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Brasileiros na ONU: tecnologia não pode aumentar disparidade de gênero e raça

Brasileiros da sociedade civil e setor privado se reuniram na ONU para discutir como avançar na equidade de gênero e raça; evento foi organizado pelo Pacto Global da ONU no Brasil

Evento promovido pelo Pacto Global da ONU no Brasil, durante a 67ª Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW, da sigla em inglês), em Nova York (Pacto Global/Reprodução)
Marina Filippe

Repórter de ESG

Publicado em 17 de março de 2023 às 11h54.

Última atualização em 12 de junho de 2023 às 17h53.

De Nova York*

Apenas uma a cada cinco pessoas na tecnologia são mulheres. O dado é apenas um dos exemplos da disparidade de gênero no mercado de trabalho e foi repetido por diferentes participantes de um evento promovido pelo Pacto Global da ONU no Brasil, durante a 67ª Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW, da sigla em inglês).

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“Um dos desafios é superar a invisibilidade das mulheres em áreas como a ciência. Para além disto, é preciso promover a equidade para que as mulheres tenham acesso à internet tanto quanto os homens e atravessar outros problemas como a disparidade salarial, que é em média de 16% globalmente, mas chega a 34% em alguns países", disse Raquel Virgínia, mestre de cerimônias do evento e CEO da consultoria Nhaí.

Blanche Tax, vice-diretora da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), lembrou como a situação é ainda pior para mulheres que deixaram os países de origem por questões como crise, violência e mais. "Essas mulheres precisam de ainda mais resiliência para a reconstrução de suas vidas. Elas sofrem o preconceito por estarem em uma situação de refúgio e pelo vies de gênero, mesmo quando muito qualificadas profissionalmente", afirma. De acordo com a executiva, um dos trabalhos da ONU para evitar esse problema é uma plataforma de boas práticas que conecta as empresas com pessoas em situação de refúgio. "As companhias são importantes para promover a inclusão", diz.

Carlo Pereira, CEO doPacto Global da ONU no Brasil, lembrou de como a pandemia da covid-19 travou alguns avanços para a equidade, e do papel fundamental das empresas para evolução acelerada. "Temos movimentos voltados para gênero, raça e mais. As companhias que aderem se comprometem a mudar o cenário atual e, mais do que isto, a medir a efetividade das ações para que não haja greenwashing".

Tecnologia e equidade de gênero

O avanço da tecnologia, apesar de benéfico para a sociedade, deve considerar a disparidade entre homens e mulheres. "Estamos em uma sociedade na qual uma mulher é morta a cada dois minutos. O desenvolvimento tecnológico não pode desconsiderar a vivência das pessoas e acelerar uma desigualdade no acesso. Como efeito disto, atualmente, 44% das ferramentas de inteligência artificial têm vieses de gênero", diz Anna Falth, head global para o Empoderamento das Mulheres/WEPs, ONU Mulheres.

Para mudar, é preciso que mais mulheres ocupem espaços de decisão em setores tradicionalmente masculinizados. "Deve haver representatividade dentro das companhias para mudar os sistemas. Além disto, os vieses precisam ser quebrados, pois uma mulher pode ser boa em exatas e sentar numa mesa de conselho, por exemplo", diz Patricia Muratori, diretora do YouTube Brasil.

A executiva lembrou ainda de programas do Google para mitigar a disparidade de gênero. "Um deles é a doação de 10 milhões de reais para o programa Ela Pode, do Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME), para a aceleração de 200 mil mulheres empreendedoras. Outro é uma iniciativa de empoderamento feminino, chamada #IAmRemarkable, que já teve a participação de mais de 450.000 mulheres em 180 países".

Além de treinar mais mulheres para o setor de tecnologia e finanças é preciso gerar visibilidade. "Não compro a ideia de que só homens brancos trabalham em tecnologia. Muito do que temos hoje foi desenvolvido por mulheres negras, por exemplo. Em 2020, mulheres foram 18% das pessoas tituladas mestres e 19% das tituladas doutoras em ciência da computação no Brasil, de acordo com Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas, isto mostra como estamos no mercado e trabalhando para que a tecnologia seja mais acessível e diversa", afirma Nina da Hora,cientista da computação e pesquisadora.

O papel do setor privado

Uma das formas de trabalhar a mudança nas organizações é por meio de comitês, como faz a Eletrobras. "Temos metas que seguem o plano estratégico da companhia. Atualmente, 18.8% da força de trabalho é composta por mulheres, sendo elas 24.7%  da liderança", diz Renata Petrocelli, superintendente de comunicação da Eletrobras.

Já para Roberta Bicalho, diretora executiva de gente, gestão e sustentabilidade do Grupo SOMA, é preciso que a inclusão seja parte da cultura da organização para que avanços concretos sejam percebidos. "É preciso haver um esforço para que o tema seja abordado diariamente e por todas as áreas. Quando o assunto se torna parte dos negócios, o avanço é percebido. Além disto, é possível trabalhar com as marcas para reforçar causas. A Farm, por exemplo, tem um forte vies de sustentabilidade, e a Animale tem 80% de mulheres na força de trabalho, sendo 56% da alta liderança", afirma.

Já no Grupo Boticário, patrocinador do evento,mais de 60% do quadro é composto por mulheres. Segundo a companhia, o protagonismo está presente até mesmo em áreas onde comumente há maior representatividade masculina, como áreas de tecnologia, inovação e pesquisa. Nas áreas de Pesquisa e Desenvolvimento e Qualidade, a predominância é de mulheres cientistas, chegando a 70% dos colaboradores que compõem as equipes.

Ao colocar a inclusão e equidade de gênero no centro do negócio, as companhias passam a abordar outros assuntos, como a saúde mental. "Falar de saúde mental é considerar todas as características do colaborador de modo a torná-lo mais feliz e, consequentemente, engajado. Saúde mental, diversidade e inclusão são essenciais para os negócios e para a reputação das empresas, devendo ser não só parte do S, mas também do G da sigla ESG (em inglês, para ambiental, social e governança)", afirma MicheleSalles Villa Franca, diretora de diversidade, equidade, inclusão e saúde mental da Ambev.

Equidade de gênero e raça

Ao longo do evento, foi reforçada a necessidade de tratar equidade de gênero a partir de interseccionalidades que consideram outros atravessamentos, como raça, orientação sexual, deficiências, religião e mais. Neste contexto, Fernanda Ribeiro, cofundadora da Conta Black, detalhou como a empresa trabalha para gerar mais acesso para os empreendedores negros, especialmente as mulheres.

"O empreendedor negro tem o crédito negado pelo banco quatro vezes mais do que o empreendedor branco que vive nas mesmas condições, e quando há o recorte de gênero o desafio é ainda maior. Estamos gerando acesso ao crédito e a possibilidade da evolução dos negócios, utilizando também a tecnologia para mitigar os vieses e promover o empoderamento financeiro das pessoas que hoje estão nas periferias", diz.

Para Helena Bertho, especialista em comunicação e diversidade, é preciso que as pessoas e as organizações considerem a perspectivas individuais dos funcionários para gerar a inclusão de fato. "A maioria da população brasileira é mulher e negra. Considerar esse grupo minorizado e dentro de uma caixa de diversidade fala sobre a perspectiva do outro, que deve ser olhada com atenção. Se alguém for, por exemplo, em uma confraternização na casa da minha família, provavelmente, a pessoa diversa ali será a branca. Nas companhias, a lógica também precisa considerar os atravessamentos".

Benilda Brito,CEO Múcua Consultoria, reforçou a ideia de avançar nas pautas considerando as interseccionalidade. "Como mulher, negra, lésbica e de axé, meu corpo passar por diferentes violências na sociedade e não é possível separar nenhuma das minhas características. Não podemos mais debater equidade de gênero sem considerar todos os outros aspectos de cada um".

Compromisso com a diversidade e inclusão

De modo geral, os cerca de 120 participantes do evento na ONU, concordam que é preciso intencionalidade. Para isto, oPacto Global da ONU no Brasil trabalha com as organizações a partir de Movimentos como o Elas Lideram, ou ainda o Raça é Prioridade, que tem como ambição alcançar 1500 empresas comprometidas em ter 50% de pessoas negras em posição de liderança até 2030.

"Trazer essa discussão para a ONU reforça a importância de agirmos, e rápido. Vimos aqui desafios e boas práticas. Agora, as pessoas voltam ao Brasil com a missão de influenciar a mudança nas companhias e, consequentemente, em toda a sociedade", diz Camila Valverde,COO e diretora da frente de Impacto no Pacto Global da ONU no Brasil.

A necessidade de urgência é comprovada por estatísticas que falam em 130 anos para se alcançar, economicamente, a igualdade entre homens e mulheres. "Vimos a piora de indicadores como empregabilidade e acesso à direitos no Brasil e também em outros países. Se nada for feito, vamos levar muito tempo para alcançar a equidade, então, trabalhamos para engajar as pessoas em uma jornada de mudança efetiva e rápida", diz Tayná Leite, gerente sênior de direitos humanosno Pacto Global da ONU no Brasil.

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