Bolha, estagflação ou cachinhos dourados? Quatro cenários para os mercados
Investidores parecem divididos entre a esperança de que as ações continuem subindo e o medo de uma desaceleração acompanhada de um surto inflacionário
Carlo Cauti
Publicado em 5 de outubro de 2021 às 13h44.
O vento no mercado parece estar mudando e está deixando muitos investidores sem saber o que fazer.
As forças que pressionaram ações e títulos para o alto, batendo recordes após recordes, parecem estar se tornando mais frágeis.
Os efeitos do novo coronavírus (covid-19), que ainda não acabaram, as tensões cada vez mais preocupantes entre os Estados Unidos e a China e a mudança de rumo da política monetária de muitos bancos centrais mundo afora estão deixando muita gente preocupada nos mercados.
Não por acaso, nas últimas semanas iniciou-se um intenso debate entre operadores, economistas e gestores de fundos sobre o futuro do crescimento mundial e sobre as possíveis respostas dos mercados ao comportamento de autoridades monetárias, governos e vírus.
Essa situação levou, na semana passada, a pesadas perdas em Wall Street e no resto do mundo.
Além disso, foi registrado um aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA com vencimento em 10 anos. Um sinal clássico de estresse nos mercados.
Os investidores parecem divididos entre a esperança de que as ações continuem subindo e o medo de uma desaceleração acompanhada de um surto inflacionário.
A última pesquisa realizada pelo Bank of America Merrill Lynch com gestores de fundos mostra claramente esses sentimentos.
Em setembro, as previsões de crescimento econômico dos 232 gestores que participaram da pesquisa eram as mais pessimistas dos últimos 12 meses.
No entanto esses “senhores do dinheiro”, que controlam juntos mais de US$ 800 bilhões (cerca de R$ 4,5 trilhões), mantiveram a convicção de que as ações são o melhor investimento possível e que os títulos da dívida pública não rendem o suficiente para justificar um aumento das posições.
Aparentemente, em Wall Street todo o mundo continua “apaixonado” por TINA, o acrônimo para There Is No Alternative (Não há alternativa, na tradução em português).
Aparentemente, o consenso é que não há alternativa para ações.
Mas esse “romance” pode acabar mal se, como muitos economistas já estão prevendo, o crescimento econômico mundial parar ou for atingido por uma onda inflacionária. Ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
O que vai acontecer? Existem quatro cenários possíveis. E quatro reações dos mercados.
Primeiro cenário: princípio de Cachinhos Dourados
O nome vem do conto em que "Cachinhos Dourados" toma uma sopa nem muito quente nem muito fria.
Nesse cenário, a economia mundial se recuperará dos problemas atuais -- variante Delta, gargalos na cadeia produtiva e focos geopolíticos - e voltará a crescer sem gerar inflação excessiva.
Esse é o enredo preferido pelo Federal Reserve (Fed) e pelo Banco Central Europeu (BCE), pois lhes permitiria retirar o enorme estímulo monetário dos últimos anos de forma lenta e gradual, dando mais tempo aos políticos para aprovarem novos gastos (nos Estados Unidos) ou usarem os fundos já orçados (na Europa).
Nesse caso, o Bull Market dominaria os mercados, empurrando os índices de ações para novas máximas.
Com o resultado de dar razão aos investidores que permaneceram investidos em ações e em títulos de alto rendimento mas péssima nota de crédito (“junk”, lixo, na tradução para português).
Segundo cenário: estagflação
Fenômeno temido pelos mercados, a estagflação -- crescimento baixo ou negativo acompanhado de inflação alta -- já se manifestou nos últimos meses, quando a variante Delta reduziu o Produto Interno Bruto (PIB) e a alta dos preços foi bem acima das metas dos bancos centrais do mundo inteiro.
Os banqueiros centrais até agora insistiram em massa que a inflação atual é um mal-estar temporário e que retornaremos ao cenário "Cachinhos Dourados" em breve.
Todavia nem todos concordam.
Economistas e analistas, como Nouriel Roubini, já falam abertamente que a imensa massa monetária impressa pelos bancos centrais vai continuar alimentando a inflação.
Esse efeito será amplificado por uma série de choques externos, como os efeitos da mudança climática, o protecionismo desenfreado em todo o mundo e o aumento do custo do transporte internacional.
Se somarmos a isso os aumentos salariais solicitados pelos trabalhadores em um momento em que as empresas lutam para contratar profissionais, fica claro que as pressões inflacionárias serão tudo menos "temporárias".
Tal situação colocaria os bancos centrais na corda bamba, pois retirar o estímulo e aumentar as taxas de juros poderia gerar uma crise financeira e recessão.
Mas, ao mesmo tempo, a manutenção das políticas atuais fomentaria ainda mais a inflação.
É por isso que, nesse cenário, muitas “Cassandras” estão prevendo uma queda nos lucros corporativos, um crash nas bolsas de valores e uma fuga de investidores para ativos considerados “portos seguros”, como ouro e títulos do governo dos Estados Unidos.
Terceiro cenário: Superaquecimento
Uma mistura dos dois cenários anteriores: forte crescimento -- impulsionado pelo enfraquecimento da variante Delta, pelos estímulos fiscais e pela solução de problemas na cadeia de abastecimento.
Entretanto, mesmo nesse cenário mais positivo, a inflação continua elevada.
No curto a médio prazo, esse seria um resultado positivo para os mercados de ações. Isso pois a combinação de crescimento econômico e alta dos preços ajudaria as empresas.
Especialmente se os bancos centrais não apertarem o cinto da política monetária.
No longo prazo, porém, as expectativas de inflação de consumidores, trabalhadores e empresários se ajustariam a um nível superior ao atual, colocando os bancos centrais no dilema entre tolerar uma inflação galopante e aceitar uma recessão.
Para os operadores, a bolsa de valores se transformaria em uma dança das cadeiras de alto risco, em que se pode ganhar dinheiro por um tempo, mas, quando a música para, os expostos correm o risco de ruína.
Quarto cenário : baixo crescimento, baixa inflação
É difícil pensar que, se a inflação permanecesse alta por muito tempo, os bancos centrais não interviriam com aumento das taxas de juros.
O corolário dessas mudanças seria uma desaceleração econômica.
Por isso, poderia não ser uma estagflação, mas um crescimento baixo com baixa inflação.
O mesmo cenário que o mundo conheceu depois da crise financeira de 2008.
Os efeitos negativos seriam os mais variados.
Do aumento da desigualdade social, pois os salários parariam de crescer e o mercado de trabalho sofreria, até a volatilidade financeira exacerbada pelos níveis muito elevados de dívida pública e privada que se acumularam recentemente.
Além disso, uma economia estagnada seria incapaz de liberar o potencial das empresas, seja em termos de lucros, de inovação ou de tecnologia.
Para os mercados, é um cenário pouco interessante, pois pressagia um longo período de mediocridade, e sem poder contar com a ajuda dos bancos centrais como em 2008.
Talvez esse cenário não leve a um crash das bolsas de valores. Mas com certeza provocará uma queda dos estratosféricos níveis de valor das ações alcançados nos últimos meses.
Entretanto existe também a concreta possibilidade de que esses cenários não sejam mutuamente exclusivos. Mas que se transformem em etapas na trajetória de mercados, economias e bancos centrais em busca de uma saída da excepcionalidade dos últimos dois anos, em direção a uma nova normalidade a ser definida.
A pergunta que todo o mundo se faz, da Faria Lima até Wall Street, é: qual vai ser esse novo normal?
*Carlo Cauti é editor multimídia da EXAME Invest.