Carne bovina: De janeiro a novembro de 2025, o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas de carne bovina (Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 30 de dezembro de 2025 às 10h24.
Última atualização em 30 de dezembro de 2025 às 10h33.
A China deu mais um passo no processo que pode resultar em restrições às importações de carne bovina e impactar o Brasil — seu principal fornecedor — ao notificar oficialmente a Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o prejuízo grave à indústria doméstica causado pelo aumento das compras externas.
Segundo documento encaminhado ao Comitê de Salvaguardas da OMC, em 19 de dezembro, as importações de carne bovina cresceram de forma “recente, súbita, acentuada e significativa” entre 2019 e o primeiro semestre de 2024, período analisado na investigação aberta em dezembro do ano passado.
Nesse intervalo, diz a China, a participação da carne importada no consumo chinês subiu de 20,5% para 30,9%, enquanto a relação entre importações e produção doméstica alcançou 43,9% no primeiro semestre de 2024.
De janeiro a novembro de 2025, o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas de carne bovina, gerando uma receita de US$ 16,18 bilhões. Desse total, 1,52 milhões de toneladas foram para a China, representando 48,3% do volume total embarcado e 49,9% da receita do setor no acumulado do ano, mostram dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
O pedido de investigação atendeu a uma solicitação da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), que representa os interesses do setor local.
As autoridades chinesas afirmam que o avanço das importações provocou uma deterioração generalizada dos principais indicadores da cadeia local, incluindo queda de preços, receitas, lucros, produtividade e emprego, além do aumento dos estoques e da redução da utilização da capacidade industrial.
O impacto também atingiu a pecuária de corte, classificada como setor diretamente concorrente, que passou a operar com prejuízos recorrentes.
O documento detalha que a investigação abrange toda a carne bovina, fresca, refrigerada ou congelada, incluindo carcaças, meias-carcaças e cortes com ou sem osso. Por enquanto, porém, não há definição sobre quais medidas poderão ser adotadas.
A China não indicou se a salvaguarda será implementada por meio de cotas, tarifas adicionais ou outro mecanismo, nem estabeleceu um prazo para eventual aplicação.
A notificação esclarece ainda que, segundo as regras da OMC, países em desenvolvimento com participação reduzida nas exportações para a China podem ser excluídos de uma eventual medida.
No entanto, a lista apresentada mostra que esses países respondem por apenas 6% do total importado, o que mantém os principais fornecedores globais de carne bovina, como Brasil, Argentina, Uruguai e Austrália, expostos ao risco de restrições.
A expectativa de fontes ligadas ao Planalto e de pessoas a par do assunto era de que a China anunciasse, no dia 26 de dezembro, o resultado da investigação sobre as importações de carne bovina e quais medidas serão tomadas. Contudo, a estimativa é de que o país asiático deve anunciar, nos próximos dias, as cotas.
Interlocutores envolvidos nas negociações disseram à EXAME que há pressão dentro do governo brasileiro por retaliações à China.
Além disso, são unânimes em afirmar que deve haver uma cota imposta pela China às importações de carne, mas avaliam que o país asiático não deixará de comprar o produto brasileiro, já que precisa abastecer seu mercado interno.
A indústria chinesa de carne bovina enfrenta forte pressão desde 2023, atribuída principalmente ao aumento das importações, não apenas do Brasil, mas também da Argentina, Uruguai e Austrália.
Criadores de gado, associações setoriais e especialistas afirmam que a presença crescente da carne estrangeira no mercado doméstico tem comprimido as margens de lucro, gerado prejuízos generalizados e ameaçado a sustentabilidade da cadeia produtiva local, segundo reportagem do jornal chinês Global Times.
Diante desse cenário, representantes do setor defendem a adoção imediata de medidas de salvaguarda até o fim de 2025, para estabilizar o mercado e proteger a renda dos produtores locais.
Segundo Liu Qiangde, vice-secretário-geral da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), o setor de criação de bovinos acumula perdas desde 2023, na maioria em função ao crescimento das importações.
“Muitos criadores foram forçados a abater vacas reprodutoras para reduzir custos”, disse Liu em entrevista ao jornal.
Criadores relatam que, com o avanço da carne importada, os preços dos bezerros caíram, reduzindo drasticamente a rentabilidade da criação de matrizes.
Um produtor da região de Tacheng, em Xinjiang, afirmou ao jornal que, após uma breve recuperação no início de 2025, os preços voltaram a cair rapidamente, com bezerras vendidas entre 3.000 e 4.000 yuans (cerca de R$ 3 mil a R$ 4 mil).
O aumento dos custos de alimentação antes do inverno agravou ainda mais o quadro, levando muitos pecuaristas a tentar vender os animais sem sucesso, em razão dos preços baixos.
“Alguns perderam a confiança no mercado, deixaram de repor o rebanho e aceleraram a redução do plantel”, disse o produtor, defendendo a adoção urgente de medidas de proteção.
Nos últimos anos, as importações chinesas de carne bovina cresceram de forma expressiva, com alta acumulada de 73,2% entre 2019 e 2024. Nesse período, os preços da carne importada chegaram a ficar mais de 50% abaixo dos praticados no mercado interno, diz a CAAA.
Segundo a entidade, o número de vacas reprodutoras no país caiu 3% em 2024. Já as empresas de abate domésticas relataram prejuízos de 500 a 1.000 yuans (aproximadamente R$ 400 a R$ 800) por cabeça abatida.