Rio Bravo avalia que 7 de setembro foi só o início de sucessão de crises
Bastam algumas semanas para que Bolsonaro estoure nova crise institucional, o que tira o clima para reformas, diz Evandro Buccini, sócio e diretor da gestora
Guilherme Guilherme
Publicado em 12 de setembro de 2021 às 08h03.
A intensificação das manifestações políticas iniciadas em 7 de setembro foi a "inauguração formal dos períodos difíceis" que o Brasil vai viver nos próximos meses. É o que prevê Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos, gestora com 13 bilhões de reais sob gestão.
"Bastam algumas semanas para que o presidente Jair Bolsonaro fale alguma coisa e estoure uma nova crise institucional. Vai ser assim até a eleição", afirmou Buccini em entrevista à EXAME Invest .
Segundo ele, "não há clima para reformas", embora veja a necessidade de um endereçamento da questão dos precatórios por meio do Congresso. "Isso precisa acontecer, senão torna o Orçamento do ano que vem inexecutável."
Com perspectivas de um ambiente político instável, Buccini não espera grandes desvalorizações do dólar até o ano que vem, mesmo com uma atuação mais dura -- leia-se aumento da Selic -- do Banco Central na frente monetária.
"Omais provável é uma pequena valorização do real, mas com muita volatilidade, que é uma coisa ruim. Não há previsibilidade para o real como se tem para o euro ou até outras moedas emergentes."
Confira a entrevista com Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos.
Como os últimos episódios da política nacional foram avaliados pela Rio Bravo ?
Foi a inauguração formal de um período difícil que vamos ter no Brasil nos próximos meses. Sempre que o Bolsonaro se enfraquece, ele sobe um tom. Ele subiu um tom, não foram dois. Poderia ter sido mais disruptivo. Funcionou para a base dele, mas não acho que o governo saiu fortalecido nem enfraquecido.
O aumento de conflitos institucionais é muito ruim para o Brasil e para o mercado, que depende de as regras funcionarem. Para o investidor estrangeiro nem se fala, porque ele já esqueceu do país há muito tempo. Precisou um adulto [ex-presidente Michel Temer] vir de fora para tentar resolver.
Porém deve ser uma solução temporária, bastam algumas semanas para que o presidente Jair Bolsonaro fale alguma coisa e estoure uma nova crise institucional. Vai ser assim até a eleição. Vamos ter um ambiente difícil até lá.
Ainda é possível pensar em reformas com este governo?
A reforma tributária nasceu torta. Algumas coisas se endireitaram durante a tramitação, outras entortaram ainda mais, mostrando que o governo já estava fraco antes. O melhor que o governo tem a fazer é esquecer isso. Não é o clima para reformas.
Tem muita coisa para fazer sem precisar de reforma. Dá para focar em coisas que precisam de maioria simples para aprovação no Congresso,mesmo em temas tributários, administrativos ou trabalhistas O ideal seria ir por esse caminho. Não esperamos grandes novidades em termos de reformas daqui até o fim do governo.
Como o não andamento de pautas econômicas impacta a questão fiscal? Isso é um risco para a curva de juros?
Do ponto de vista fiscal, se não acontecer nada, seria bom porque o governo não teria força para aprovar um aumento exagerado do Bolsa Família. Porém, isso tem interesse do próprio Congresso. Onde tem risco é no precatório, que exige uma solução - que existia via CNJ, mas não deve acontecer. Vai ter que ser uma solução criada e amarrada dentro do próprio Congresso. Isso precisa acontecer, senão torna o orçamento do ano que vem inexecutável.
O fiscal está no piloto automático. O teto de gasto dá a previsibilidade de despesas, mas não de receita. A recuperação vai perder força. O PIB [do segundo trimestre] foi uma decepção muito grande e o PIB do ano que vem está sendo revisado para baixo. A despesa está dada pelo teto, mas a receita pode ter alguma decepção.
Pensando no longo prazo, o país há muito tempo não faz o que tem que fazer e o fiscal é só mais uma das questões. Esse governo vai ter feito muito pouco perto do que seria o desejado para o Brasil acelerar o crescimento e melhorar indicadores de desenvolvimento.
Diante desse cenário, é um bom momento para investir em bolsa, até levando em conta as últimas quedas, ou o risco já está maior que a oportunidade?
Olhando para algumas empresas da bolsa , existe bastante oportunidade. O pacote tributário deixou um impacto muito grande na bolsa, que ainda não foi embora, mesmo com certo consenso de que passará no Senado.
Hoje, o desafio é o juro longo, que vem subindo muito e aumenta o custo de capital das empresas. A taxa de juros, quando trazida a valor presente, faz o preço da ação cair. Mas, levando em consideração que o BC fará o que for feito para a inflação convergir para a meta, a taxa de juros deve ficar em um dígito, perto de 7% para o longo prazo. Isso dá um bom espaço para a bolsa subir.
Quais setores chamam atenção hoje na bolsa?
A bolsa tem exportadoras interessantes, que servem como proteção contra desvalorização cambial. Tem muitas commodities em nível de preço bastante interessante em reais. É importante olhar para os setores. Pensando em índice , que pode ser comprado por ETF, também parece atraente.
Como a Rio Bravo avalia o cenário para o dólar?
Todos os modelos apontam para um câmbio abaixo do atual. A queda exagerada da taxa de juros levou a uma desvalorização. Mas agora a curva de juros longa já está em 11% e o câmbio ainda está depreciado. Isso é fruto das crises políticas, institucionais e da aversão do estrangeiro ao Brasil.
O real é uma das piores moedas do mundo em algumas janelas. Se as coisas se acalmarem -- que não é nosso cenário base --, há espaço para o câmbio voltar um pouco. O mais provável é uma pequena valorização do real, mas com muita volatilidade, que é uma coisa ruim. Não há previsibilidade para o real como se tem para o euro ou até outras moedas emergentes. A volatilidade do real é bizarra.
A já esperada alta de juros não deve contribuir para a apreciação do real?
O mercado está precificando a taxa de juros perto de 9%. Para que haja efeito da política monetária na moeda precisa de algo além disso, mais rápido ou maior que o precificado na curva. Se o BC fizer um aumento de 125 bps (pontos-base) com tom hawkish (mais rigoroso) na próxima reunião ou até uma alta de 150 bps, pode ser que ajude, mas o mundo inteiro está subindo juros. A política monetária com certeza já não atrapalha, mas ainda não ajuda muito.
Lá fora, os principais bancos centrais já começam a falar de redução de estímulos. Como isso deve afetar os mercados, em especial os emergentes?
O Brasil deve ser mais afetado por problemas internos que externos, mas isso nunca é bom, sempre atrapalha. Se vai ser pouco ou muito depende dos detalhes da condução da política monetária na Europa e nos Estados Unidos, principalmente. Não é o ambiente ideal para ativos no Brasil, mas não acho que vai atrapalhar muito
A desaceleração da China é um problema para a economia brasileira? Como isso afeta os preços das commodities?
No curto prazo, tem uma clara atuação do governo chinês de tolerância zero à covid. Se há um caso em determinada cidade, eles fecham tudo e isso tem impactado os indicadores. Outro ponto é que o governo tem tentado controlar preços de commodities, sobreoferta e poluição. Isso tem efeito relevante para o Brasil e para o mundo.
O minério de ferro tem sido o mais afetado por essa política, mas todo mundo sabia que o nível de preço não ficaria em 200 dólares por tonelada. Aquilo foi uma excrescência de problemas de oferta e demanda daquele momento. No longo prazo, todo mundo tem 70 dólares como referência. A questão é quando vai chegar lá. Isso vai depender das ações da China de investir menos em infraestrutura e privilegiar o consumo interno no país.
Pode ser que o minério de ferro perca importância em relação ao boom da infraestrutura chinês, mas nosso minério é de alta qualidade e vai continuar relevante. Outras coisas como o nióbio e cobre também vão ser importantes com a mudança para a energia limpa.
Talvez não estejamos em um superciclo das commodities, como muitos acreditavam, mas o nível de preço em reais é impressionante e vai continuar alto por algum tempo.
O que isso significa para a ação da Vale?
A ação da Vale (VALE3), que temos e gostamos muito, não vai valer 120 ou 150 reais, mas mais de 100 reais ela vale. Nesse nível [de preços do minério ferro], ela tem uma geração de caixa impressionante, com dividendo que compete com a renda fixa.
Ainda nas commodities, têm as empresas de proteína animal, que se tornaram umas das mais importantes do mundo. Tem muito espaço para o consumo de proteína animal crescer no mundo. As empresas estão melhorando a questão do carbono e metano e investindo em novas tecnologias. A Marfrig (MRFG3) tem dividendos impressionantes.
Com o ESG cada vez mais relevante, qual deve ser o futuro mercado de petróleo e da Petrobras?
Temos política de não investir em estatal. Mas temos visto países tentarem impedir carros de motor à combustão de circular até 2040. Se o Brasil quiser substituir todos os carros por modelos elétricos, precisaria mais do que dobrar sua capacidade de produção de energia, o que não deve ser possível em apenas 20 anos. Então, o petróleo vai ficar conosco por bastante tempo.
Tem que ter preocupações de limpar a matriz energética, mas tem que ser realista. Tem que ter noção de que precisaria de uma rede de energia resiliente e segura -- e isso implica não ser muito limpo. Seguro, em produção de energia, são as térmicas movidas à gás natural ou a petróleo. Não vai ser da noite para o dia que a Petrobras (PETR3/PETR4) ou as distribuidoras de combustível vão deixar de existir.
Essas empresas vão ter que investir em pesquisa. Vão ter casos vencedores e perdedores. Hoje é muito difícil de investir [no setor], porque as mudanças ocorrem de forma muito rápida. O Facebook não existia há vinte anos e virou umas das maiores empresas do mundo. Disrupção é algo importante de pensar quando visamos investimentos de longo prazo, que acreditamos ser a principal forma de gerar valor.