CVM discute mudança que pode beneficiar acionistas minoritários
Empresas de capital aberto podem ser obrigadas a comunicar disputas societárias. Processos hoje correm em sigilo, ainda que tenham grande impacto sobre preço das ações
Bianca Alvarenga
Publicado em 2 de março de 2021 às 06h28.
As regras que regem o mercado financeiro obrigam as empresas de capital aberto a comunicar seus acionistas toda vez que um evento importante ocorre. Qualquer mudança que possa mexer com o preço das ações dessas empresas deve ser informada ao mercado, para que até os acionistas minoritários possam ter clareza sobre o futuro da empresa.
Algumas situações, no entanto, fogem das normas de obrigatoriedade. Conflitos entre os sócios tratados na arbitragem não precisam ser comunicados ao mercado, o que costuma deixar os investidores da bolsa no escuro. Disputas entre os principais controladores, por exemplo, acontecem de forma confidencial, mas podem ter impactos bastante significativos sobre os papeis da empresa.
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A Comissão de Valores Monetários (CVM) discute se questões de arbitragem que envolvem empresas de capital aberto devem ser comunicadas a todos os investidores. A mudança foi provocada por um relatório produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o mercado de capitais brasileiro.
A alteração em debate é sobre a Instrução CVM 480, de 2009, que trata da comunicação de empresas listadas em bolsa com o mercado. A autarquia ouvirá advogados e participantes do setor financeiro até abril, quando decidirá o que acolher para mudar ou não a regra.
"Se aprovada, a alteração proposta pela CVM determinará que as empresas comuniquem a abertura de eventuais demandas societárias, quais os fatos contestados, o valor da causa e como andam as decisões judiciais sobre o processo", explica Ivo Bari, sócio do escritório BVZ Advogados.
Existem três tipos principais de demandas societárias. A primeira é a chamada invalidade de deliberação de acionistas, que ocorre quando um acionista minoritário tenta impugnar alguma nomeação feita por um controlador por entender, por exemplo, que houve conflito de interesse na decisão.
A segunda é o questionamento da responsabilidade do administrador da empresa, caso haja alguma violação de deveres fiduciários, de diligência ou de lealdalde. Por fim, há ainda o questionamento da responsabilidade do controlador, que ocorre quando os acionistas minoritários entram com uma ação contra o acionista principal, em razão de alguma decisão controversa.
São situações bastante comuns no mercado de capitais brasileiro. A questão é que esses debates judiciais acontecem em sigilo completo, o que deixa somente os participantes das ações cientes do que está acontecendo.
"Muitos riscos reputacionais acabam ficando acobertados pelo sigilo da arbitragem, e ninguém fica sabendo. Além de ajudar os investidores a tomarem melhores decisões de compra e venda de ativos, a mudança pode ajudar na coordenação dos investidores minoritários", explica Bari, do BVZ Advogados.
Ele diz que muitas ações são iniciadas por um único investidor minoritário, que geralmente tem capacidade financeira limitada para brigar com sócios majoritários. Se a mudança na Instrução 480 for aprovada, podemos ver mais arbitragens com multi-autores.
Casos famosos de arbitragem no mercado de capitais
A recente indicação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência da Petrobras pode ser base para ações judiciais de investidores minoritários contra a empresa. A decisão tomada pelo governo federal, que é o acionista controlador da empresa, fez com que as ações da petroleira despencassem na bolsa de valores brasileira e nos Estados Unidos.
Embora não haja nenhuma disputa publicamente conhecida sobre o assunto, existem outras situações de empresas que passaram por grandes brigas entre sócios. Um dos exemplos mais famosos foi a ação de um acionista minoritário da Braskem contra os controladores da empresa, o grupo Odebrecht, em razão do envolvimento da petroquímica em episódios de corrupção.
O processo está correndo em arbitragem e, por ser sigiloso, não é possível saber o possível impacto financeiro e reputacional sobre a Braskem.