Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil?
O verso do Hino da Independência do Brasil mostra ser o questionamento fundamental para partir a um paralelo entre o ano do evento e seu bicentenário
Colunista
Publicado em 21 de janeiro de 2023 às 08h01.
Última atualização em 3 de julho de 2024 às 11h10.
Por Julia Puppi*
O ano de 2022 marcou 200 anos da declaração de independência do Brasil. As comemorações não fugiram muito da reinauguração do Museu Ipiranga com luzes verdes e amarelas, da exposição do órgão vital de Dom Pedro I, do tradicional desfile cívico-militar e de palpites frustrados para o tema da redação do Enem.
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O Bicentenário veio como uma exaltação dos avanços conquistados em dois séculos. No entanto, a ingenuidade e a celebração pelo conquistado até o momento não podem blindar a população daquilo que o país precisa construir e aprimorar.
Socialmente, ainda que a desigualdade seja marcante, houve conquistas óbvias aos grupos vedados dos privilégios estamentais, como mulheres, negros, comunidades LGBTQIA+, entre outros. A exemplo, a população feminina começou a ganhar certo espaço já em 1822: com o marido viajando para São Paulo, Dona Leopoldina foi a responsável, não só por pressionar Dom Pedro para desprender o país da metrópole portuguesa, como também pela própria assinatura da declaração de independência. Sim, foi uma mulher que assinou o documento oficial de independência, uma ação certamente revolucionária para 1822.
Além desta simbologia, as mulheres conquistaram muito durante os últimos 200 anos: Direito à educação escolar (1827); Direito de votar e ser votada (1932); Primeira delegacia da mulher (1985); Reconhecimento da mulher como igual ao homem legalmente (1988); Retirada da “falta de virgindade” da lista de motivos para anulação de casamentos (2002); Lei Maria da Penha (2006); criminalização da importunação sexual (2018).
Avanços importantes, mas ainda há muito a ser feito, como aumentar a representatividade política feminina, que ainda aponta apenas 15% dos deputados eleitos no país, refletindo diretamente nos caminhos da sociedade hoje. Não apenas feminina, mas a falta de diversidade étnica na política ainda é preocupante: apenas em 2022, foi eleita a primeira mulher indígena como deputada, representando os mais de 730 mil indígenas no país.
Situando a questão étnica, a amenização do racismo não começou com a Lei Áurea (13 de Maio de 1888), ao contrário do que muitos inferem. A intenção da Princesa Isabel ao assinar o decreto que pôs fim à escravidão era aliviar as pressões políticas no reinado de seu pai, D. Pedro II e mitigar as investidas inglesas sobre o Brasil.
Dessa forma, é importante destacar que a Lei Áurea não ativou nenhum mecanismo de reparação para os escravizados, agora livres, se inserirem em uma sociedade em desenvolvimento, sendo visível a herança dessa falta de políticas de inclusão até os dias atuais. Situação muito bem representada pelas escritas machadianas do dia 19 de Maio, Bons Dias!
A verdadeira lei que combate a discriminação de raça foi promulgada apenas em 5 de janeiro de 1989, ou seja, apenas um século depois: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Outro elemento bem visível quando se analisa os avanços do país durante estes 200 anos é a democracia. Após passar por reinados, regências, repúblicas oligárquicas, ditaduras e até a volta sucinta de um regime parlamentarista após a renúncia de Jânio Quadros, o país parece, hoje, ter chegado em um momento de sustentação do regime democrático presidencialista: é assegurado o voto de todos os cidadãos pela constituição, divisão de três poderes, mantendo a representatividade, engajamento político crescente, liberdade de expressão assegurada na Constituição, escolha de voto…Havia, já antes da proclamação da República do Brasil, em 15 de Novembro de 1889, rastros de ideias democráticas para o país.
Em 1824, o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, sugeriu um projeto para a primeira Constituição do Brasil Império: a chamada “Constituição da Mandioca”. O documento previa o direito de voto atrelado à renda aferida por alqueires de mandioca, isto é, aquele que tinha acima de 150 alqueires de plantação de mandioca poderia exercer sua cidadania.
O cálculo favorecia uma elite agrária. Porém, a divisão do governo em 3 poderes, também prevista na Constituição idealizada, atacaria o autoritarismo frágil de Dom Pedro I, que acabou aprovando outro projeto de Constituição, em 1824. O novo regime inseriu um quarto poder: Poder Moderador, responsável por controlar os outros 3 poderes.
Do outro lado da balança, o marco de 200 anos da independência do país põe em xeque os atrasos da nação em âmbitos internacionais. Sejam estes delays sociais, econômicos, acadêmicos ou políticos.
Desde 1822, o Brasil é subalterno na economia mundial em vários setores. No ano da independência, o PIB do país correspondia a 0,4% do PIB mundial. Por falta de verbas, as cidades eram pouco integradas e, em alguns casos, quase autossuficientes. Assim, os lucros vinham da exportação de matérias-primas em um contexto no qual já reinava, na Europa, a Revolução Industrial: enquanto ingleses criavam indústrias, brasileiros cultivavam mandioca e ingressavam de forma desigual no comércio global.
O cenário mudou, mas ainda está longe de ser o ideal para um país de 200 anos de idade. A desindustrialização do Brasil pesa na economia: a grande questão é que os lucros continuam vindo de exportações de matérias-primas agropecuárias e minerais, e as despesas da importação de produtos industrializados. O mercado, fissurado nas novas tecnologias, valoriza muito mais os produtos inovadores do que os materiais para suas produções.
Como um país ainda em desenvolvimento, qualquer abalo na demanda mundial dos produtos primários afeta profundamente o povo brasileiro. Entendendo a problemática, tanto Juscelino Kubitschek, quanto os governos ditatoriais, obtiveram certo sucesso na busca de industrialização do país: 48% do PIB brasileiro correspondeu a tal área. Porém, desde 1980, a nação passa pelo processo oposto, fazendo com que as indústrias passassem a corresponder a nada muito além de 20% do PIB, o que leva, à reboque, a uma acentuação do desemprego formal no país, entre outros encargos.
Outro abismo do Brasil é o posicionamento relativo à Ciência no país. Há na História da nação, uma tendência à emigração quando se quer cursar ciência devido à falta de investimentos na área. A exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva, que saiu de Santos, onde nasceu em 1763, para estudar Ciências Naturais na Universidade de Coimbra, em Portugal, pois, ao contrário da vizinha Coroa espanhola, os lusitanos não tomaram a criação de universidades nas colônias americanas como prioridade.
O pensamento é simples: como ser cientista no Brasil é enfrentar o descaso em escala governamental, a saída é levar tais interesses para um lugar que realmente aprecie o que a Ciência e estudiosos brasileiros têm a oferecer. Enquanto os Estados Unidos, um país que investe mais de meio trilhão de dólares nesta área, lidera o ranking de país com mais prêmios Nobel, com 355 ganhadores, o Brasil permanece com um placar muito inferior.
Nos últimos anos, a média de investimento nacional em Ciências foi de aproximadamente 1% do PIB brasileiro, um cenário já aterrorizante, principalmente, em meio à pandemia. Porém, o contexto piorou quando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) sofreu um corte de 87% do orçamento vindo do projeto de lei PLN 16/2021, alterado em 7 de Outubro de 2021.
O Brasil é, ainda, um adolescente. Um país em transição tentando encontrar sua identidade no cenário global como uma nação autônoma. Porém, já está mais do que óbvio que a independência política não é suficiente para que um país alcance seu apogeu. Encerra-se, agora, um ciclo de 200 anos que exala, consigo, marcos fundamentais de desenvolvimento das bases de uma maturidade ainda a ser conquistada, mas que não mede esforços para mostrar a influência de um passado de costumes antiquados ainda enraizado na sociedade.
*Julia Puppi é parte do projeto Jovens Cientistas.
**As opiniões expressas no artigo não, necessariamente, representam as opiniões da EXAME.