Microagressões, solidão e racismo: a luta do MOVER para ter 10 mil pessoas negras na liderança
Em entrevista exclusiva à EXAME, a gerente de relações públicas da organização, Luciene Rodrigues, conta os avanços e retrocessos da pauta racial nas empresas
Repórter de ESG
Publicado em 20 de novembro de 2024 às 10h00.
O Movimento pela Equidade Racial (MOVER) é uma das principais organizações brasileiras que atuam peloengajamento das empresas na pauta racial. Criada em 2021, a associação conta com 56 empresas afiliadas, garantia do compromisso corporativo em aumentar a presença de pessoas negras em cargos de tomada de decisão e melhorar a qualidade de vida da população.
Até 2030, as metas do conglomerado de empresas são: ter mais de10 mil posições de liderançaocupadas por pretos e pardos, buscando mexer os ponteiros da inclusão profissional; e gerar3 milhões de oportunidades para a população negra, como a promoção de cursos, capacitações e vagas em todos os níveis.
Em 2024, os resultados já são animadores: 2.016 pessoas negras ocupam cargos de chefia, muito acima da meta de 1.277 até o fim deste ano. Além disso, mais de 280 mil oportunidades diretas e indiretas para melhoria de currículo e empregabilidade foram criadas. A organização também fecha o ano com nove empresas recém associadas.
Apesar do movimento global de queda nosinvestimentosemdiversidade e inclusão, a gerente sênior derelações públicas do MOVER, Luciene Rodrigues, conta que essa discussão não pode ser importada para a realidade brasileira. “Nosso país teve processo escravatório de séculos, é o que mais recebeu pessoas escravizadas e no qual o racismo está nas estruturas. É constitucional fazer ações afirmativas aqui”, conta.
Antes gerente de marketing na Coca-Cola, onde atuava como uma voluntária no grupo de afinidade racial, Luciene integra o MOVER desde 2022, onde já passou também pela área de projetos e parcerias. Ela explica que, no movimento, busca endereçar os problemas de diversidade que as companhias atuais ainda vivem para solucionar conjuntamente com as companhias.
Inclusão produtiva da população negra
Mais do que garantir a entrada de pessoas negras nas companhias, a luta do MOVER e de Luciene é pela plena inclusão dessa população, sem que os profissionais vivenciemmicroagressõesou casos mais graves de racismo.“Antes de garantir o desenvolvimento dos profissionais,precisamos que eles resistam e estejam de pé para suportar essas mudanças”, conta.
Uma dessas violências é a tokenização, quando uma pessoa negra é usada para o marketing da cultura diversa da empresa, mas no dia a dia, a realidade é outra. Luciene conta que esse cenário, também chamado de “o preto único ”, ainda acontece muito nas empresas brasileiras.
“Enquanto negra, acabamos ascendendo e percebendo que somos a única em muitos lugares. Noambiente corporativo, se isso é praticado, é muito nocivo. No MOVER, temos iniciativas para minimizar esse ponto”, conta.
O Movimento conta com diretrizes para guiar o caminho da diversidade racial, como a promoção de um ambiente seguro, criação de grupos de afinidade e até mesmo como construir uma agenda de marketing sobre a cultura de inclusão – desde que as ações já estejam estruturadas na companhia. “Sabemos que combater algo estrutural não é da noite para o dia, e o resultado às vezes demora para aparecer”, explica Rodrigues.
Parte da busca pela solução são as trocas entre as equipes deESGerecursos humanos das companhias e a associação. Além de fóruns trimestrais com os líderes, o MOVER ainda realiza reuniões individuais para entender os avanços – e retrocessos – em cada companhia. “Antes de implementar qualquer ação de impacto social, é preciso que a população negra esteja saudável na empresa.”
Assim, o movimento incentiva a criação de redes de apoio, aquilombamento e networking entre os funcionários negros, onde podem se auxiliar no processo de enfrentamento do racismo.
Impacto na saúde mental
A saúde mental dos profissionais pretos frente às sutilezas doracismocorporativo é uma das prioridades do MOVER. “Ouvir as microagressões -- como o sutil 'Você que é da limpeza?', até ações mais concretas e explícitas, como ‘Seu cabelo ficaria tão mais bonito liso’ -- levam você a duvidar do seu potencial”, conta.
Por isso, criar espaços seguros para adenúncia de casos de racismo, assim como tratar de que as agressões não impactem o psicológico dos profissionais, está entre os objetivos do Movimento pela Equidade Racial.
“As pessoas não pedem ajuda com medo do que vai acontecer depois. O empoderamento, o autocuidado e o trabalho com o RH ajudam a receber isso de forma melhor, lidando com uma camada que antes era ignorada.”
Para mulheres, esse impacto é ainda pior. Além das maiores taxas de desemprego -- acima mesmo da média nacional --, elas são minoria na liderança executiva e as principais responsáveis pelo sustento da própria família. Mas não é por falta de vontade ou interesse.
“As mulheres estão aí e querem fazer, mas é preciso promover o acesso e disponibilizar oportunidades para que elas cheguem lá. Antes da estrutura racial, temos o machismo”, explica Rodrigues. No programa MOVER Hello, que oferecebolsas de inglês gratuitas, cerca de 60% dos inscritos eram mulheres. Já no Educatech, voltado para o ensino de tecnologia, elas foram 52% dos inscritos.
A solução mágica para a desigualdade racial, infelizmente, ainda não existe. Luciene acredita que o processo inclui olhar mais de perto as ações das empresas. Em 2025, a organização busca umacompanhamento individual de cada funcionáriocontratado a partir das ações do MOVER, o que pode ajudar a desenhar melhor os direcionais e acompanhar os resultados com propriedade.
Responsabilizar quem surfa nos privilégios também é uma das – difíceis – tarefas. Para Luciene,a mudança não deve cair sobre o colo dos negros: quem precisa dar o pontapé na mudança de hábitos são as pessoas brancas, aqueles que sãoaliadose têm poder de decisão e liderança. “É necessário conscientizar quem já está na liderançapara que se tornem agentes da transformação. As pessoas estão cansadas. Quem vai ser o responsável por isso?Quem vai fazer a agenda mover?”, questiona.