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(the_burtons/Getty Images)
Marina Filippe
Publicado em 28 de janeiro de 2023 às 08h03.
Última atualização em 30 de janeiro de 2023 às 11h22.
“Você terminou de matar todo mundo que era contra a paz?” Wendell Berry
Começamos o ano sob o efeito da perturbação diante das cenas que os brasileiros (e o mundo) testemunharam, alguns com perplexidade, outros com revanchismo, nesta primeira quinzena do ano. Num espetáculo bárbaro e inédito de ataque às sedes dos três poderes da república em Brasília, milhares de pessoas vestidas de verde e amarelo orgulhosamente invadiram, vandalizaram e divulgaram seus crimes como se protagonistas fossem de um grande livramento.
Como será que cidadãos se tornam vândalos movidos por delírios de heroísmo, nos quais se consideram defensores da mesma democracia que atacam, da mesma constituição que saqueiam e da mesma justiça que violam? Como não perceberam que praticavam o mal que professam condenar, como o assassino de todos os adversários da paz do poema de Wendell Berry[1]? Como será que se tornaram coadjuvantes deste enredo absurdo que seguiu todos os marcos preditores deixados pelo ataque similar (e similarmente fracassado) à democracia americana, não mais do que dois anos atrás? Lá, como aqui, o efeito acumulado da exposição a uma combinação explosiva de mentira sistemática, negacionismo, delírios conspiratórios e efeito manada resultaram num desastre anunciado. Lá, como aqui, a manipulação astuta do fanatismo político mobilizou multidões na tentativa de “tiranizar a democracia”.
No final do ano passado, quando propusemos uma pausa para reimaginar o nosso futuro nos próximos quatro anos, o que vinha à mente não era um cenário em que teríamos que reconquistar nossa democracia. Mas, afinal, precisamos defendê-la, como nos lembra a caminhada dos chefes dos três poderes, de braços dados com os governadores e vice-governadores dos 27 estados em direção ao STF. E certamente o faremos, afinal, o espaço democrático e livre é o solo em que a igualdade de gêneros estabelecida na Constituição Federal de 1988 cria raízes e se estabelece, em uma dinâmica em que os recuos podem tornar-se impulsos para os próximos avanços.
Efetivamente, se não há direitos políticos igualitários sem a ativa participação das mulheres, também não há espaço para a livre defesa de seu acesso justo às leis sem o estado democrático de direito. Um e outro se retroalimentam, se fortalecem e se aperfeiçoam em um avanço recíproco, mesmo que não linear, de forma que o ataque a um, converte-se em uma violência ao outro também.
Passado o primeiro abuso, nossa democracia deu prova de resiliência, assim como a busca de representatividade das mulheres nos espaços de formulação das políticas que lhes afetam diretamente. Assim, vemos dentre os 37 ministérios do novo governo, 11 Ministras, dentre as quais Cida Gonçalves, liderança reconhecida e respeitada no enfrentamento da violência contra Mulheres e Meninas, Nísia Trindade, reconhecida por sua atuação como cientista e gestora da FioCruz na contenção da pandemia pelas mãos da ciência, Marina Silva, referência mundial na proteção do meio ambiente e Simone Tebet, afirmando-se como um nome de projeção nacional à frente de uma pasta compatível com sua relevância nas urnas e nos debates.
Longe ainda de termos uma distribuição paritária, prosseguimos na conquista de espaço, legitimidade e participação dentro do modelo civilizatório democrático, que, a despeito de suas falhas, ainda é a nossa melhor defesa diante da barbárie e nos dá esperança de um cenário mais equilibrado e menos extremista, que engrandeça a democracia brasileira com diversidade e pluralidade.
[1] Wendell Berry Reads: The Contrariness of the Mad Farmer
*Daniela Grelin é diretora executiva do Instituto Avon
**As opiniões expressas no artigo não, necessariamente, representam as opiniões da EXAME.