PROTESTO CONTRA O GOLDMAN SACHS: os seis maiores bancos americanos ganharam 280 bi de valor de mercado com Trump / Drew Angerer/ Getty Images
Da Redação
Publicado em 21 de fevereiro de 2017 às 18h07.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
David Cohen
Ninguém está dizendo que haverá tráfico de influência no governo Donald Trump, mas as ações do banco de investimentos Goldman Sachs subiram 1,3% na quarta-feira, dia 15, levando-o a um valor de mercado acima dos 100 bilhões de dólares pela primeira vez em seus 148 anos de existência.
A maioria dos bancos ficou mais rica desde a eleição de Trump – o valor de mercado dos seis maiores cresceu em 280 bilhões de dólares. Mas, em termos relativos, ninguém disparou tanto quanto o Goldman: suas ações subiram 37%, um ganho de quase 30 bilhões de dólares.
O principal motivo é que o governo Trump sinaliza com regulamentação mais branda, corte de impostos, juros mais altos e mais gastos públicos, uma combinação poderosa para os balanços das empresas financeiras. Historicamente, o Goldman se beneficia mais que os rivais de mercados de capital vigorosos e regras de comércio mais brandas.
Mas também não atrapalha em nada o fato de o novo presidente ter recheado seu governo com ex-executivos do banco. Até o momento são quatro, tendendo a cinco: o chefe do Conselho Econômico Nacional, Gary Cohn, que veio direto de seu cargo como presidente do Goldman, e já havia sido cotado para ser o próximo CEO; o estrategista chefe Steve Bannon, provavelmente o mais próximo conselheiro de Trump; o empresário Steven Mnuchin, ex-sócio do Goldman, que foi confirmado secretário do Tesouro; Dina Powell, conselheira para iniciativas econômicas, que dirigia a divisão filantrópica do banco; e Jim Donovan, um “forte candidato” a servir como braço direito de Mnuchin no Tesouro.
Retificando a nossa primeira frase: há, sim, quem tema o tráfico de influência. Em uma carta ao executivo-chefe da Goldman, os senadores democratas Elizabeth Warren e Tammy Baldwin questionaram se houve comunicação entre o banco e a Casa Branca antes de o presidente Trump assinar dois decretos: um que promete suavizar as regras Dodd Frank, aprovadas na esteira da crise econômica para coibir excessos do mercado financeiro, e outro que elimina um acréscimo de garantias das firmas de investimentos de que “agem no melhor interesse de seus clientes”. Quando Trump assinou esses decretos, logo atrás dele estava Cohn, seu chefe de conselho econômico.
O mais curioso – ou mais deprimente, dependendo de suas preferências políticas – é que durante a campanha Trump atacou Hillary Clinton por ter ganhado muito dinheiro dando palestras para grandes empresas, especialmente grandes bancos, especialmente o Goldman Sachs. Não é que ele apenas moldou sua retórica para se apresentar como um “estrangeiro” contra a elite corrupta de Wall Street. Trump prometeu “secar o pântano” cortando os laços entre o centro financeiro dos Estados Unidos e Washington, e no final da campanha usou uma imagem do CEO do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, como símbolo de uma condenável “estrutura de poder global”.
Para os brasileiros um pouco mais velhos, isso lembra um pouco o final da campanha presidencial de 1989, quando Fernando Collor acusou Lula de planejar sequestrar a poupança dos cidadãos… para depois de eleito tomar exatamente essa medida.
No final de janeiro, sob pressão para evitar conflito de interesses em seu governo, Trump assinou decretos que impedem funcionários de sua administração de tomar decisões “direta e substancialmente relacionadas” a empresas em que atuaram durante dois anos. Isso não foi suficiente para acalmar críticos, nem para arrefecer os ânimos de quem considera que ex-funcionários do mercado financeiro atuarão de forma favorável ao mercado financeiro.
Do lado crítico, a senadora Elizabeth Warren afirmou que o Goldman Sachs estava no coração da ciranda que levou à crise financeira recente. “A ideia de que o presidente vai agora entregar a política econômica a um executivo graduado do Goldman revira meu estômago.” Mnuchin, o novo secretário do Tesouro, já se declarou favorável a reformar a legislação Volcker, que impede grandes bancos como o Goldman Sachs de fazer apostas de risco com dinheiro próprio.
Do lado dos investidores otimistas, a valorização do Goldman Sachs ajuda a explicar por que o índice Dow Jones da Bolsa de Valores atingiu o recorde de 20.000 pontos. A alta em seus papéis responde por 21% dos pontos extras do Dow Jones, porque as ações do Goldman são caras (e o índice pondera o preço das ações).
A influência do Goldman
Com todo esse impulso, as ações do Goldman estão apenas um pouco acima do nível de 2007, pré-crise. O setor financeiro americano como um todo teve o seu longo período de seca: as margens de lucro definharam porque os juros permaneceram próximos de zero e o governo impôs novas restrições aos empréstimos, especialmente à alavancagem dos bancos, obrigando-os a reduzir seus riscos.
A previsão dos investidores que fez as ações subirem é que, com as propostas de obras de infra-estrutura de Trump, os gastos do governo elevem a inflação, obrigando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) a elevar os juros.
Por incrível que pareça, Trump não havia se dado conta dessa lógica. Segundo uma reportagem de Kate Kelly, do The New York Times, poucas semanas depois das eleições Gary Cohn, então ainda presidente do Goldman Sachs, foi chamado para uma conversa na Trump Tower, em Nova York. Entre outras coisas, ele opinou que o governo precisaria de parceiros privados para tocar as obras propostas por Trump, para evitar que o governo afundasse em custos.
Em meio a vários membros de sua equipe econômica (incluindo seu genro, Jared Kushner, seu estrategista chefe, Stephen Bannon, e seu principal arrecadador de fundos para a campanha, Mnuchin, na época ainda não indicado para secretário do Tesouro), Trump, segundo o jornal, se revelou surpreso com a afirmação e perguntou por que ninguém lhe havia dito isso antes.
Nos meses seguintes, a influência de Cohn só cresceu, a ponto de ele renunciar a seu cargo no Goldman para assumir seu posto na Casa Branca. Para fazê-lo, teve de vender ou abdicar de uma grande quantidade de ações que tinha no banco. Em compensação, saiu com um pacote de 285 milhões de dólares.
Embora a quantidade de gente formada no Goldman Sachs no atual governo chame a atenção, o fato está longe de ser inédito. Hank Paulson, ex-CEO do banco, foi secretário do Tesouro do governo George W. Bush; antes dele, Robert Rubin, que foi co-presidente do Goldman de 1990 a 1992, também havia servido como secretário do Tesouro, no governo Bill Clinton. Não é por nada que alguns analistas chamam o banco de Government Sachs.
Apesar da natural desconfiança que a presença do pessoal do Goldman no governo suscita, muitos ex-sócios já tiveram histórico de absoluta imparcialidade quando serviram ao governo. Alguns deles, inclusive, com duras medidas reguladoras.
A presença de Cohn, especialmente, pode representar um bem-vindo esforço rumo ao equilíbrio na tendência protecionista de Trump. Simpatizante do Partido Democrata, ele é um contraponto ao radicalismo de outro ex-Goldman, Steve Bannon.
Até o Goldman critica Trump
O fato de o Goldman Sachs ter se beneficiado tanto da eleição de Donald Trump tampouco significa que o banco esteja assim tão alinhado com o governo. No último dia 13, uma nota do Goldman Sachs afirmou que, segundo suas simulações, as políticas defendidas por Trump podem dar um ligeiro impulso à economia americana em 2017 e 2018, mas provavelmente serão um peso para o crescimento dali em diante, caso as restrições ao comércio e à imigração sejam implementadas.
Não é que as duas tendências se anulem. A queda, diz o banco, será bem mais significativa do que a alta que a preceda.
“A imigração contribui com 0,4 ponto percentual do aumento da população americana, e com a maior parte do projetado aumento potencial da força de trabalho, de cerca de 0,5%”, disse o comunicado. “Nós acreditamos ser plausível que uma aplicação de retrições maiores à imigração reduzam essa entrada substancialmente nos próximos anos.”
As advertências do Goldman Sachs ecoam o alerta do Citibank, para quem “o aumento no protecionismo pode ter um enorme efeito adverso no crescimento”. Além das perdas com o aumento de custos comerciais, o Citi julga que medidas de retaliação dos outros países e o aumento da incerteza podem erodir a confiança das empresas, levando-as a reduzir seus investimentos.
É possível que, com tanta gente do Goldman agora atuando no círculo íntimo do presidente, a filosofia de mercado do banco predomine nas políticas do governo. Mas a verdade é que, Trump sendo Trump, nunca se sabe.