Rial: Americanas é hábil para seguir operando, mas vai precisar de capitalização bilionária
Acionistas de referência são parte da solução, mas não toda a solução, reforçou o executivo, que renunciou ao cargo de CEO da varejista
Raquel Brandão
Publicado em 12 de janeiro de 2023 às 11h23.
Última atualização em 12 de janeiro de 2023 às 13h12.
Para seguir de pé, a Americanas (AMER3) vai precisar de uma capitalização de bilhões de reais. De quanto? Isso ainda não se sabe, pois não é um valor claro, segundo Sérgio Rial, que havia assumido como CEO da empresa há 10 dias e renunciou após uma auditoria preliminar apontar inconsistências financeiras da ordem de R$ 20 bilhões.
O executivo apresentou hoje a analistas e investidores mais detalhes sobre o fato relevante divulgado ontem. Ele e o então CFO, André Covre, que também tinha recém assumido o posto e saiu, estão auxiliando os acionistas de acionistas de referência, os sócios da 3G Capital: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Juntos, os sócios de referência têm pouco mais de 31% do capital total. De todos os três, Sicupira é o mais envolvido com Americanas
Essa capitalização bilionária virá, em parte, do apoio dos sócios da 3G, mas não toda, deixou claro Rial. "Eles são parte da solução, mas não toda a solução", fez questão de reforçar em sua fala. Os três sócios da 3G já entraram, lembrou Rial, com um terço da capitalização de R$ 8 bilhões feita pela empresa em 2020.
Consolidação?
O agora ex-CEO da Americanas não deixou claro se a solução e a capitalização da companhia passam por uma fusão. Entretanto, ficou claro que novos sócios serão necessários, uma vez que o trio da 3G Capital participa, mas não resolve sozinho a situação. Como é tudo muito recente, as portas precisam estar todas abertas e as opções, todas na mesa.
"A necessária infusão de capital vai ser capital por si só ou com algum movimento estratégico, mas aqui tem uma oportunidade de se redesenhar as coisas. Fora o balanço da Americanas, redesenhar algumas coisas do setor", disse Rial. "A empresa é grande o suficiente para poder ser uma peça importante e ser redesenhada."
Ele foi enfático ao falar que o setor vive um excesso de competição e que uma consolidação se mostra necessária, especialmente, para a competição digital. Ele apontou que o crescimento acelerado do negócio, especialmente na frente de internet, fez com que o recurso do risco sacado fosse mais utilizado. "Quando vende mais, usa mais. Quando vende menos, usa menos."
Como fica a Americanas hoje?
Segundo Rial, a empresa é hábil para seguir operando, mesmo com a necessidade de mais capital. A posição de liquidez atual, de R$ 8,6 bilhões em caixa e títulos e valores mobiliários, e o prazo de dívidas, com vencimentos relevantes somente a partir de 2025, dão fôlego à Americanas para honrar compromissos. O executivo também destacou que hoje cerca de 92% do negócio é "covenant free", com o restante sendo do Hortifruti Natural da Terra. "Tudo isso precisará ser visto com calma e com cada particularidade."
"O que temos é uma empresa que está trabalhando bem, crescendo, ganhando mercado", reforçou. "Não vejo impacto de curto prazo no caixa. A não ser que os bancos decidam acelerar a dívida e daí a história é judicializada. Acho que o interesse de todos agora, fora o fígado e a dor de estômago, é ver que essa empresa é viável. Ela poderia perfeitamente gerar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,7 bilhão de Ebitda esse ano."
Além de buscar recursos extras, Rial vê dentro de casa algumas soluções. Uma delas é reduzindo o estoque, hoje na casa de 160 dias. Para o executivo, é possível reduzir para algo em torno de 76 dias de inventário, com redução de produtos eletrônicos, por exemplo, levantando ao menos R$ 1 bi. Além disso, o capex (investimento para comprar, manter ou melhorar seus ativos fixos), de cerca de R$ 2,2 bilhões, deve ser bastante reduzido para algo perto de R$ 800 milhões. "Isso é o que já está nas nossas mãos hoje."
Fora do balanço?
Sobre os R$ 20 bilhões, Rial foi claro, aos investidores, que se trata de uma estimativa. “O que foi possível estimar com o que vimos em nove dias.” Ele destacou que a inconsistência está no registro do “risco sacado”. Trata-se, segundo o executivo, de um terreno pantanoso há anos na contabilidade brasileira.
O risco sacado está relacionado à forma de contabilização do financiamento a fornecedores. “É um problema que está aí, na Americanas, há anos. Não posso garantir há quanto tempo, mas está mais para nove anos do que para três. Não é algo de 2022.”
Rial afirmou que não se trata de números fora do balanço, mas sim de uma forma de contabilizar que terminou por não refletir adequadamente a estrutura de capital da companhia. Na prática, significa que os compromissos financeiros são maiores do que aparentavam.
Sobre isso, inclusive, já foi claro, ao tratar da necessidade de capitalização do negócio, que a Americanas não será capaz de pagar toda a despesa financeira de 2023.
Ainda de acordo com ele, o problema das inconsistências identificadas é que elas não estão no lugar correto no balanço. Os ajustes terão de ser refletidos nas contas de lucros e perdas, bem como impairments ( baixas contábeis) são esperados. Todo esse rebalançamento afetará o patrimônio líquido companhia, que terminou setembro em R$ 14,7 bilhões.
Fraude?
Durante a conversa com investidores, um dos participantes usou a palavra “fraude” ao se referir ao que ocorreu. Mesmo não sendo uma pergunta, Rial fez questão de comentar a escolha do termo: “Não é possível, nesse momento, falar em fraude. Por enquanto, eu falo em erros.” E destacou que as razões para isso foram falhas nos controles internos. "Talvez a capacidade de identificar sinais de problemas não estivesse tão fluida na companhia como deveria.”
A conclusão sobre as motivações para os erros contábeis quem vai obter é o comitê independente que trabalhará no caso. Daí, então, será possível concluir se houve ou não uma fraude. No trio do comitê estará Otávio Yazbek, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Yazbek tem experiência no tema. Ele atuou como representante do Ministério Público Federal (MPF) que acompanhou a formação dos controles do grupo Odebrecht, agora Novonor, após o acordo de leniência fechado pela companhia.
Questionado sobre se podem haver outras inconsistências, de outra ordem, no balanço da companhia, Rial deu uma resposta pouco trivial. “Do que eu vi, nesses dias, não é uma cultura tóxica. Depois, em seguida, detalhou o que isso significa: “Sim, as pessoas recebiam bônus atrelados ao Ebitda. Mas eles eram reinvestidos em ações da companhia. Estamos falando aqui de uma centena de pessoas.” Então, continuou: “Eu sei que, como investidor, você está desapontado. Mas imagine o rosto dessas pessoas me ouvindo. Elas têm 20, 30 anos na empresa e todo seu patrimônio lá investido.”
Escolha de Sofia
Rial buscou deixar clara sua posição diante das inconsistências encontradas. Segundo ele, ao se deparar com os números da auditoria preliminar, ele se encontrou diante de uma "escolha de Sofia". "Eu não tenho obrigação de continuar, mas tenho obrigação moral de continuar apoiando os acionistas. E é o que eu e André vamos fazer a partir de agora. Precisamos que a empresa continue fazendo as coisas bem", disse, reforçando qualidades do negócio, como a capacidade de geração de caixa, a operação do Hortifruti Natural da Terra e da fintech AME.
Portanto, é falsa a afirmação e a interpretação que alguns participantes do mercado têm de que Rial "abandonou" a companhia. Ao contrário, ele está mais envolvido do que nunca. Só que terá de se dedicar integralmente a buscar uma solução. E, enquanto isso, é preciso que alguém dê atenção ao dia-a-dia dos negócios. Para isso, foi escolhido João Guerra, que tem mais de 25 anos de casa. Ele fica interinamente como CEO.