1996, e comprar o Bandeirantes quatro anos depois. Contudo, a decisão mais importante desse período, e que viabilizou tudo o que veio mais tarde, fora tomada sem grande alarde um pouco antes, em 1994, em pleno Plano Real. "Mudamos nossa estrutura de capital para permitir a entrada de acionistas", diz Moreira Salles. Tempos depois, bancos como o alemão Commerzbank, o japonês Mizuho e a Caixa Geral de Depósitos tornaram-se sócios do Unibanco e ajudaram a financiar sua expansão. "Tivemos de buscar associações e pagar parte das compras com ações", diz Moreira Salles.

O que motivou essa decisão foi uma larga dose de pragmatismo. Moreira Salles e seus diretores haviam analisado o aperto pelo qual os bancos tinham passado em 1986, com o Plano Cruzado, que subitamente cortou -lhes os ganhos com a inflação. Do dia para a noite, as pesadas e dispendiosas estruturas montadas para captar dinheiro e financiar o governo deixaram de ser rentáveis. Sem receita e com custos elevados, o sistema financeiro balançou e só conseguiu se segurar graças ao retorno da inflação nos anos seguintes. Com o Real, o desafio seria maior. Além de perder receita, os bancos teriam de enfrentar a concorrência dos estrangeiros, cuja entrada já era prevista àquela altura. Para garantir sua sobrevivência, o Unibanco reduziu o contingente de funcionários de 52 000, em 1986, para 16 000 em 1995. O banco também colocou o crescimento como prioridade. Os 750 000 correntistas de junho de 1994 transformaram-se nos atuais 4 milhões. A rede aumentou de 400 agências, em 1990, para 1 300. Com isso, a parcela das receitas comprometidas pelas despesas operacionais (relação conhecida como índice de eficiência bancária) caiu de 72,9% para 50,4% entre 1997 e 2003.

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Romper com o passado não foi uma exclusividade do Unibanco. Bradesco e Itaú também mudaram regras impressas em seus códigos genéticos. Os dois maiores bancos privados nacionais tinham em caixa dinheiro bastante para pagar as aquisições e se expandir. Seu desafio era preservar o valor do que adquiriam. Eles precisa vam impedir que suas fortes culturas internas expelissem os melhores clientes e funcionários dos bancos incorporados por causa de dificuldades de adaptação. Garantir sua permanência era vital, pois havia novos competidores no mercado, ansiosos para captar clientes insatisfeitos e bons funcionários descontentes. Por isso, ambos tiveram de abandonar práticas consagradas.

Um exemplo foi a compra do banco de investimentos BBA pelo Itaú no início deste ano, que gerou o Itaú BBA. Ao anunciar a compra, Setubal surpreendeu o mercado ao confirmar no comando do novo banco, que ficaria com todas as operações com grandes empresas do Itaú, os banqueiros Fernão Bracher e Antônio Beltran Martinez, fundadores e antigos controladores do BBA. Até então a praxe era que os bancos adquiridos fossem comandados por veteranos do Itaú. Bracher e Beltran Martinez não apenas não se enquadravam nesse figurino como haviam integrado anteriormente o primeiro escalão do arqui-rival Bradesco, que deixaram para fundar o BBA em 1984. Como os executivos do Itaú reagiram? "Muitas pessoas não se conformaram", diz Setubal. "Foi preciso um esforço para convencê-las de que isso seria melhor para o acionista." Nem todos se convenceram ou aceitaram essa argumentação. "Nós fomos os compradores do BBA", diz um executivo com muitos anos de carreira no Itaú. "Mas, na hora de escolher as pessoas que ficariam e as que sairiam, parecia que éramos os comprados, pois quem vinha do BBA tinha prioridade."

O BBA é um banco de atacado clássico. Realiza negócios sofistica dos, trabalha com poucas pessoas, seus funcionários têm muita autonomia e recebem generosos bônus em caso de sucesso. Radicalmente diferente do Itaú, que tem os vícios e as virtudes da visão industrial de seu criador, o engenheiro Olavo Setubal, pai de Roberto: milhões de operações padronizadas, controles rígidos e decisões centralizadas. Unir duas organizações tão díspares sem descaracterizar o BBA implicou discutir assuntos sensíveis, como remuneração e poder de decisão. "A negociação não demorou um ano e meio por acaso", diz Setubal. A compra mostra que o Itaú vem se tornando mais flexível e permeável a culturas de fora desde que adquiriu o estatal Banerj e o estrangeiro Banco Francês e Brasileiro (BFB), ambos em 1995. A transformação do BFB no Itaú Personnalité levou quatro anos, enquanto o Itaú BBA surgiu na metade desse tempo. Essa agilidade foi desenvolvida especialmente durante o processo de privatização dos bancos estaduais Banerj, Bemge, Banestado (Paraná) e BEG (Goiás). O Itaú investiu 8 bilhões de reais em nove compras entre 1995 e 2002. "Ganhamos escala e somos muito mais produtivos", diz Setubal. Em 1997, os 36 200 funcionários do Itaú garantiram ao banco um lucro de 720 milhões de reais. No primeiro semestre de 2003, os 42 200 funcionários trouxeram 1,6 bilhão líquido para os acionistas.

Mudanças de filosofia também chegaram à sede do Bradesco. Por fora, o espartano prédio da presidência mantém nas paredes externas os velhos ladrilhos amarelos retangulares que o revestem desde a inauguração, e na entrada principal está lavrado o lema do fundador Amador Aguiar: "Só o trabalho pode produzir riqueza". Lá dentro, porém, vários dogmas caíram nos últimos tempos. Pelos mandamentos de Aguiar, o Bradesco só poderia ser dirigido por pessoas moldadas por muitos anos de casa. Isso mudou em 1997 com a compra do BCN, do banqueiro Pedro Conde, falecido recentemente. O BCN era lucrativo e estava redondo, mas Conde não tinha sucessor. Quando comprou o BCN, o Bradesco não queria apenas agências, clientes e funcionários. "Estávamos interessados no conhecimento que eles tinham no segmento de pequenas e médias empresas", diz Márcio Cypriano, presidente do Bradesco e que dirigiu o BCN após a compra. O banco de Pedro Conde permaneceu operando em separado e serviu de laboratório para testar idéias e sistemas. Se tivesse sido imediatamente integrado, suas competências se diluiriam na imensa organização do Bradesco. A receita serviu para as outras 16 aquisições realizadas pelo Bradesco nos anos que se seguiram.

Os bons resultados garantiram a Cypriano a indicação para ocupar o lugar de Lázaro Brandão, o sucessor de Amador Aguiar, à frente do Bradesco. Foi o início de uma significativa renovação na cúpula. "Cypriano realizou uma façanha", diz um consultor que conhece bem os meandros do bancão de Osasco. "Aposentou muitos veteranos e oxigenou a diretoria sem desfigurar a organização." A recém-implantada segmentação do atendimento derrubou outro dogma. Segundo o costume, os gerentes de agência eram responsáveis pelos clientes de determinada região geográfica. Essa rigidez gerava distorções. Cypriano cita o exemplo da agência da rua 24 de Maio, no centro velho de São Paulo. "Os mesmos gerentes atendiam os camelôs da rua e o grupo Votorantim, que fica a dois quarteirões." Transferir clientes de grande porte, como a Votorantim, para a divisão de banco de atacado criada em 2000 provocou insatisfação entre os gerentes, mas garantiu mais negócios para o Bradesco. Sua participação no crédito brasileiro cres ceu de 10,8% do total em junho de 1997 para 16,1% em junho deste ano.

NÓS TEMOS A FORÇA
Os números dos bancos nacionais em 2003
356 bilhões de reais em ativos. Isso representa 36% do total (eram
32% em 1997)
161 000 funcionários, 33% do total
7 000 agências, 40,6% do total
4,2 bilhões de reais de lucro no primeiro semestre, ou 51,6% do
total
Fonte: Banco Central
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