Dólar: moeda americana acumula alta de quase 10% contra o real em 2021 (Craig Hastings/Getty Images)
Guilherme Guilherme
Publicado em 3 de março de 2021 às 06h00.
Última atualização em 3 de março de 2021 às 09h44.
Se no início do ano as estimativas de mercado apontavam para um dólar fraco em 2021, os dois primeiros meses mostraram o oposto. No Brasil, com uma valorização acumulada de 9,2% desde janeiro, o dólar subiu mais contra o real do que perante qualquer uma das principais moedas emergentes do mundo.
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Os principais motivos para apreciação da moeda, mais uma vez, se encontram em Brasília. Com as incertezas fiscais cada vez maiores, o aceno populista do presidente Jair Bolsonaro tem sido o estopim para reações enérgicas no mercado.
Desde que demitiu o presidente da Petrobras de forma intempestiva, o dólar acumula alta de 5,5%. Somente nesta terça-feira, 2, a moeda americana subiu 1,17%, para 5,66 reais, após a confirmação de que a isenção dos impostos sobre o combustível será compensada pelo aumento da alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 20% para 25%.
“No fim, 300.000 caminhoneiros vão ter combustível subsidiado por tomadores de crédito, que vão ter que pagar mais caro. Se o nosso governo seguir nessa toada mais populista, o dólar pode ficar acima de 6 reais”, afirma Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos.
Em meio à nova abordagem do governo, outro temor volta a crescer no mercado: uma possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em entrevista ao canal Primo Rico que foi ao ar nesta terça-feira, 2, ele próprio falou da possibilidade. “Se tiver que empurrar o Brasil para o caminho errado, prefiro sair”, disse.
“Paulo Guedes ainda representa o pensamento que tivemos na eleição do Bolsonaro, de um Estado mais enxuto, de reformas. Sua saída seria muito ruim em todos os aspectos. É difícil o mercado passar por toda essa turbulência sem colocar prêmio nos ativos. Não se tem mais certeza do que pode acontecer", diz Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama.
Para o economista, dado o “mau humor atual”, o patamar do dólar está “bem precificado”. “Mas é evidente que se as coisas caminharem pior, o dólar pode ir para perto de 6 reais.”
Até os 6 reais, porém, a moeda ainda tem três pontos de resistência para serem superados, segundo Lucas Claro, analista do BTG Pactual Digital. Seriam eles: 5,77 reais, 5,90 reais e só então os 6 reais.
Para conter a valorização desenfreada da moeda americana, o Banco Central vem intensificando sua atuação no mercado de câmbio. Nesta terça, a autarquia fez dois leilões à vista, chegando a reduzir a alta que chegou a superar 1,5% no pregão.
Mas, segundo Lucas Claro, essas intervenções já não estão surtindo o mesmo efeito. “O mercado está com menos medo do Banco Central nos últimos dias. Se falasse, semanas atrás, de ficar comprado com o dólar a 5,50 reais, haveria algum receio da atuação do Banco Central. Hoje a moeda bateu em 5,74 reais”, diz.
Mas, além do cenário interno, o exterior também vem afetando a alta da moeda.
No início do ano, o esperado aumento de políticas de estímulo com a posse de Joe Biden nos Estados Unidos era um dos argumentos de quem defendia que iria acontecer a queda do dólar. Porém as consequências da injeção de dinheiro se tornou uma das ameaças à tese, com a perspectiva de inflação elevando os rendimentos dos títulos americanos de longo prazo ao maior valor em 12 meses na última semana.
“Os títulos americanos são conhecidos por serem a taxa livre de risco, o porto seguro do mundo. Se o título está pagando bem, o investidor vai alocar recursos lá em vez de em países emergentes”, explica Claro.
Além do real, o peso mexicano, a rúpia indiana e o rand sul-africano acumulam perdas contra o dólar no ano, ainda que menores que as da moeda brasileira.
Com a possibilidade de a esperada liberação do pacote de 1,9 trilhão de dólares nos Estados Unidos gerar ainda mais cautela de investidores com a inflação americana, o desempenho de moedas emergentes pode piorar ainda mais.
“Os Estados Unidos estão jogando dinheiro de helicóptero. Essa inflação não está tão distante. Isso é algo que também vem causando algum desconforto”, conta Espírito Santo.
“Se a inflação aparecer mais rapidamente do que se espera, bancos centrais do mundo todo vão ser obrigados a retirar os estímulos mais cedo”, diz Motta.
No Brasil, a redução dos estímulos monetários já é esperada para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), daqui a duas semanas, nos dias 16 e 17 março. As apostas variam de uma alta da taxa Selic de 25 pontos-base a 50 pontos-base, ou seja de 0,25 ou 0,50 ponto percentual. A taxa está atualmente em 2% ao ano.
Essa leve alta, segundo Claro, pode gerar algum alento ao mercado de câmbio. Isso porque, com os juros mais altos, o investidor estrangeiro teria um atrativo extra para investir na renda fixa brasileira, aumentando a oferta de dólares no país.
“O mercado já não está precificando a não-elevação de juros. Quase todo o mercado já precifica 50 pontos-base de alta, principalmente por causa dos títulos americanos. Agora, é ficar de olho no comunicado [da decisão de juros] e ver se isso vai aliviar o câmbio ou não”, afirma.