Contestação não deve ter forte impacto no mercado, diz Daniel Utsch
Gestor não vê “cenário binário” e acredita que tanto Joe Biden quanto Donald Trump têm potencial de impulsionar bolsas — ou de derrubá-las
Guilherme Guilherme
Publicado em 4 de novembro de 2020 às 18h04.
Última atualização em 4 de novembro de 2020 às 19h08.
A contagem dos votos das eleições americanas chega às suas primeiras 24 horas na noite desta quarta-feira, 4, ainda sem definição sobre quem irá governar os Estados Unidos nos próximos quatro anos. Em meio a uma disputa muito mais acirrada do que previam as pesquisas, Daniel Utsch, gestor do fundo Fator Sinergia, da Fator Administração de Recursos (FAR), traça possíveis cenários em caso de vitória de Donald Trump ou Joe Biden .
Em entrevista à EXAME, o gestor, cujo fundo de ações acumula alta de mais de 25 pontos percentuais acima do Ibovespa no ano, disse não esperar efeitos catastróficos para as bolsas, caso Trump conteste o resultado das eleições na Suprema Corte. “É negativo, mas não a ponto de impactar fortemente o mercado. Depois de um tempo, ele vai aceitar a derrota e declarar o Biden vencedor [ caso perca ]”, afirma.
Daniel Utsch também comenta que uma eventual vitória de Biden tenderia a beneficiar mercados emergentes, enquanto um Trump vitorioso favoreceria a bolsa americana. “O Trump é mais associado a um dólar forte por levar recursos para os Estados Unidos, reduzir tributação e fazer com que empresas tenham crescimento e rentabilidade a ponto de fazer os investidores irem mais para lá do que para outros lugares.” Mas, segundo ele, não existe “cenário binário”. “Mais importante que o resultado é qual vai ser o comportamento do presidente depois de vencer. Enxergamos cenários positivos ou negativos para ambos”
Confira a entrevista.
EXAME: qual presidente deve ser melhor para os mercados?
Daniel Utsch: Trump é mais associado a um dólar forte por levar recursos para os Estados Unidos, reduzir tributação e fazer com que empresas tenham crescimento e rentabilidade a ponto de fazer os investidores irem mais para lá do que para outros lugares. Já o Biden pode ser muito mais positivo para as bolsas emergentes. Mas tudo isso é uma conjuntura. Não existe cenário binário.
Como Biden ou Trump poderiam favorecer os mercados?
Mais importante do que o resultado é qual vai ser o comportamento do presidente depois de vencer. Enxergamos cenários positivos ou negativos para ambos. Pode ter um Trump que mantenha redução de tributação, pegue mais leve com a guerra comercial, dê menos peso para as disputas com minorias, consiga articular melhor com o Congresso e seja favorável a um pacote de estímulo. Esse Trump, certamente, seria positivo para o mercado da mesma forma que se tiver um Biden que fortaleça as relações comerciais, não reverta os cortes de impostos e consiga aprovar um pacote de estímulo. Isso vai nortear muito mais do que olhar a votação e associar com o movimento do S&P. A tendência é olhar mais o que estão falando os candidatos e como vai ser feito o que estão vendendo.
O efeito da demora para a finalização da contagem acaba pesando negativamente?
Não acho que represente um nível de risco tão alto, ainda que a demora para a apuração dos votos talvez atrase a agenda no Congresso. Há um número muito grande de votos por correio, questão de votos antecipados que chegariam depois. Se esse impasse perdurar pode ser um problema. Mas não acredito que seja um problema bastante pesado para o mercado. Porém, caminhamos para um cenário de vitória muito apertada e isso estimula a possibilidade de haver contestação.
O próprio Trump chegou a dizer de madrugada que levaria a disputa à Suprema Corte. Esse seria o pior dos mundos mesmo?
Os discursos de Trump variam muito. Nos discursos da manhã de ontem, 3, o tom era de aceitação da derrota, bem mais brando. Mas a partir de quando viu que o resultado foi muito melhor do que indicavam as pesquisas, ele mudou de tom e voltou a ficar mais aguerrido. Não sei se isso terá muita entrada para discussão. É negativo, mas não a ponto de impactar fortemente o mercado. Depois de um tempo, ele vai aceitar a derrota e declarar o Biden vencedor [ caso perca ]. E as coisas caminhariam.
Algum setor da bolsa brasileira poderia se beneficiar mais, caso um ou outro candidato vença as eleições?
Se o mercado se favorecer o desfavorecer de maneira geral impacta todo mundo. O impacto relevante é no câmbio. Com Trump ganhando, o dólar deve ficar muito forte, o que deve causar um pouco mais de pressão inflacionária [ no Brasil ] e impactar os setores domésticos. Por outro lado, os setores de commodities e com alta exposição cambial se beneficiariam. Se for o Biden e ele enfraquecer o dólar, o cenário seria o oposto. Mas há inúmeras variáveis. Não é que, se Trump ganhar, o dólar sobe 10% de uma vez. Parte muito grande já está precificada. Agora, o efeito em setores específicos fica mais difícil de prever. Biden tende a ser mais positivo para a infraestrutura, construção civil, enquanto um cenário com Trump pode favorecer empresas de tecnologia, já que Biden é pró-acirramento da regulação. Nos Estados Unidos essas teorias ainda fazem algum sentido, não no Brasil.
A vitória de Biden poderia derrubar o preço do petróleo ou diminuir a dinâmica dessa indústria?
O petróleo, diferentemente das commodities metálicas e agrícolas, corresponde muito à demanda global, por isso caiu tanto com a covid e tem tido dificuldade para se recuperar. Quando se fala em impacto no petróleo, se fala em impacto na economia global como um todo. Fica difícil colocar Biden e Trump de maneira diferente. Alguns analistas falam, mas não consigo cravar, que o Trump seria mais favorável à indústria de óleo e gás americana. Com o petróleo brent a 40 dólares, tem muitas empresas da cadeia de gás de xisto sofrendo [ nos Estados Unidos ], com movimentos de recuperação judicial. O Trump é pró-salvamento do setor, ao passo que o Biden, até pela bandeira ambientalista, não.
Com Biden, o tema ESG ganha tração no mercado?
Sem dúvida, o tema ganha tração com a vitória de Biden. É uma bandeira forte de Biden e não é do Trump. Ele até “atuou” no sentido contrário, abandonando o Acordo de Paris.