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Arcabouço fiscal: reação do mercado foi tímida apesar de positiva, diz Inter

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, vê a nova regra com bons olhos mas se preocupa com as projeções do governo

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter: regra é boa, mas metas são otimistas (Inter/Divulgação)
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 31 de março de 2023 às 09h30.

O governo Lula apresentou ontem a nova ferramenta de controle das contas públicas tão aguardada pelo mercado. O arcabouço fiscal propõe um limite para expansão dos gastos do governo, atrelado à receita. Continua sendo um limite para os gastos, mas mais flexível que a antiga regra. Enquanto o teto de gastos não permitia expansão da despesa acima da inflação, o arcabouço autoriza crescimento real de gastos dentro de uma faixa entre 0,6% e 2,5%.

A regra foi bem recebida no mercado, que respondeu com alta de quase 2% no Ibovespa na véspera. Os ganhos, no entanto, poderiam ser maiores na opinião da economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória – especialmente considerando o quão pessimista o mercado estava nas últimas semanas.

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“A regra apresentada é uma sinalização bastante positiva frente ao que o mercado esperava, principalmente no campo do controle do crescimento das despesas em até 2,5%. Então a reação da bolsa é até tímida, acredito que poderia ser até um pouco maior. É preciso aguardar mais detalhes no lado da arrecadação”, diz Vitória em entrevista à EXAME Invest .

A grande preocupação da economista é com as projeções do governo, que pretende zerar o déficit primário já no ano que vem e alcançar um superávit em 2025. O Inter estima que seriam necessários aumentos da ordem de R$50 bilhões a 150 bilhões por ano, entre 2023 e 2025 para alcançar os resultados propostos pelo governo.

“O arcabouço é bom, mas as projeções são muito otimistas. Ainda assim, existe um espaço muito grande para os juros caírem nos próximos meses se o que foi proposto for concretizado”, avalia. Para além das projeções do governo, o mercado aguarda também a tramitação da proposta no Congresso, que pode alterar o desenho inicial do arcabouço. Veja abaixo a entrevista completa:

O arcabouço fiscal propõe um teto flexível que permite um crescimento real da despesa entre 0,6% e 2,5%, enquanto o teto de gastos não permitia despesas acima da inflação. Como você avalia a mudança?

Rafaela Vitória: A proposta do arcabouço é positiva e é possível enxergar isso se considerarmos dois pontos do histórico. O primeiro foi um crescimento muito elevado das despesas até 2016. Em comparação, se percebe que o patamar de 2,5% é um crescimento mais moderado. O segundo ponto, no outro extremo, foi praticamente de nenhum crescimento de receita entre 2016 e 2022, que mesmo assim gerou uma alta de 1% nas despesas por conta dos furos no teto de gastos. [Na regra atual, essa alta na despesa estaria limitada a 0,6%]. Então, o novo arcabouço traz um crescimento moderado de gastos.

A previsão é zerar o déficit primário em 2024, atingir um superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026, último ano do mandato de Lula. Você disse que as projeções são otimistas. Acredita que a meta é factível?

Vitória: Esse é o lado negativo da apresentação do arcabouço. O governo trouxe uma previsão de superávit muito otimista, bem mais do que o mercado espera. E ainda não há um esclarecimento de onde vai vir a receita [para sustentar a meta]. O volume de receita adicional que o governo precisa fazer para atingir a projeção é bem agressivo. O fato da proposta ser bem otimista tira parte da credibilidade.

O governo se adiantou aos questionamentos e disse que deve apresentar algumas propostas para recompor a arrecadação, com revisão de subsídios e taxação de novos setores, como o de apostas eletrônicas. Isso será suficiente para alcançar a projeção ou seria necessária a criação de um novo imposto?

Vitória: Parta da arrecadação poderia vir de corte de subsídios de alguns setores. Mas é muito difícil o governo alcançar esse superávit sem novas cobranças, porque a previsão de crescimento da economia é baixa para os próximos anos e ainda estamos no fim de um processo de aperto monetário. Uma especulação que podemos fazer é a criação do imposto de renda sobre dividendos que já foi discutido no governo passado. Essa pode ser uma nova tributação considerada.

O arcabouço pode impactar a trajetória dos juros no Brasil?

Vitória: Para vermos a redução dos juros, precisamos ver a versão final do arcabouço que será aprovado no Congresso. E vamos precisar também de resultados. No segundo semestre de 2023 teremos uma ideia melhor de como está a previsão de superávit. Ao longo dos próximos meses vamos ter a ideia de como está a execução no controle de despesas e na melhora da arrecadação.

Como você avalia a reação do mercado ao arcabouço? A bolsa subiu quase 2% ontem, seria um sinal de otimismo com a nova regra?

Vitória: Acho até o contrário, o mercado está bastante pessimista nas últimas semanas e meses. A regra apresentada é uma sinalização bastante positiva frente ao que o mercado esperava, principalmente no campo do controle do crescimento das despesas em até 2,5%. Então a reação da bolsa é até tímida, acredito que poderia ser até um pouco maior. É preciso aguardar mais detalhes no lado da arrecadação. Acho que tem um espaço muito grande para os juros caírem nos próximos meses se o que foi proposto hoje for concretizado.

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