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Jack Ma: como o sumiço do empresário mostra fragilidades na governança corporativa

Fundador do Alibaba não aparece em público há três meses após criticar bancos chineses; caso evidencia falhas comuns para a gestão de uma grande companhia

Jack Ma: bilionário chinês fez declarações negativas sobre o governo do país e exibiu fragilidades de governança (Liu Yang/Getty Images)
MC

Maria Clara Dias

Publicado em 7 de janeiro de 2021 às 09h00.

Jack Ma , fundador da gigante do e-commerce Alibaba e da plataforma de serviços financeiros digitais Ant Group, não é visto em público há mais de dois meses. A ausência acontece logo após o empresário chinês fazer duas críticas ao sistema regulatório do país, afirmando que ele é ultrapassado e que “atrasa a inovação”. O tom duro desagradou as autoridades chinesas e motivou o início de uma investigação contra a empresa, conforme relatado pelo jornal Financial Times.

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A despedida discreta de Ma dos holofotes levanta uma importante discussão no que cerne a governança corporativa: até que ponto é possível desassociar uma empresa de seu líder e das suas ações e declarações, e de que forma isso prejudica a companhia em termos de reputação e desempenho?

 

O prejuízo financeiro é a primeira resposta. A depreciação pesou na conta do Alibaba: o grupo perdeu mais de 200 bilhões de dólares em valor de mercado desde novembro, quando r eguladores suspenderam a abertura de ações da companhia - que até o momento estava sendo considerada como a maior oferta pública inicial (IPO) da história, no valor de 34 bilhões de dólares. Com os acontecimentos recentes, o empresário também chegou a perder 11 bilhões de dólares em 2 meses e com isso deixou de ser o homem mais rico da China, de acordo com o ranking elaborado pela revista Forbes. Para o governo chinês, a governança do grupo não é “sólida".

Em situações como a de Ma, é quase impossível desvincular a imagem da companhia à da sua liderança, de acordo com Eduardo Grytz, sócio da X8 Investimentos, gestora que investe em empresas de impacto e melhora seus processos de governança. No entanto, esse tipo de situação é mais comum quando o CEO tem destaque na mídia, como é o caso de Ma. “A governança deve cobrir situações em que líderes comuns ou personalidades com visibilidade têm algum tipo de desvio de conduta, mas esse cenário é muito mais repercutido quando falamos em pessoas como Jack Ma ou Elon Musk, por exemplo”, disse.

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Além do desempenho financeiro, que refletem consequências imediatas, os impactos diretos na empresa podem estar relacionados a complicações no médio e longo prazo, interrupção do relacionamento com todas as partes interessadas, os chamados stakeholders. Clientes e fornecedores podem decidir por cortar relações comerciais com o intuito de desassociar a imagem institucional à empresa envolvida em problemas públicos. “Hoje, a questão da imagem está ligada ao ESG, e isso causa um risco de mercado gigantesco para as empresas", afirma Grytz.

Discurso versus ação

Uma declaração negativa não é necessariamente uma falha de governança, a não ser que o gestor não esteja completamente alinhado com os propósitos da empresa. “Se há um claro entendimento do legado que a empresa é, e do que ela quer deixar para os stakeholders, um simples deslize público pode não ser uma crise”, diz Luana Maia, diretora de operações e planejamento estratégico do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, o CEBDS, uma ONG dedicada a fomentar boas práticas corporativas no capitalismo brasileiro.

No caso de Ma, a falha de governança não teve relação direta com seu posicionamento pessoal, mas sim com as possíveis práticas monopolistas e falta de transparência nos processos e sobretudo o desalinhamento entre práticas da empresa e declarações públicas - um erro comum de governança, segundo Anna Peliano, coordenadora do BISC, relatório de responsabilidade social e corporativa publicado anualmente pela ONG Comunitas, uma das principais organizações do terceiro setor no Brasil dedicada à melhoria da governança em empresas e órgãos públicos.

“Quando um líder se compromete publicamente, ele deve saber que estará sob o olhar de todo o mundo e a rigidez com que diversos envolvidos do mercado irão acompanhar suas ações será bem maior”, disse.

Ao criticar publicamente o sistema regulatório da China, a empresa de Ma abriu uma brecha para  uma rígida análise das suas práticas. “Assim como uma empresa que irá publicamente falar do comprometimento ambiental, uma companhia que se pronuncia está mais vulnerável e será mais cobrada para que de fato mostre que atende à imagem que tentou espelhar”, diz.  É importante ressaltar, no entanto, que ainda não há nenhuma evidência de que de fato o Ant Group tenha infringido qualquer regulação.

Reconstrução da imagem

Sair de uma perda financeira como a do mal-sucedido IPO do Ant Group não é missão simples. O processo de reconstrução de imagem de uma companhia após uma repercussão pública negativa é lento e exige ações concretas, segundo Peliano. “Reconstruir uma imagem é muito mais difícil do que destruir. Pronunciamentos são apenas o passo inicial”, diz.

De acordo com Grytz, da X8, o que houve com Jack Ma pode não exprimir uma fragilidade de governança, caso a empresa tenha bons mecanismos para remediar consequências negativas que ainda virão. Para ele, quando uma companhia tem processos sólidos de governança, como códigos de conduta e ética bem estruturados, uma reversão de crise se torna mais simples. “Um bom sistema de governança evita situações como essa, e quando é incapaz de evitar, ele ajuda a solucinar”, diz.

Apesar de ser comum em casos de declarações públicas negativas, a ausência ou substituição do bilionário frente à liderança da empresa, ou no pior dos cenários, a dissolução da repartição do Ant Group responsável por gestão patrimonial e empréstimos pessoais acarretaria em uma perda inestimável para os investidores, além de suspender atendimento a mais de meio bilhão de pessoas.

O fato é que Jack Ma terá de conquistar a confiança dos reguladores chineses e dos acionistas novamente - quando reaparecer.

 

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