Invest

Queremos atuar com vários estratos da população, diz CEO da MRV

Eduardo Fischer, CEO da maior incorporadora do país, diz que a alta da taxa Selic não deve afetar custo competitivo do crédito habitacional: 'estamos pisando no acelerador'

'O setor poderia estar mais aquecido se o crédito fosse mais barato', diz Eduardo Fischer, CEO da MRV | Foto: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

'O setor poderia estar mais aquecido se o crédito fosse mais barato', diz Eduardo Fischer, CEO da MRV | Foto: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 22 de agosto de 2021 às 07h00.

Última atualização em 22 de agosto de 2021 às 10h41.

A elevação da taxa básica de juros, a Selic, não será suficiente para afetar o custo competitivo do crédito. É o que afirma Eduardo Fischer, CEO da MRV (MRVE3), a maior incorporadora do país, com foco no segmento econômico.

Nesse cenário, a MRV está colocando o pé no acelerador, nas palavras do próprio executivo. E vem colhendo resultados. A empresa anunciou que o lucro do segundo trimestre do ano somou 203 milhões de reais, com crescimento de 86% em relação ao mesmo período de 2020 e de 48,5% na comparação com os três primeiros meses deste ano.

Mas há outro fator que também preocupa: o aumento intenso dos custos da construção, que chegou a 17,35% nos 12 meses até julho, na medição do INCC (Índice Nacional de Custos da Construção), da FGV. "É algo que ao longo dos meus 28 anos de carreira eu nunca tinha visto. A consequência é que o imóvel vai ficar mais caro. Já está", disse Fisher em entrevista à EXAME Invest.

Para não ficar refém da disparada dos custos dos insumos, que pressiona as margens da operação, a MRV tem diversificado suas receitas para além da venda de imóveis no segmento econômico.

A incorporadora lançou no começo do ano a Sensia, voltada para consumidores com renda familiar entre R$ 7.000 e R$ 11.000. "Esse público está mantendo o mercado aquecido, pois tem mais conhecimento, renda formal mais forte e faz contas. Ele verifica que o financiamento ainda está barato, que o preço do imóvel vai subir e compra agora."

O executivo comentou ainda os resultados e as perspectivas para outras empresas do grupo, como a startup Luggo, que atua no segmento de locação em um modelo verticalizado; e a Urba, de loteamentos residenciais.

Veja abaixo a entrevista completa concedida por Eduardo Fischer à EXAME Invest:

Nos últimos 12 meses, os imóveis no Brasil ficaram em média 5% mais caros, e uma das razões é a inflação dos custos da construção. Como a MRV está repassando a alta dos insumos aos clientes?

O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) subiu 17,35% nos últimos 12 meses, algo que ao longo dos meus 28 anos de carreira eu nunca tinha visto. A consequência é que o imóvel vai ficar mais caro. Já está.

Para incorporadoras que atuam na alta renda há uma maior facilidade para repassar preços porque o cliente tem elasticidade de renda, mas, na baixa renda, em que atuamos, isso é um desafio. E nós vendemos primeiro para depois construir. Na hora em que o custo aparece, a venda já foi feita. As margens do negócio começam a ser pressionadas.

Não tem escapatória: a matriz de custo mudou. Nos últimos dois meses, repassamos, em média, 6% de aumento. Na Sensia consigo subir mais o preço.

Como a MRV avalia a alta da Selic e seu efeito no crédito imobiliário?

Nós temos um problema de crédito para resolver. A maioria das pessoas não compra imóvel sem crédito, independentemente da renda. Mesmo o público de média e alta renda utiliza o financiamento. O setor poderia estar mais aquecido se o crédito fosse mais barato.

Se o país tiver competência, podemos cobrar na modalidade juros de 6% a 7% ao ano. No Brasil, o crédito sobre o PIB atinge 8%. Nos Estados Unidos, são 80%. Tem muito espaço para crescer.

Entendo que o banco precisa olhar para o risco do crédito no país em 30 anos, o que é difícil de prever. Mas sabemos que o cliente imobiliário é muito importante para o banco, pois gera o dobro de produtos em média em comparação aos que não têm financiamento na instituição financeira.

A inflação, agora, é preocupante. Estamos vivendo um momento tumultuado e a eleição no ano que vem tem tudo para ser tumultuada também. A reforma Trabalhista e da Previdência não saíram como deveria, mas passos foram dados, especialmente em relação ao teto de gastos. Esse cenário traz mais equilíbrio e deixa a Selic mais comportada.

Acredito que a alta da taxa básica de juros não é suficiente para afetar o ano e o custo competitivo do crédito. Estamos em um bom caminho para manter o crédito mais barato.

Mas a taxa de juros mais baixa não resolve plenamente o problema. O mutuário tem de ter capacidade de pagamento.

Qual a perspectiva para a MRV neste ano? O setor projeta 30% de crescimento.

Estamos pisando no acelerador, explorando o grande déficit de habitação no país. Queremos atuar em diferentes estratos da população. Hoje, na altíssima renda, a demanda é igual à oferta. Mas, para baixo, tem espaço.

E é neste espaço que a nossa nova incorporadora, a Sensia, vai crescer. Já lançamos um empreendimento de R$ 420 mil com a nova marca em Campinas, em fevereiro; dois em Maceió e lançaremos mais três empreendimentos neste mês de agosto em Belo Horizonte. A demanda continua forte para imóveis entre R$ 300 mil e R$ 500 mil.

Esse público, que tem renda familiar de R$ 7.000 a R$ 11.000, está mantendo o mercado aquecido, pois tem mais conhecimento, renda formal mais forte e faz contas. Ele verifica que o financiamento ainda está barato, que o preço do imóvel vai subir e compra agora. É um bom momento para o setor e vislumbro que permanecerá sendo.

Na MRV vendemos de 4.000 a 5.000 unidades por mês. Estamos no melhor mercado do mundo, do qual não gostaríamos nunca de sair. Além de ser um dos maiores mercados imobiliários do mundo, o déficit de habitação no Brasil é enorme e cresce a cada ano.

O que o torna ainda mais atrativo é sua característica local. Não vemos ninguém importando casas. Mesmo que importe, terá de enfrentar a burocracia de prefeituras e cartórios. Uma grande empresa mexicana tentou se instalar no país em 2020, era a maior do México. Não foi bem-sucedida.

A Urba, empresa de loteamentos da MRV, vem registrando bons resultados com os efeitos da pandemia?

Antes da pandemia observávamos no mercado uma tendência de encolhimento de imóveis. Aí a pandemia explodiu e a lógica se inverteu. A casa entrou no foco. Foi um ótimo cenário para a nossa unidade de loteamentos. Ela tem foco no público mais econômico, vende imóveis entre R$ 70 mil e R$ 90 mil. Tudo o que colocamos no mercado está sendo vendido.

Há um boom de imóveis no interior de São Paulo, em cidades como Araraquara, Ribeirão Preto e Campinas. Essas casas já eram sonho de muita gente, mas a pandemia acelerou o fenômeno.

É nosso negócio que teve o maior crescimento recente, mas é o menor também. Mas sem dúvida tem potencial para crescer mais.

Que mudança de comportamento está por trás do conceito da Luggo, a startup da MRV?

Os clientes da MRV têm cerca de 29 anos. Mas eu tenho um filho de 20 anos que já não quer ter um carro. Será que ele vai querer comprar uma casa em dez anos?

O imóvel tem um aspecto de investimento. Mas quem ainda não se casou, ou está casado mas não tem filhos, pode mudar ainda de cidade e quer ter uma boa experiência de morar. Pode se interessar por alugar um carro, móveis, internet e ter a comodidade de dispor de serviços no térreo do empreendimento. É o que a Luggo proporciona.

Hoje o mercado de aluguel no país é muito fragmentado. O investidor compra um apartamento e o coloca para alugar. Neste cenário vemos o mercado impulsionado pela startup ganhar vida. Optamos por construir o empreendimento já pensando no aluguel, com todas as comodidades.

Além de um profissional dedicado a atender as demandas dos locatários, o empreendimento oferece serviços como lavanderia e mercado. Também promove atividades semanais em grupo para engajar a comunidade, como pizza na quinta e chope na sexta.

Vemos já outros movimentos semelhantes ao da Luggo, mas eles ainda estão limitados à alta renda ou à ocupação estudantil. E nós temos a vantagem competitiva de ter um modelo vertical. Somos uma incorporadora: compramos o terreno, desenvolvemos e construímos o empreendimento. Entregamos, alugamos e vendemos para o nosso fundo imobiliário listado na bolsa de valores (LUGG11), já performado. Dessa forma, otimizamos custos.

Como resultado, a Luggo vem mantendo sua expansão. Enquanto seu grau de ocupação é alto (97%), a rotatividade é baixa (4,49%). Os locatários dos empreendimentos estão dispostos a pagar de 10% a 15% a mais pelo aluguel do que pagariam no entorno em um imóvel sem as comodidades oferecidas.

Qual a sinergia da Luggo com o grupo?

No período de aluguel, a construtora consegue conhecer os locatários profundamente. E isso é valioso porque em dois ou quatro anos ele pode decidir comprar um imóvel. Até lá sei o quanto gasta na loja de conveniência, na lavanderia, com aluguel de carros e de quantas vagas de garagem precisa.

Os clientes da Luggo gastam R$ 180 por mês em diferentes compras dentro do empreendimento. A monetização de serviços vai para o fundo, mas os dados, que são valiosos, levamos para dentro da MRV. Conseguimos ver que os hábitos estão mudando, otimizar nossos futuros empreendimentos e buscar alternativas de uso que atendam mais os nossos clientes. Trocar, por exemplo, uma área de lazer extensa por um coworking nos próximos anos.

Estamos atento às mudanças de hábito. Mas a legislação também tem de acompanhar esse movimento. Caso contrário, ficamos reféns. Poderíamos já otimizar os nossos empreendimentos, colocando mais apartamentos ou alternativa de uso melhor para os moradores, mas são poucas as cidades que não nos obrigam a fazer uma vaga de garagem por apartamento. São Paulo é uma das cidades pioneiras.

Isso é muito importante porque há uma limitação no bolso do nosso público. Conversamos com clientes e eles apontam que muita coisa no empreendimento só aumenta o custo: a maioria não usa e custa caro para manter. Talvez valha a pena substituir a sala de pilates por um coworking no térreo, sem mexer no tamanho apartamento.

O mercado imobiliário busca um relacionamento maior com os clientes no pós-venda. O que a MRV tem feito neste sentido?

A partir do momento em que o cliente recebe as chaves atualmente, dali em diante, o relacionamento é ruim: somente somos procurados por causa de problemas. Não é construtivo quando ele irá ficar com o nosso produto por 30 anos. Então precisamos construir algo para estender esse relacionamento. Dar serviços e descontos que ele não teria.

Entregamos 50 mil apartamentos por ano. São cerca de 3 pessoas por apartamento, o que constitui um público de 150 mil consumidores potenciais. Podemos monetizar isso no futuro construindo uma comunidade para conectar profissionais autônomos e empreendedores a clientes, ajudá-los a vender serviços nos empreendimentos.

Acompanhe tudo sobre:AçõesConstrutorasEntrevistasGuia de Açõesguia-de-imoveisImóveisMRVMRVE3

Mais de Invest

Lucro do Itaú alcança R$ 10,6 bilhões no 3º trimestre e tem alta de 18,1%

O "grande risco" para o mercado em um eventual governo Trump, segundo Paulo Miguel, da Julius Baer

BC lança Pix por aproximação a partir da carteira digital do Google; veja como vai funcionar

Petrobras volta à carteira do BTG Pactual com foco em possível aumento de dividendos