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Reescalando a montanha da dívida chinesa

MONTREAL — Existe um amplo consenso sobre dois fatos relativos à economia chinesa. O primeiro é que a fase de desaceleração acabou e o crescimento está sendo retomado. O segundo é que nem tudo está bem financeiramente. Não há concordância, porém, sobre o que poderá vir depois disso. A boa notícia é que a demanda […]

IUANE: desvalorização da moeda chinesa pode não só precipitar uma desestabilizante espiral de fuga de capital, como também desequilibrar os bancos / Frederic J. Brown / Getty Images (Frederic J. Brown / Getty Images/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2016 às 11h16.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

MONTREAL — Existe um amplo consenso sobre dois fatos relativos à economia chinesa. O primeiro é que a fase de desaceleração acabou e o crescimento está sendo retomado. O segundo é que nem tudo está bem financeiramente. Não há concordância, porém, sobre o que poderá vir depois disso.

A boa notícia é que a demanda interna continua a crescer. As vendas de automóveis subiram quase 10% em março, em comparação com o mesmo período de 2015, e o consumo no varejo cresceu a uma taxa anual de 10% no primeiro trimestre deste ano. O aumento mais significativo, contudo, diz respeito ao investimento. Após o colapso em 2015, o investimento imobiliário está de novo crescendo, e o investimento industrial, sobretudo o das empresas estatais, está voltando com força.

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Na raiz dessa inversão de rota está uma forte expansão do crédito, devido ao fato de que as autoridades, preocupadas com a excessiva retração anterior, encorajaram os bancos da China a emprestar. O crescimento do crédito, conhecido na China como “financiamento social total”, evoluiu a uma taxa anual de 13% no quatro trimestre de 2015 e novamente no primeiro trimestre deste ano — ou seja, o dobro da taxa anual de crescimento do PIB. Desde a eclosão da crise financeira de 2008, o aumento do crédito tem sido mais rápido na China do que em qualquer outro país do mundo. De fato, é difícil encontrar na história outro registro de expansão do crédito dessa magnitude.

A má notícia é que booms de crédito raramente acabam bem, como nos lembram os economistas Moritz Schularick e Alan Taylor. O tsunami do crédito chinês está financiando investimentos nos setores de aço e imobiliário, cujos mercados já estão sobrecarregados pelo excesso de capacidade produtiva. Em outras palavras, as empresas que estão contraindo empréstimos são justamente as que têm menos condição de pagamento.

O Fundo Monetário Internacional, que tende a adotar uma postura conservadora em relação a questões como essas (principalmente para evitar inimizades com governos poderosos), estima que 15% dos empréstimos chineses para empresas não financeiras sejam de risco. Como a dívida das empresas não financeiras atualmente responde por 150% do PIB, o valor contábil dos empréstimos de risco poderá representar um quarto da renda nacional.

Ainda é possível vender os apartamentos desocupados por uma fração de seu custo de construção ou então vender maquinário de laminação para outros países (ou como sucata). Mas os setores em que se concentram os empréstimos de risco — aço, mineração e imóveis — sugerem que as perdas serão substanciais.

Isso explica por que a solução aparentemente indolor de converter swaps de dívida em capital não será de modo algum indolor. É verdade que os empréstimos a maus pagadores podem ser comprados por empresas de gestão de ativos, que vão empacotá-los e vendê-los a outros investidores. Mas, se os gestores de ativos pagarem o valor contábil total por tais empréstimos, vão incorrer em perdas e, no final, caberá ao governo pagar a fatura. Se, no entanto, eles pagarem somente o valor de mercado, serão os bancos que sofrerão perdas, e o governo terá de sanear o balanço deles.

Assim, restam três opções possíveis, porém indigestas. No primeiro caso, as autoridades podem emitir títulos de crédito para levantar os fundos necessários para recapitalizar os bancos. Ao fazer isso, acabariam transformando o problema da dívida corporativa num problema de dívida pública. Isso faria recair os encargos financeiros diretamente sobre os ombros dos contribuintes futuros, minando a confiança do consumidor.

Isso também minaria a confiança nas finanças públicas. A dívida pública chinesa ainda é relativamente baixa, mas, como qualquer cidadão da Irlanda diria, poderá aumentar se houver uma crise no setor bancário.

Como alternativa, o banco central poderia financiar o saneamento concedendo mais crédito. Porém, embora as autoridades tenham recorrido a essa estratégia em 1999 — última vez em que enfrentaram um sério problema de empréstimos não pagos —, imprimir mais dinheiro não é uma solução compatível com o outro objetivo estabelecido: manter a taxa de câmbio estável. Vimos em agosto passado como os investidores podem entrar em pânico quando a taxa de câmbio do iuane varia inesperadamente. A desvalorização da moeda pode não só precipitar uma desestabilizante espiral de fuga de capital como também desequilibrar os bancos, cujo dinheiro é o primeiro a deixar o país na forma de saques.

A última opção consiste em imaginar que o problema dos empréstimos a maus pagadores se resolverá sozinho. Os bancos seriam encorajados a prolongar os empréstimos, arrolando-os quando chegasse a data de vencimento. Desse modo, seria mantida a ficção de que os bancos têm bons níveis de capitalização — e os devedores que precisam ser liquidados ou reorganizados restariam vivos graças ao gotejamento do empréstimo bancário. O resultado soaria familiar aos aficionados da crise bancária no Japão: bancos zumbis emprestando a empresas zumbis, as quais exercem uma pressão artificial sobre empresas saudáveis, asfixiando o crescimento delas.

Financiar a recapitalização dos bancos por meio da emissão de títulos é provavelmente a opção menos prejudicial. O que não quer dizer que será indolor. Por enquanto não há nenhuma garantia de que os políticos chineses vão optar por esse caminho, porém, se não o fizerem, as consequências poderão ser catastróficas.

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